segundo William Shakespeare
Alguns dos maiores encenadores mundiais estiveram presentes no Festival de Teatro de Almada, permitindo assim tomar o pulso ao que de mais importante e significativo se vai criando pelos palcos internacionais. Entre esses, Matthias Langhoff ocupa destacado lugar. O seu “Cabaret Hamlet . . .” é uma magnífico espectáculo que, tendo por base a peça de William Shakespeare (inteiramente reproduzida), a toma como ponto de partida para algo simultaneamente igual e diferente, recriando-a de forma muito imaginativa, partindo do cabaret alemão dos anos 20 e 30, passando por outras propostas, desde o Globo shakespeariano e a “Comedia dell’Arte” até aos entremezes populares. O palco não existe na sua formulação tradicional, mas sim dividido por várias áreas de representação, unidas por um estrado que invade o território do público. Os actores evoluem com um enorme à vontade por todo o espaço e o texto de William Shakespeare é trabalhado de forma muito liberal, entrecortado por canções, músicas, repetições, comentários, e mesmo alguma troca cronológica de tiradas. O que leva a representação para quatro horas e meia de duração, não cansativas, mas, pelo contrário, sugestivas e fascinantes.
Matthias Langhoff decidiu intitular este “Cabaret Hamlet” com uma nova designação: “En manteau rouge, le matin traverse la rosée qui sur son passage paraît du sang. Ou Ham. and ex by William Shakespeare”. Matthias Langhoff, que se formou no Berliner Ensemble e foi discípulo de Heiner Müller e admirador incondicional de Bertolt Brecht, tem por lema a ideia de “inversão” e de “organização do escândalo” (diz ele: “o teatro deve revelar o escandaloso e o obsceno que o mundo se esforça por esconder”). A sua leitura de “Hamlet” só pode ser provocadora a vários níveis. Começa logo por Hamlet ser interpretado por um actor (François Chattot, brilhante, diga-se), com mais de 60 anos, e Gertrud, a sua mãe na peça, não ter mais do que metade dessa idade (a igualmente notável Emmanuelle Wion). Mas toda a encenação obedece a este jogo irónico e subversivo, mantendo o essencial de Shakespeare, mas motivando novas abordagens, e sobretudo o efeito lúdico da novidade que obriga o espectador a uma atenção constante. Há também uma herança expressionista não negada, mas o todo afirma-se pela coerência, pela diversão simultaneamente popular e erudita, pelo gozo lúdico da mescla de registos. Cenários magníficos, actores excepcionais no seu conjunto, fazem de “Cabaret Hamlet” um dos pontos altos desta maratona teatral que teve Almada como principal destino (apesar deste espectáculo ter sido montado, igualmente de forma muito subversiva em relação ao espaço escolhido, o CCB, em Lisboa).
Matthias Langhoff entrou muito jovem para o Berliner Ensemble, de que foi co-director em 1992-1993, trabalhando também na Volksbühne. Apresentou as suas criações de Berlim a Barcelona, de Paris a Avignon, de Moscovo ao Epidauro, na Grécia, mudando constantemente de palcos e de público (foi um dos principais encenadores da obra de Heiner Müller, de quem estreou várias peças). De concepções nem sempre consensuais, alia rigor e um humor expressionista herdado do primeiro Brecht, criando uma linguagem imediatamente reconhecível, na qual a inovação dramatúrgica se alia a um acerado olhar político e estético, que combate qualquer espécie de vulgaridade ou repetição de lugares-comuns. A apresentação em 2009, no Festival de Almada, de “Dieu comme patient...”, de Lautréamont, com encenação de Matthias Langhoff, constituiu um dos momentos inesquecíveis da história do Festival de Almada.
François Chattot é um dos melhores actores franceses da actualidade. Estudou na Escola do Teatro Nacional de Estrasburgo (entre 1974 e 1977), trabalhou com grandes encenadores, como Jean-Louis Hourdin, Matthias Langhoff, Jean Jourdheuil, Jean-François Peyret e Jacques Nichet, em textos de primeira água, de autores tão diversos como Shakespeare (Rei Lear, também sob direcção de Matthias Langhoff), Thomas Mann, Rainer Werner Fassbinder, Bernard- Marie Koltès ou Valère Novarina. Foi actor da Comédie-Française, onde estreou “A praça dos Heróis”, de Thomas Bernhard. Com uma sólida carreira cinematográfica, foi dirigido por grandes realizadores franceses – em Parlez-moi d’amour, de Sophie Marceau, por exemplo –, destacando-se o filme que acaba de protagonizar Les aventures extraordinaires d’Adèle Blanc-sec, de Luc Besson.
O público do Festival de Almada teve oportunidade de apreciar este excelente actor já por duas vezes: a primeira interpretando “À espera de Godot”, de Beckett, com encenação de Luc Bondy (2000), e, em 2003, com direcção de Jacques Nichet, em “Combate de negro e cães”, de Bernard-Marie Koltès. (Notas FTA).
“Cabaret Hamlet”, segundo obra de William Shakespeare; Tradução Irène Bonnaud; Encenação de Matthias Langhoff, Théâtre Dijon-Bourgogne – Cdn; Dijon, França; Co-produção: Odéon-Théâtre de l’Europe, Théâtre de artrouville-CDN, Théâtre National de Strasbourg, Espace Malraux-Chambéry; Intérpretes Agnès Dewitte, Anatole Koama, Charlie Nelson, Delphine Zingg, Emmanuelle Wion, François Chattot, Frédéric Kunze, Gilles Geenen, Jean-Marc Stehlé, Marc Barnaud, Osvaldo Caló, Patricia Pottier, Patrick Buoncristiani, Philippe Marteau, Tobetobe-Orchestra Antoine Berjeaut Antoine Delavaud, Brice Martin, Jean-Christophe Marq, Osvaldo Calo; Cenário Matthias Langhoff; Telões : Catherine Rankl; Figurinos : Arielle Chanty; Desenho de luz : Frédéric Duplessier; Música: Olivier Dejours; Coreografia: Gladys Massenot; Centro Cultural de Belém – Lisboa Grande Auditório; Duração: 4H30 (com intervalo); Classificação: M/ 12.
