“Senhor João de Lisboa”
Há loucuras mansas que colocam poesia na cidade. São loucuras que não se podem perder, loucuras a que todos devíamos aderir. Loucuras que trazem à Humanidade mais humanidade. Gestos que podem parecer insensatos, sem qualificação possível, “inúteis” para muitos, indispensáveis para outros. Ao Senhor “João de Lisboa” disse-lhe adeus várias vezes ao passar de carro pelo Saldanha. Enfarpelado a rigor, ele dizia adeus, eu dizia-lhe adeus, éramos dois loucos na cidade, quando a cidade tende a tornar-se cada vez mais agressiva e impessoal (apesar de Lisboa continuar a ser uma cidade muito fraterna e acolhedora, é verdade!). Durante muitos anos, um gesto fazia a diferença, e com ele um homem construiu uma vida (a sua vida) e deu um brilho, um sorriso, um alento a quem por ele passava. O adeus do senhor João de Lisboa era uma forma de sentirmos que a cidade estava ali a saudar-nos, que havia alguém que não se esquecia da sua humanidade e a partilhava num gesto fraterno. Loucura? Sim, para quem não compreende que possam existir gestos “inúteis”, que afinal são esses gestos que fazem toda a diferença, que nos ensinam a ser homens entre os homens.
Diz-se por aí que se houver continuadores, já não será a mesma coisa, que se perdeu a espontaneidade do gesto. Acho que não. Acho que gostaria de ver muitos outros “Senhores de Lisboa” a acenar no Saldanha. Não seria copiar um gesto, seria prolongar uma atitude, aprender com o “Senhor João de Lisboa” que estar no meio da rua a acenar aos passantes pode ser algo de reconfortante. Julgo mesmo que o desaparecimento do “Senhor João de Lisboa” deveria dar origem a um movimento de anónimos lisboetas (ou não) que se revezariam no Saldanha a acenar ao próximo, e a recordar-lhes que essa loucura mansa na cidade não pode morrer. Apenas mudar de mão. Por mim, não me importaria de ser um desses que durante um dia prestaria homenagem a esse homem que disse agora adeus à cidade. Passando o testemunho.
As imagens deste último extracto pertencem a um videoclip gravado pelo meu filho Frederico Corado, há uns anos atrás. Bonita homenagem ao senhor "João de Lisboa" que acenava no Saldanha, a forma que ele encontrou "de comunicar com as pessoas".
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