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Notas Rápidas
CHEF (Chefe), com texto a partir de “Uma Modesta Proposta”, de Jonathan Swift, com a colaboração de Guillermo Calderón. Encenação de Jaime Lorca. Produção do Tearo Viaje Inmóvel, Santiago do Chile | Chile.
Um chefe de cozinha em apuros económicos resolve concorrer a um “reality show”, na televisão, para ultrapassar a crise. Mas a televisão quer espectáculo e “receitas” cada vez mais inusitadas. Que tal propor a venda dos bebés dos pobres para alimento de excelência dos ricos? A ideia não é nova, noutro contexto, visando a Irlanda do seu tempo, já tinha sido dada por Jonathan Swift, num texto provocatório, de nome “Uma Modesta Proposta”. Escrita, dirigida e protagonizada por Jaime Lorca, “Chef” é uma tragicomédia sobre as fraquezas e as obsessões da natureza humana, através de uma sátira corrosiva à sociedade contemporânea, tendo a gastronomia e a televisão como pretexto para abordar o tema da fome no mundo e da desigualdade social cada vez mais gritante.
O cenário é uma cozinha decadente. O actor é Jaime Lorca, excelente. A encenação é inventiva e ácida, controlada ao milímetro, num espaço criteriosamente desenhado para cumprir a função. O resultado: um grande espectáculo de teatro político, onde se castigam os costumes através do riso.
Jaime Lorca já é um velho conhecido do Festival de Almada. Em 1996, o seu espectáculo “Viagem ao Centro da Terra” foi eleito como “Espectáculo de Honra”. Em 2007, “Gulliver” viria a obter a mesma distinção. Ele animou e dirigiu durante dezoito anos o projecto “La Troppa”, a que se segue es “Viaje Inmóvil”.
Intérpretes: Daniela Montt, Jaime Lorca; Cenário: Carlos Rivera, Rodrigo Ruiz, Manuel Paredes; Figurinos: Loreto Monsalve; Desenho de luz: Tito Velásquez; Desenho de som: Antonio Palácios; Música: Juan Salinas; Fotografia: Cláudio Pérez; Ass. de dramaturgia e direcção de actores: Cristián Ortega; Produção: Andrea Gutiérrez Travesía Producciones; Língua: Espanhola; Duração: 1H10.
AMNÉSIA (Amnésia), de Jalila Baccar e Fadhel JaÏbi; Encenação de Fadhel Jaïbi; Criação do Teatro “Familia Productions”, Tunes (Tunísia).
Em 1994, o Festival de Almada apresentou “Família”, onde se revelou um grupo tunisino desconhecido na Europa. Voltaram em 1997 e em 1999, e agora Fadhel Jaïbi regressa com o grupo e “Amnésia”. Em boa hora. Trata-se de um espectáculo absolutamente inesquecível, com onze actores magníficos, num cenário vazio, apenas acompanhados por cadeiras e alguns outros (poucos) adereços, onde nos contam uma história “edificante”, sobre um chefe político de um qualquer país africano (não seria a própria Tunísia?) que, na noite do seu aniversário, sabe pela televisão que foi destituído do Governo. O partido a que pertence substitui-o por outro (certamente igual a ele, tão déspota e corrupto como), e ele é preso e colocado em residência fixa. Tenta fugir para o estrangeiro e é impedido. Fechado na sua biblioteca, fica queimado quando esta arde e é posteriormente internado num hospício por mostrar “sinais de confusão mental”. Tudo como mandam as regras.
Também como mandam as regras (estas as cénicas) funciona este belíssimo e vigoroso espectáculo, com actores que se multiplicam em papéis e oferecem um autêntico vendaval de obsessivo rigor e invenção. Magnífico jogo de luzes e de música valorizam uma marcação sóbria mas fulgurante. Entusiasmante.
Vamos às notas colhidas no Festival de Almada: Fadhel Jaïbi (n. 1945) é encenador, autor, realizador e um nome fundamental do teatro árabe contemporâneo. Fez os seus estudos em França (1967/1972) e dirigiu o Conservatório de Arte Dramática da Tunísia entre 1974 e 1978. Em 1976, fundou com Jalila Baccar a companhia “Nouveau Théâtre” de Tunis e, em 1993, “Familia Productions”. Em 2003, o realizador tunisino Mahmoud dedicou-lhe o documentário “Fadhel Jaïbi, un Théâtre en Liberté”. Quanto a Jalila Baccar (n. 1952) é actriz de teatro, de cinema e de televisão e, desde 1976, acompanha Fadhel Jaïbi em todas as suas criações, sendo muitas vezes co-autora dos seus textos: é o caso, nomeadamente, de “Comedia” (1991), “Família” (1993), “Les Amoureux du Café Désert” (1995) e, agora, “Amnésia”. No cinema, foi dirigida, entre outros, por Nicolas Klotz e Randa Chakal Salbag.”
