"O PREÇO DA TRAIÇÃO"
E "NATHALIE"
Em 2003, a francesa Anne Fontaine realizou e escreveu (de colaboração com Jacques Fieschi e François-Olivier Rousseau, segundo ideia original de Philippe Blasband), “Nathalie”, um filme com um argumento interessante e sugestivo que, muito embora não fosse obra particularmente relevante, iria justificar, anos mais tarde, precisamente em 2009, uma nova versão, outra vez escrita por Anne Fontaine, mas agora realizada por Etom Egoyan, egípcio a viver no Canadá, a que deu o título “Chloe” (O Preço da Traição).
“Nathalie” desenvolvia uma ideia particularmente estimulante que, todavia, não era convenientemente aproveitada pela realizadora para dela extrair todas as consequências. Catherine (Fanny Ardant), médica ginecologista, suspeita que o seu marido, Bernard (Gérard Depardieu), a atraiçoa. Fascinada por um clube de “strip tease” onde parava a bela Marlene (Emmanuelle Béart), resolve ir ter com esta prostituta de luxo e propor-lhe um estranho plano. Esta irá fazer-se passar por Nathalie, uma pretensa aluna universitária, e irá seduzir o marido da médica, para assim se confirmar a traição deste. O que acontecerá.
Após cada “rendez-vous”, Marlene encontra-se com Catherine e relata-lhe com pormenores o que entretanto aconteceu no quarto de hotel onde ela (sob o pseudónimo e a personalidade de Nathalie) e Bernard dão azo às suas fantasias. Catherine passa então por um estado indefinido, que vai da repulsa ao fascínio. Ela sente-se atraída por esta história de transferência amorosa, dir-se-ia que faz amor com o marido por interposta pessoa, a quem ela criteriosamente paga de cada vez que a situação se repete. Catherine vive uma pulsão erótica nova ao ouvir a narrativa de alguém que também aceita transformar-se numa outra pessoa, para satisfazer os caprichos dela. Mas será que Catherine faz amor com Bernard através de Nathalie, ou fará amor com Marlene através de Bernard e Nathalie?
Os actores cumprem, bem envolvidos pela excelente banda sonora de Michael Nyman, mas falta alguma densidade psicológica aos personagens para estes se imporem. Parece existir uma tendência para exibir o lado sensual e provocador da obra, explorá-lo em termos comerciais, e esquecer o que poderia ser mais interessante no projecto, se levado até às últimas consequências. A figura de Bernard quase não existe, está ali apenas para servir de pretexto a este filme de mulheres, mas exigia-se mais a esta obra para lograr a intensidade dramática e erótica que teria de viver de alguma saturação, mas se fica pelo esboço de um triângulo não muito convencional. Há alguma intencionalidade em certas sequências, como no aproveitamento dos espelhos, para uma das mulheres se ver reflectida na outra, mas fica sempre a sensação de que se ficou aquém. Interessante, mas pouco mais do que isso.
Atom Egoyan, com a colaboração da mesma Anne Fontaine (agora ajudada na escrita do guião por Erin Cressida Wilson), agarra nesta história e repega o tema, com algumas variações, mas com muitas cenas quase refilmadas, plano a plano. O projecto volta a partir de uma boa ideia, e volta a ficar pelas meias tintas, ainda que uma ou outra alteração introduza uma outra densidade, sobretudo ao nível das ambiguidades em que esse argumento é fértil.
Agora a médica ginecologista é interpretada por Julianne Moore (Catherine Stewart), o marido é Liam Neeson (David Stewart), e a prostituta Amanda Seyfried (Chloe), todos eles com bons registos, sobretudo no caso de Liam Neeson, cuja personagem é muito mais desenvolvida, criando algum mistério em relação a si. Enquanto no filme francês, o marido assume as relações extra conjugais, mas explica à mulher que elas pouco significado têm, na película canadiana David Stewart reafirma continuadamente a sua inocência, ficando ao longo de todo o filme a dúvida sobre o seu comportamento.
Também a personagem da médica ganha maior consistência, na forma como é desenvolvida, com alguns apontamentos que a tornam mais complexa: a aproximação de Chloe é mais intensa, a propensão voyerista de Catherine é melhor caracterizada, com as espreitadelas da janela da sua clínica para as entradas e saídas de Chloe do bar, a forma como Julienne Moore interioriza as descrições eróticas que ouve, a sua evidente atracção física por Chloe, tudo isso favorece um jogo lúbrico de certa perversidade que cria um clima mais intimista e denso no filme, carregando-o de um sedutor mistério a envolver as relações humanas que as tornam indecifráveis a uma primeira aproximação. Na verdade, “O Preço de uma Traição” tenta penetrar no segredo das paixões, das atracções físicas, e, mais profundo ainda, na verdade do que se revela e se esconde de nós próprios aos outros. Mesmo aos mais chegados. Ou sobretudo a estes. Projecto ambicioso, não totalmente conseguido, mas ainda assim interessante de se seguir.
