ARREPENDIMENTOS
Cédric Kahn, francês, nascido a 17 de Junho de 1966, não é um cineasta particularmente conhecido do público português. Que me recorde, apenas duas obras suas chegaram ao mercado nacional, “O Tédio” e “O Avião”, antes deste “Arrependimentos”. No entanto a carreira deste realizador de 44 anos de idade, já conta com sete longas e uma curta que marcou a sua estreia na realização em 1990, “Les Dernières Heures du Millénaire”. Seguiram-se “Bar des Rails” (1991), “Trop de Bonheur” (1994), “L'Ennui” (1998), “Roberto Succo” (2001), “Feux Rouges” (2004) e “L'Avion” (2005), até chegar a este "Les Regrets". Entretanto, passou pela televisão, onde assinou um episódio da série “Tous les Garçons et les Filles de leur Âge...”, com o título “Bonheur” (1994) e ainda o teledramático “Culpabilité Zero” (1996). “Arrependimentos” aproxima-se, portanto, muito de uma revelação para nós, portugueses, muito embora se saiba que o seu nome e obras são respeitados em França.
Desde logo surpreende a justeza de tom, nesta história de amor transviado, discretamente contada, mas impondo uma intensidade emocional que convém sublinhar, quer pela economia de meios, e pela forma como quase tudo é suportado pelos ombros dos actores, quer pela segurança de uma realização que não deixa a história cair no melodrama barato, e a sustenta a um nível de enorme dignidade.
Mathieu Lievin (Yvan Attal), arquitecto, vive em Paris, casado com a colega de atelier Lisa (Arly Jover), quando é chamado de urgência à sua terra natal, onde a mãe entrou em coma. Por aqui fica uns dias, depois dos médicos o aconselharem a permanecer junto ao leito da enferma, pois o fatal desenlace espera-se a qualquer momento. Assim faz, com curtas permanências na sua velha casa de infância, e rápidas fugas pelas ruas da cidade. Numa dessas paragens, cruza o olhar com Maya (Valeria Bruni Tedeschi), grande amor da sua adolescência, perdida há quinze anos.
Este é um momento chave do filme. Pela importância que irá ter do desenvolver da história, mas também para se perceber como esta irá evoluir estilisticamente. O filme terá palavras gritadas e sussurros, terá paixão incontida e desejo avassalador, terá fúria e lágrimas, sorrisos, terá drama e algum humor, mas sobretudo vive de olhares e de silêncios. São esses os grandes motores desta bela história de amor, com encontros e desencontros, onde os arrependimentos são sugeridos por que aparecem no título. Mas é mais o “fatum”, o destino, que leva alguém a atrasar-se, quando deveria ter chegado antes das 9 horas, ou outro alguém a resolver sair precisamente às 9, e a não esperar mais. È o mesmo “fatum” que impele uma mulher a viajar para Los Angeles ou o Chile, em fuga, ou quando uma e outro se casam, pensando reconstruir vidas novas, quando afinal de vive preso a um rosto, um corpo, uma pele.
Curiosamente, "Les Regrets" principia “pianinho”, em segredo, olhos nos olhos, sem uma palavra, tudo arrumado e parecendo o ambiente solidamente estruturado, ou não fosse Mathieu um arquitecto, que se preocupa em reconstruir rapidamente uma prateleira caída ou em coser um botão de camisa em falta, para progressivamente se envolver num turbilhão de sentimentos à solta, em vertiginosa corrida para Barcelona, por exemplo. De uma vida bem comportada e virtuosa passa-se progressivamente para um vórtice de paixões reacendidas que incendeiam os corações dos protagonistas e colocam uma interrogação sobre o seu futuro.
“Arrependimentos”? Será este um filme sobre arrependimentos, ou seja, sobre actos falhados que conduzem à infelicidade de quem não teve a coragem de enfrentar e traçar o seu destino? Camilo chamava-lhes “amores funestos”, histórias à partida marcadas por uma qualquer maldição que faz dos amantes seres sistematicamente infelizes, ou doridos, ou transviados, quer estejam na presença um do outro, mas imaginando já a ausência e a perda futura, quer quando o espaço e o tempo os separa, e sobrevivem amargurados por esse afastamento.
Uma história destas não resistiria sem grandes actores e Cédric Kahn teve-os e dirigiu-os com rigor e sobriedade invulgares. Um belo filme a merecer melhor sorte do que a que está a ter nestas duas semanas em estreia, onde o público não tem abundado.
Cédric Kahn
ARREPENDIMENTOS
Título original: Les Regrets
Realização: Cédric Kahn (França, 2009); Argumento: Cédric Kahn; Produção: Kristina Larsen; Música: Philip Glass; Fotografia (cor): Céline Bozon; Casting: Stéphane Batut, Antoinette Boulat; Guarda-roupa: Isabelle Pannetier; Direcção de Produção: Cedric Ettouati, Olivier Michel, Sylvain Monod; Assistentes de realização: Juliette Mabille, François Mathon, Rafaele Ravinet-Virbel; Departamento de arte: Catherine Bourgeois, Frank Pitussi; Som: Olivier Mauvezin; Efeitos visuais: Émilie Feret, Elodie Glain, Aurélie Villard; Companhias de produção: Les Films du Lendemain, Maia Cinema, Mars Distribution, Dragon 8, Centre National de la Cinématographie, Canal+, TPS Star, Région Ile-de-France, Centre Images, Région Centre Angoa-Agicoa, La Banque postale Image, Coficup 2, Backup Films; Intérpretes: Yvan Attal (Mathieu Liévin), Valeria Bruni Tedeschi (Maya), Arly Jover (Lisa), Philippe Katerine (Franck), François Négret (Antoine), Lisbeth Wagner, Franck Mercadal, Vincent Berger, Gurvan Cloatre, Laurent Lévy, David Tissot, Emmanuelle Lepoutre, Zélia Briggs, Livia Cortinavis, Marie-Aline Cresson, Fabien Floris, Ito Glissant, etc. Duração: 104 minutos; Distribuição em Portugal: Clap - Produção de Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 14 de Outobro de 2010.
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