domingo, novembro 27, 2011

O NOSSO LUXO



PATRIMÓNIO IMATERIAL 
DA HUMANIDADE

O Fado é, a partir de hoje, por decreto régio da UNESCO, “Património Imaterial da Humanidade”. Na verdade, há muito que o era. Desde os tempos em que Amália o levou pelo mundo fora a galvanizar plateias de todas as línguas e credos.
Mas ainda bem que uma instância superior o declara. Para nós, portugueses, muitas vezes só o que vem de fora é que é bom. Para muitos, o fado é agora uma canção importante, “reconhecida” lá fora. Para mim, é-o desde criança, e sempre fui avesso a ver colar ao fado a chancela de “fascista”, de choradinho, de canção de putas ou de marialvas, de aristocratas decadentes, ou do que quer que seja. O fado, como qualquer forma de expressão artística, pode ser “aproveitado” por todos, mas não deixa de ser o que é, e pode ser tudo. Agora é “Património Imaterial da Humanidade”.
Dá que pensar.
Num país onde tudo o que cheira a arte e cultura é visto pelos poderes constituídos (infelizmente por quase todos) como algo de menor, algo de acessório, o que se corta primeiro quando há a cortar nalguma coisa, não deixa de ser sintomático que seja precisamente aí que somos grandes.
Em economia e finanças, somos “lixo”, em cultura somos “Património da Humanidade”, somos Nobel, somos tudo o mais. Até na arte do pontapé na bola, temos o melhor treinador do mundo e os melhores jogadores do mundo. Somos um pequeno país de poucos habitantes que desafia os colossos em todos os campos do saber e da sensibilidade. Temos os maiores entre os maiores desde Camões. Mas somos tratados nesse campo, cá dentro, como “lixo”, quando “lixo” são realmente aqueles que não nos sabem governar, nem politica, nem economicamente. “Lixo” não são aqueles que pagam impostos, trabalham, dão o melhor de si pelo país; “lixo” não são os que cantam, pintam, escrevem, compõem, filmam, encenam, interpretam, erguem monumentos, dançam, por vezes com a bola nos pés… Não, esses não são “lixo”.
Nestes campos, o mundo olha-nos com respeito e admiração e muitas vezes dizem que somos tão bons como os melhores.
Mas nestas áreas há sempre uns sabichões da política e da gestão, uns banqueiros e uns economistas que estão sempre a desacreditar o nosso talento, a chamar calaceiros e subsídio- dependentes, a insultar e amesquinhar quem oferece o suor e o sangue do seu talento.
Afinal são esses bem engravatados “senhores”, quase todos, com raras excepções, o “lixo” que nos afunda. Não os artistas. Esses são os que nos salvam da agonia provocada pela corrupção e a ganância. Quem traz dividendos ao país é a inteligência dos cientistas e a sensibilidade dos artistas. É nesses que devemos apostar.
Não é ai que está o lixo. Ai está o luxo. O nosso luxo.

PS. A atribuição da patente “Património Imaterial da Humanidade” acarreta direitos e deveres. Tudo bem. Esperemos, porém, que a ASAE da UNESCO não invente regras para domesticar o fado, não permitindo, por exemplo, que este seja cantado em tabernas com vinho tinto e chouriço que não tenha o controle de qualidade da EU. Ou que as cantadeiras tenham o registo criminal limpo a as licenças em dia.

3 comentários:

Maria João Brito de Sousa disse...

:) E é mesmo um LUXO, neste país a indefinir-se nos tons cinzentos da crise!
Obrigada! :)

V. disse...

Fado. Sempre.

'Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile no chão
E deixo-me adormecer'

in Lágrima

:)*

CNS disse...

Esperemos que não. Que não inventem regras nas quais não cabe o nosso Fado.