sexta-feira, fevereiro 25, 2011

ENTREVISTA A SAPO CINEMA

:

O SAPO Cinema
Quarta-feira, 23 de Fevereiro de 2011

Na passada quarta-feira fui o convidado do “Sapo.Cinema” para falar essencialmente da atribuição dos Oscars que se adivinha. Como as perguntas e as respostas podem ser de interesse para os leitores deste blogue, aqui se faz uma transcrição total da entrevista colectiva.


O SAPO Cinema dedica esta semana a uma ronda de debates sobre os Óscares. O convidado desta tarde é o realizador e divulgador Lauro António, que responde a partir do incontornável Café Vá-Vá. Participe, deixando a sua pergunta.
Da história da cerimónia, passando pelas apostas dos convidados, até às tradições da noite dos Óscares e ao percurso pessoal do próprio convidado, tudo estará em cima da mesa nestas conversas com quem sabe muito de cinema e tem uma relação próxima com os prémios da Academia.
Hoje o convidado é Lauro António, personalidade marcante do meio do cinema em Portugal, realizador («Manhã Submersa», «O Vestido Cor de Fogo»), crítico e ensaísta nas mais diversas publicações ao longo dos últimos 40 anos, e ainda o comentador da primeira cerimónia de entrega dos Óscares exibida em directo pela TVI, no ano de 1993.
Deixe as suas perguntas a partir das 15h e as respostas serão dadas em directo.

2:56
SAPO Cinema: Boa tarde. Temos hoje um connosco Lauro António, para responder às questões dos nossos utilizadores. Queremos, antes de mais, agradecer a sua participação neste debate.

2:57
Lauro António: Também agradeço o vosso convite e ponho-me à disposição dos utilizadores.

2:58
SAPO Cinema: Começamos com uma pergunta do nosso lado. O Lauro António comentou a primeira emissão em directo dos Óscares na TVI em 1993. Como foi essa experiência?

3:03
L.A.: Foi uma experiência muito excitante. Era hábito eu ver as transmissões dos Óscares em compacto, normalmente no dia seguinte. Naquele ano não fui a Hollywood, estava no estúdio, mas tive nas mãos algo que era espantoso naquela altura, o guião da cerimónia. Eu e o João Paulo Diniz eramos as únicas pessoas que tínhamos nas mãos aquele guião.
Era uma sensação de que estávamos na posse do segredo dos deuses. Foi muito emocionante e foi um confronto até violento porque o facto de estarmos em directo, a comentar, termos a necessidade de traduzir algumas coisas e, ao mesmo tempo, tentarmos não nos sobrepormos à cerimónia, era um esforço muito grande. Julgo que é impossível conciliar isso.
Todas as cerimónias que vi depois nunca foram boas porque é impossível, é humanamente impossível. Há sempre uma parte de improviso que não se controla. Acho excitante ver em directo a cerimónia mas o compacto do dia seguinte dá-nos a possibilidade de saborear de outra maneira a cerimónia.

3:03
[Comentário de Paulo Correia : ]
Quais as suas apostas para vencer os principais prémios este ano? Melhor actor/actriz? Melhor actor/actriz secundário/a? Melhor filme? Melhor realizador? Melhor argumento original e melhor argumento adaptado?

3:06
L.A.: Eu vou dizer aquilo que penso que são os vencedores e não necessariamente aqueles que eu gostaria que ganhassem.
Melhor filme: «A Rede Social»
Melhor Realizador: «David Fincher»
Melhor Actor: Colin Firth
Melhor Actriz: Natalie Portman
Melhor Actor Secundário: Christian Bale
Melhor Actriz Secundária: Hailee Steinfeld
Melhor argumento adaptado: «A Rede Social»
Melhor Argumento Original: «O Discurso do Rei»

3:10
L.A.: Em relação a gostos pessoais, há dois filmes de que eu gosto muito. O «Indomável» e «Despojos de Inverno» são dois excelentes filmes. Como melhor actriz fiquei verdadeiramente apaixonado por Jennifer Lawrence em «Despojos de Inverno». «A Origem» e «Os miúdos estão bem» são excelentes argumentos originais. O «Indomável» e o «Despojos de Inverno» são dois óptimos argumentos adaptados. O «Toy Story 3» é, obviamente, o melhor filme de animação mas eu não sou um apaixonado embora seja um filme magnífico.

3:11
[Comentário de Luis : ]
Não acha estranho que algumas vezes os filmes que estão nomeados para os oscares nem se quer estrearam em Portugal ou noutras partes do mundo?