Intérpretes: Jalila Baccar, Fatma Ben Saîdane, Sabah Bouzouita, Ramzi Azaiez, Moez M’rabet, Lobna M’lika, Basma El Euchi, Karim El Kefi, Riadh El Hamdi, Khaled Bouzid, Mohammed Ali Kalaî; Cenário: Kaîs Rostom; Figurinos: Anissa B’diri; Desenho de luz: Fadhel Jaïbi; Música: Gérard Hourbette; Dramaturgia: Jalila Baccar, Fadhel Jaïbi; Ass. de encenação: Narjes Ben Ammar; Ass. de figurinos: Jalila Madani; Operação de luz: Naîm Zaghab; Língua: Árabe, legendado em português; Duração: 2H00.
A RAINHA LOUCA, Ópera de Alexandre Delgado; Libreto de Alexandre Delgado, a partir de “O Tempo Feminino”, de Miguel Rovisco; Direcção musical de Alexandre Delgado; Encenação de Joaquim Benite; Criação do Centro Cultural de Belém e Festival de Almada, Almada, Lisboa (Portugal).
Excelente criação da ópera “A Rainha Louca”, com música e libreto (a partir de “O Tempo Feminino”, de Miguel Rovisco), da inspirada responsabilidade de Alexandre Delgado, e encenação de Joaquim Benite. “A Rainha Louca” é D. Maria I, que vamos encontrar, no fim da vida, enclausurada na sua dor e loucura. Estamos no final do século XVIII, a Rainha ainda não partiu para o Brasil, onde iria morrer, lamenta a sua má sorte, os funestos acontecimentos em Portugal, e em França, a braços com uma revolução que cortou a cabeça à realeza. Tem à sua cabeceira uma criada negra, Rosa, e a rígida Duquesa de Lafões. É visitada por quatro damas da corte que lhe traçam um retrato pitoresco e delirante da realidade social portuguesa da altura. Uma das damas parece adormecida até se descobrir que está morta. A morte perpassa por estas salas sem janelas.
D. Maria I é vista sob um duplo prisma, ora se sublinha o seu amor às artes e às letras, à educação, como a sua loucura e fanatismo. Mas na hora da morte, José Bonifácio da Silva exaltou “o nobre carácter, o bondoso coração, a prudência de entendimento e a constância de ânimo.” A ópera interessa-se mais pelo retrato da rainha como reflexo de uma época.
A partitura musical é riquíssima e exemplar. As vozes das sopranos e meio soprano são belíssimas (pena não se perceber melhor o texto, que é de boa qualidade) e a encenação de Joaquim Benite sublinha o essencial, com rigor e inventiva, num cenário austero, onde explode a melodia e as paixões abafadas.
Notas do Festival: Compositor e violetista, Alexandre Delgado (Lisboa, 1965) estudou na Fundação Musical dos Amigos das Crianças e foi aluno de composição de Joly Braga Santos e Jacques Charpentier. Tem composições suas para música de câmara, música concertante e música vocal. Autor da ópera de câmara O Doido e a Morte, venceu o 1.º prémio do Conservatório de Nice em 1990 e o Prémio Jovens Músicos em 1987. É director do Festival de Música de Alcobaça.
Director do Festival de Almada (que criou há 27 anos) e da Companhia de Teatro de Almada, Joaquim Benite, desde o seu primeiro espectáculo em 1971 (“O Avançado-centro Morreu ao Amanhecer”, de Agustin Cuzzani), encenou mais de uma centena de peças de autores portugueses e estrangeiros. Em 2008, dirigiu, para o Teatro Nacional de São Carlos, a ópera de Mozart “La Clemenza de Tito”. Como reconhecimento público da sua vasta e rica carreira possui numerosas distinções: é Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e da Ordem do Mérito Civil de Espanha, e Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras de França. Possui ainda a Medalha de Honra da Cidade da Amadora, a Medalha de Ouro da Cidade de Almada, a Medalha de Mérito do Distrito de Setúbal e a Medalha de Mérito Cultural do Ministério da Cultura.
Intérpretes: Sopranos Ana Ester Neves, Ana Paula Russo e Teresa Cardoso Meneses, Meio-soprano Maria Luísa de Freitas, e a actriz Nilma Santos, OrchestrUtopica; Correpetidores João Paulo Santos, Jan Wierzba; Cenário e figurinos: Jean-Guy Lecat; Desenho de luz: José C. Nascimento; Col. Coreográfica: Jean Paul Bucchieri; Dir. de montagem: Carlos Galvão, Guilherme Frazão; Caract. e cabeleiras: Sano de Perpessac; Ass. de encenação: Rodrigo Francisco; Ass. de cenografia e figurinos: Joana Ferrão; Ass. de produção: Paulo Mendes; Língua: Português; Duração 1H15. Estreia absoluta.
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