segunda-feira, novembro 08, 2010

LEITURAS

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I. Leituras Republicanas

Muitas leituras nos últimos tempos, povoando de sobrecarregadas montanhas de volumes o espaço vulgarmente designado por “livros de cabeceira”. A “cabeceira” é coisa que já não existe, e os livros mal deixam espaço para alcançar a cama. Por outro lado, já nem sei há quanto tempo não dou conta aqui do que vou lendo. Acho, no entanto, que vale a pena referir aqui algumas leituras, ainda que de forma necessariamente sucinta.

Andei numa de descobrir a “República”, passados 100 anos, sem que depois de tantas leituras tenha ficado mais entusiasmado com a nossa “primeira” República. Creio cada vez mais que foi ela que abriu caminho à ditadura de Salazar, o que não se pode dizer que tenha sido fraca herança. Esperemos que a nossa actual República se porte melhor (mas cuidado!, os tempos são outros e as ditaduras não são as mesmas!).
Gostei de ler obras de várias orientações e com diversas perspectivas. Nunca se fica com uma imagem completa quando se lêem ou se ouvem apenas as razões de um dos lados. Assim, muito boa e bem documentada é a “História da Primeira República Portuguesa”, com coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo (de que existem duas edições, ambas da “Tinta da China”). Trabalho que reúne especialistas vários, abordando aspectos diferentes, sempre numa visão republicana e de esquerda actual.

Apreciei bastante “o relato do 5 de Outubro visto pelos monárquicos em 1910”, “Diário dos Vencidos”, de Joaquim Leitão, escritor e jornalista que, com elegância de estilo e um notável e vigoroso sentido da reportagem, foi recolhendo testemunhos que reuniu em livro. (ed. Alétheia)
Curioso, mas deixando algumas dúvidas no espírito, é “O Relato Secreto da Implantação da República feita pelos Maçons e Carbonários”, com organização e prefácio de Costa Pimentel (de quem já havia lido um muito discutível livro em que se procurava demonstrar que Salazar era maçon). Apresenta documentos importantes, mas as conclusões são, no mínimo, incertas. (Ed. Guerra e Paz).

Fernando Catroga editou (na”Casa das Letras”) um texto importante, “O Republicanismo em Portugal, da formação ao 5 de Outubro de 1910”, dando particular atenção a alguns temas essenciais na formação do pensamento republicano, como liberdade, livre pensamento, maçonaria, igreja, mulher, moral, poder, ciência, educação e patriotismo. Proveitosa leitura.
“Como se faz um Povo”, com coordenação de José Neves, acompanhou a exposição “Povo”, reunindo testemunhos diversificados sobre o que é ser “povo”, e sobretudo o que é ser “povo” em Portugal. Para se perceber a identidade que somos ou julgamos ser. (ed. “Tinta da China”).

Muito interessante ainda é “A Crise da República e a Ditadura Militar”, de Luís Bigotte Chorão (Ed. Sextante), que devia ser de leitura obrigatória para quem tanto fala da actual crise. A História não se repete, porque as circunstâncias históricas e a ambiência social se modificam, mas, mas… há tantos aspectos semelhantes!
Depois é sempre um prazer ler o catastrofista Vasco Pulido Valente, que mostra uma inteligência e desapego ao politicamente correcto que deslumbra. Ele arrasa “A Velha Republica” em 130 páginas que não deixam pedra sobre pedra. A acutilância crítica do seu pensamento é fascinante. E perturbadora.
Obra de consulta indispensável é “Lisboa Revolucionária (1908-1975)”, de Fernando Rosas, muito ilustrada e inspiradora, igualmente em duas edições da “Tinta da China”, e vou esquecendo pelo meio algumas outras por onde passei apenas os olhos. Além de alguns excelentes catálogos de várias exposições que se puderam visitar em Lisboa e no Porto.

Mas ficaria mal não referir “Afonso Costa”, de Filipe Ribeiro de Meneses, o historiador português que dá aulas na Universidade Nacional da Irlanda, e que abanou os alicerces da historiografia portuguesa contemporânea com uma monumental biografia de Salazar. O livro sobre Afonso Costa é um volume muito mais pequeno, mas creio ser obra particularmente pertinente para se compreender o homem e o seu tempo. Afonso Costa é uma personalidade particularmente polémica que desperta ódios e paixões invulgares, ainda hoje, tantos anos depois da sua morte. Creio que o olhar de Filipe Ribeiro de Meneses não deixará ninguém indiferente e impõe-se pela seriedade da pesquisa.

Aproveito a deixa para referir igualmente o seu retrato de “Salazar”, cerca de oitocentas páginas de análise e revelações de aspectos da personalidade e da obra do ditador que governou com mão pesada Portugal durante mais de 40 anos. A obra é escrita de forma clara e elegante, que se acompanha com prazer, ostenta o olhar de um historiador de formação anglo-saxónica, que se documenta de forma exaustiva, afastado das paixões políticas que fervilham ainda cá por dentro, e mostra a qualidade do trabalho de alguém que consegue analisar melhor ao longe defeitos e virtudes de um homem que marcou para sempre a história do nosso país em pleno século XX. Há quem diga que é a biografia definitiva. Não sei se será, mas de certeza que passará a ser obra de referência primordial.
(as leituras continuam)

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