Atom Yeghoyan, nome de baptismo, nasceu no Cairo, a 19 de Julho de 1960. Filho de pintores, muito jovem se transferiu para o Canadá, onde estudou na universidade do Toronto, começando a rodar algumas curtas no final da década de 70. Entre os seus filmes estreados em Portugal contam-se “Exótica” (1994), “O Futuro Radioso” (1997), “A Viagem de Felícia” (1999), “Ararat” (2002) ou “Onde Está a Verdade?” (2005).
O PREÇO DA TRAIÇÃO
Título original: Chloe
Realização: Atom Egoyan (Canadá, EUA, França, 2009); Argumento: Erin Cressida Wilson, Anne Fontaine ("Nathalie"); Produção: Ali Bell, Jeffrey Clifford, Daniel Dubiecki, Ron Halpern, Joe Medjuck, Tom Pollock, Ivan Reitman, Jason Reitman, Stephen Traynor, Simone Urdl, Jennifer Weiss, Erin Cressida Wilson; Música: Mychael Danna; Fotografia (cor): Paul Sarossy; Montagem: Susan Shipton; Casting: Joanna Colbert, Richard Mento; Design de produção: Phillip Barker; Decoração: Jim Lambie; Guarda-roupa: Debra Hanson; Maquilhagem: Suzanne Benoit; Direcção de Produção: Gerald D. Moon, Stephen Traynor, Douglas Wilkinson; Assistente de realização: Adam Bocknek; Departamento de arte: James Becker, Mayumi Konishi-Valentine; Som: Steve Munro; Efeitos especiais: Brock Jolliffe; Efeitos visuais: Robert Crowther, Terence Krueger, Anthony Paterson, Davin Robbins, Derek Robertson, Thomas Turnbull; Companhias de produção: Studio Canal, The Montecito Picture Company; Intérpretes: Julianne Moore (Catherine Stewart), Liam Neeson (David Stewart), Amanda Seyfried (Chloe), Max Thieriot (Michael Stewart), R.H. Thomson (Frank), Nina Dobrev (Anna), Mishu Vellani, Julie Khaner, Laura DeCarteret, Natalie Lisinska, Tiffany Lyndall-Knight, Meghan Heffern, Tamsen McDonough, Kathryn Kriitmaa, Arlene Duncan, Adam Waxman, Krysta Carter, Severn Thompson, Sarah Casselman, etc. Duração: 96 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 6 de Janeiro de 2011.
NATHALIE
Título original: Nathalie
Realização: Anne Fontaine (França, Espanha, 2003); Argumento: Jacques Fieschi, Anne Fontaine, François-Olivier Rousseau, segundo ideia original de Philippe Blasband; Produção: Alain Sarde, Christine Gozlan; Música: Michael Nyman; Fotografia (cor): Jean-Marc Fabre; Montagem: Emmanuelle Castro; Casting: Constance Demontoy, Richard Rousseau; Design de produção: Michel Barthélémy; Decoração: Boris Piot; Guarda-roupa: Pascaline Chavanne; Maquilhagem: Cédric Gérard, Agathe Moro; Direcção de Produção: Rémi Bergman, Frédéric Blum, Françoise Piraud ; Assistentes de realização: Julien Féret, Laurent Perreau, Thierry Verrier; Departamento de arte: Martinus Van Lunen ; Som: Jean-Pierre Laforce, Jean-Claude Laureux, Nicolas Moreau; Efeitos especiais: Philippe Hubin; Efeitos visuais: Roxane Fechner, Valérie Flouquet, Frederic Moreau; Companhias de produção: France 2 Cinéma, DD Productions, Vértigo Films, Canal+, Studio Images 9, Les Films Alain Sarde; Intérpretes: Fanny Ardant (Catherine), Emmanuelle Béart (Nathalie / Marlène), Gérard Depardieu (Bernard), Wladimir Yordanoff (François), Judith Magre, Rodolphe Pauly, Évelyne Dandry, Christian Aaron Boulogne, Aurore Auteuil, Idit Cebula, Sasha Rucavina, Macha Polikarpova, Marie Adam, Sophie Séfériadès, Serge Boutleroff, Marinette Lévy, Ida Techer, Caroline Frank, Sophie Noël, Angélique Thomas, Evelyne Macko, Prudence Maïdou, Karine Hulewicz, Marc Rioufol, Pierre Manganelli, Hassan Maadi, etc. Duração: 100 minutos; Distribuição em Portugal (cinema e DVD): Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 16 anos; Estreia em Portugal: 19 de Agosto de 2004.
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