3:14
L.A.: Este ano no dia dos Óscares estarão praticamente todos estreados. O que eu acho estranho é que a grande maioria dos filmes que concorrem aos Óscares são filmes que se estreiam na América entre Novembro e Dezembro e vão estreando nos outros países até ao dia da cerimónia. É uma estratégia dos grandes e dos pequenos estúdios, interessante como estratégia comercial. O que é curioso é que isso pressupõe que haja filmes de diversos tipos. Há os filmes de Verão e depois há os filmes mais intelectuais cujas estreias são concentradas no final do ano precisamente para serem atirados para os Óscares.

3:17
[Comentário de andré luís : ]
Falou aí da Hailee... acha que ela estaria na mesma posição não fosse o filme dos Coen? E se não, isso não desvirtua um pouco o mérito dos óscares individuais?

3:18
A.L.: Eu acho que não até porque há pelo menos mais duas actrizes em filmes independentes sem o peso dos realizadores atrás, a Jennifer Lawrence e a Michelle Williams, que estão nomeadas.

3:20
[Comentário de Jorge Silva : ]
O que pensa da ausência de "Shutter Island" da lista de filmes nomeados?

3:21
L.A.: É outra injustiça. Era outro que devia estar colocado na lista dos que não foram lembrados e que deviam ter sido.

3:21
[Comentário de Nuno : ]
Que opinião tem de «O Discurso do Rei»?

3:26
L.A.: Gosto de tudo excepto da realização. Acho que é um bom argumento, acho que tem excelentes interpretações, excepto Timothy Spall a fazer de Churchill.
Acho que a direcção artística, a música, a fotografia, tudo isso é muito bom e depois acho que o realizador quando optou pela grande angular para tornar o filme "estranho" tomou uma má opção. Acho que a realização é desastrosa em relação ao tema.
Depois acho que o filme a nível do argumento tem uma coisa muito interessante. Enquanto um rei gago é "obrigado" a fazer o discurso em que declara que a Inglaterra entra no conflito, do outro lado, nas forças do eixo, há dois dos mais demagógicos e manipuladores oradores, Hitler e Mussolini. Eu julgo muito interessante esta relação entre um rei gago, que para nós tem razão, e dois oradores "brilhantes" que conseguem fazer da não razão uma força que mobiliza multidões.

3:26
 [Comentário de Ana : ]
Que filme português (actual ou antigo) devia ter ganho um Óscar?

3:33
L.A.: O meu filme «Manhã Submersa» chegou a estar (quase) nomeada à nomeação ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. O filme concorreu ao Melhor Filme Estrangeiro em 1981, acabou por não ser nomeado mas foi convidado para estar no Festival de Los Angeles e eu fui convidado a lá ir. Quando cheguei ao hotel tinha um bilhete assinado pelo Warren Beatty e pelo Buck Henry a dizer para os procurar no secretariado do festival. O que eu fiz no dia seguinte, logo de manhã. Eles contaram-me que faziam parte da direcção do festival e do comité de selecção do melhor filme de língua não-inglesa. Contaram-me que a «Manhã Submersa» tinha sido vítima de uma questão política. Na primeira votação tinham ficado em primeiro lugar, destacados, três filmes. Um Kurosawa, um Truffaut e o Elio Petri e em quarto tinham ficado empatados três filmes, um português, um espanhol e um russo. Fizeram-se tantas votações até que o português saísse. Quem ganhou a votação para o quarto lugar foi «Moscovo não acredito em lágrimas», o quinto foi um espanhol e a «Manhã Submersa» saiu.

3:34
L.A.: Este ano fiquei surpreendido por «Mistérios de Lisboa» não estar nomeado mas julgo que estará para o ano e terá boas hipóteses.

3:35
[Comentário de Pedro : ]
Lauro, acha que "Up" tem realisticamente hipóteses de ganhar o óscar para melhor filme?

3:36
L.A.: «Up - Altamente» já foi nomeado no ano passado e venceu o Óscar de Melhor Filme de Animação. Este ano, o «Toy Story 3» não tem hipóteses para o Melhor Filme mas ganhará certamente o Melhor Filme de Animação.

3:37
[Comentário de Vanessa Pelerigo : ]
Não considera que "Social Network" está a ser sobrevalorizado em comparação com outras obras maiores do realizador, nomeadamente "Seven" ou "Fight Club"?

3:38
.A.: Acho que não. Não só é a realização mais madura como julgo que é o filme que aborda um tema de grande actualidade. O tema não é tanto o Facebook mas a realidade virtual, que nos lançou na maior crise económica e financeira dos últimos oitenta anos e o filme também fala disso.

3:38
[Comentário de Maria : ]
Em todos estes anos qual foi o Óscar que o marcou mais por achar que não era merecido?

3:39
L.A.: Foi de tal forma imerecido que já me esqueci...