Matthias Langhoff decidiu intitular este “Cabaret Hamlet” com uma nova designação: “En manteau rouge, le matin traverse la rosée qui sur son passage paraît du sang. Ou Ham. and ex by William Shakespeare”. Matthias Langhoff, que se formou no Berliner Ensemble e foi discípulo de Heiner Müller e admirador incondicional de Bertolt Brecht, tem por lema a ideia de “inversão” e de “organização do escândalo” (diz ele: “o teatro deve revelar o escandaloso e o obsceno que o mundo se esforça por esconder”). A sua leitura de “Hamlet” só pode ser provocadora a vários níveis. Começa logo por Hamlet ser interpretado por um actor (François Chattot, brilhante, diga-se), com mais de 60 anos, e Gertrud, a sua mãe na peça, não ter mais do que metade dessa idade (a igualmente notável Emmanuelle Wion). Mas toda a encenação obedece a este jogo irónico e subversivo, mantendo o essencial de Shakespeare, mas motivando novas abordagens, e sobretudo o efeito lúdico da novidade que obriga o espectador a uma atenção constante. Há também uma herança expressionista não negada, mas o todo afirma-se pela coerência, pela diversão simultaneamente popular e erudita, pelo gozo lúdico da mescla de registos. Cenários magníficos, actores excepcionais no seu conjunto, fazem de “Cabaret Hamlet” um dos pontos altos desta maratona teatral que teve Almada como principal destino (apesar deste espectáculo ter sido montado, igualmente de forma muito subversiva em relação ao espaço escolhido, o CCB, em Lisboa).
Matthias Langhoff entrou muito jovem para o Berliner Ensemble, de que foi co-director em 1992-1993, trabalhando também na Volksbühne. Apresentou as suas criações de Berlim a Barcelona, de Paris a Avignon, de Moscovo ao Epidauro, na Grécia, mudando constantemente de palcos e de público (foi um dos principais encenadores da obra de Heiner Müller, de quem estreou várias peças). De concepções nem sempre consensuais, alia rigor e um humor expressionista herdado do primeiro Brecht, criando uma linguagem imediatamente reconhecível, na qual a inovação dramatúrgica se alia a um acerado olhar político e estético, que combate qualquer espécie de vulgaridade ou repetição de lugares-comuns. A apresentação em 2009, no Festival de Almada, de “Dieu comme patient...”, de Lautréamont, com encenação de Matthias Langhoff, constituiu um dos momentos inesquecíveis da história do Festival de Almada.
François Chattot é um dos melhores actores franceses da actualidade. Estudou na Escola do Teatro Nacional de Estrasburgo (entre 1974 e 1977), trabalhou com grandes encenadores, como Jean-Louis Hourdin, Matthias Langhoff, Jean Jourdheuil, Jean-François Peyret e Jacques Nichet, em textos de primeira água, de autores tão diversos como Shakespeare (Rei Lear, também sob direcção de Matthias Langhoff), Thomas Mann, Rainer Werner Fassbinder, Bernard- Marie Koltès ou Valère Novarina. Foi actor da Comédie-Française, onde estreou “A praça dos Heróis”, de Thomas Bernhard. Com uma sólida carreira cinematográfica, foi dirigido por grandes realizadores franceses – em Parlez-moi d’amour, de Sophie Marceau, por exemplo –, destacando-se o filme que acaba de protagonizar Les aventures extraordinaires d’Adèle Blanc-sec, de Luc Besson.
O público do Festival de Almada teve oportunidade de apreciar este excelente actor já por duas vezes: a primeira interpretando “À espera de Godot”, de Beckett, com encenação de Luc Bondy (2000), e, em 2003, com direcção de Jacques Nichet, em “Combate de negro e cães”, de Bernard-Marie Koltès. (Notas FTA).
“Cabaret Hamlet”, segundo obra de William Shakespeare; Tradução Irène Bonnaud; Encenação de Matthias Langhoff, Théâtre Dijon-Bourgogne – Cdn; Dijon, França; Co-produção: Odéon-Théâtre de l’Europe, Théâtre de artrouville-CDN, Théâtre National de Strasbourg, Espace Malraux-Chambéry; Intérpretes Agnès Dewitte, Anatole Koama, Charlie Nelson, Delphine Zingg, Emmanuelle Wion, François Chattot, Frédéric Kunze, Gilles Geenen, Jean-Marc Stehlé, Marc Barnaud, Osvaldo Caló, Patricia Pottier, Patrick Buoncristiani, Philippe Marteau, Tobetobe-Orchestra Antoine Berjeaut Antoine Delavaud, Brice Martin, Jean-Christophe Marq, Osvaldo Calo; Cenário Matthias Langhoff; Telões : Catherine Rankl; Figurinos : Arielle Chanty; Desenho de luz : Frédéric Duplessier; Música: Olivier Dejours; Coreografia: Gladys Massenot; Centro Cultural de Belém – Lisboa Grande Auditório; Duração: 4H30 (com intervalo); Classificação: M/ 12.
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