3:40
[Comentário de Madalena Freitas : ]
Tendo em conta a sua vasta experiência no meio do cinema em Portugal, incluindo a da realização, o que é, na sua opinião, que faz falta ao cinema português para termos (um dia) um filme candidato em alguma categoria?

3:41
L.A.: Eu acho que fazem falta duas coisas. Por um lado, fazem falta filmes que sejam de autor e simultaneamente de grande público. Por outro lado, faz falta um lobby de influência junto dos membros da Academia.

3:42
[Comentário de Filipe Vaz : ]
Na sua opinião,qual foi o melhor filme a ganhar os óscares?

3:46
L.A.: Há perguntas muito difíceis. Tão difíceis que agora não sei responder... Posso dar alguns exemplos: «Casablanca», «E Tudo o Vento Levou», «O Vale Era Verde», «Rebecca».

3:47
[Comentário de Jorge Silva : ]
Há algum filme que considere que não deveria estar nos nomeados?

3:48
L.A.: Entre as dez nomeações para Melhor Filme, acho que há duas ou três que não se justificam estar nesta categoria. Apesar de serem filmes interessantes, acho que «127 Horas», «The Fighter - Último Round» ou mesmo, o que para muitos é um sacrilégio, «O Cisne Negro, não estão entre os melhores filmes do ano.

3:50
[Comentário de Ana : ]
Na sua opinião, a que se deve o sucesso de 'A Rede Social'? Será mérito do filme/realização ou do Facebook propriamente dito?

3:53
L.A.: Eu acho que é mérito do filme, da realização, do Facebook e do que fica por detrás de tudo isso, que para mim é o mais importante, a discussão sobre a realidade virtual, uma coisa que nos atinge a todos e que está na base de negociatas incontroláveis como aquelas que provocaram a crise de 2008.
O filme basicamente serve-se do Facebook para, através dele e do que o rodeia em relação ao seu suposto criador, falar das relações humanas numa época onde a ambição se sobrepõe a tudo mais e onde a realidade virtual permite jogos de economia de casino.

3:54
 [Comentário de Joaquim : ]
Imagino que tem noção que é uma opinião muito polémica, essa de que o Cisne Negro não é dos melhores filmes do ano. :). Já agora quer elaborar um pouco mais e explicar porque não?

3:57
L.A.: As opiniões são sempre opiniões e valem o que valem. Realmente, para mim, o «Cisne Negro» não é um filme que suscite reacções de amor e ódio. Acho que é apenas um interessante filme sobre um caso de dupla personalidade e sobre a criacção artística mas onde eu julgo que o filme falha mais é na própria realização. Acho que tem demasiados efeitos para criar tensão psicológica e julgo que esta poderia ter sido alcançada por processos mais simples.

3:58
[Comentário de Frederico : ]
Qual o poder que um filme como True Grit tem na psique dos norte-americanos, para poder vir a ser uma surpresa (ou não) nestes Oscars? E ainda a afirmação dos Cohen, ao dizerem que não lhes interessa o Oscar?

4:00
L.A.: O filme dos Coen parece-me muito bem conseguido e muito significativo em relação ao actual estado de espírito da América, aliás, julgo que todos os filmes que estão nomeados para Melhor Filme batem numa tecla muito interessante e que, de certa forma, reavivam o espírito do New Deal do Roosevel, nos anos 30: a necessidade de ultrapassar dificuldades e adversidades através da perseverança, da vontade, da abnegação.
Por outro lado, é um filme que também toca num tema que me parece muito actual e que tem a ver com a falência das instituições judiciais. As pessoas não acreditam na justiça e tentam fazer justiça pelas próprias mãos. O que para mim é gravíssimo como sintoma da crise da democracia.

4:01
L.A.: Quanto aos Coen dizerem que não lhes interessa o Óscar, esqueça!

4:02
SAPO Cinema: Uma última pergunta para encerrarmos a sessão. Porque é que todos os anos continuamos sempre tão agarrados à cerimónia dos Óscares e ao que nela se passa?

4:04
L.A.: Eu acho que a condição humana adora competição. Todos queremos "sangue". A cerimónia dos Óscares situa-se entre o conto de fadas e o filme de terror. Todos adoramos passar uma noite a discordar da Academia, a comer pipocas e a beber Coca-Cola. De marketing, os americanos sabem-na toda.

4:05
SAPO Cinema: Terminamos aqui mais um debate sobre os Óscares. Agradecemos a Lauro António a presença nesta discusssão.

4:06
L.A.: Agradeço o vosso convite e a bonomia dos utilizadores. Se quiserem saber as minhas opiniões sobre quase todos os filmes nomeados podem lê-las no meu blogue “Lauro António Apresenta”.

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