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DRIVE – RISCO DUPLO
“Drive – Risco Duplo”, de Nicolas Winding Refn, é um filme interessante que não merecia o áspero tratamento que lhe foi reservado por boa parte da crítica portuguesa, que assim desalinhou do coro de enfáticos elogios, algo exagerados também, de muita da crítica internacional, nomeadamente a norte-americana e do júri do festival de Cannes que consagrou Nicolas Winding Refn como o melhor realizador da edição deste ano.
Diga-se que “Drive” começa por ser desconcertante, a sua principal virtude. Anunciado como filme de acção, acaba por se assemelhar no seu ritmo a uma obra do dinamarquês Dreyer. Na verdade Nicolas Winding Refn é dinamarquês por nascimento, e aí estudou, muito embora viva nos EUA desde muito novo. A sua filmografia, como argumentista e realizador, é toda ela norte-americana e com predominância para temas de acção, violência e fantástico, sem nada de muito especialmente chamativo até ao presente. Dir-se-ia que “Drive” é o seu filme de arranque de uma obra pessoal, ainda que inscrita num género que conhece bem.
Com argumento solidamente escrito por Hossein Amini, segundo romance de James Sallis, o filme tem como personagem central uma figura sem nome, que se identifica como o “driver”, um homem de sete ofícios, andando todos eles à volta do carro. Ele é mecânico de automóveis, e parece que muito bom no que faz, é piloto de corridas e “duplo” em filmes de acção, e ainda põe ao serviço de gangs de assaltantes a sua perícia de condução. Ryan Gosling, a coqueluche do momento, é o actor escolhido para dar corpo a este personagem solitário e singular no mundo do gangsterismo. Um dia encontra Irene (Carey Mulligan), sua vizinha do lado, casada, com o marido na prisão, e um miúdo simpático para criar, e acontece o inevitável.
Enfim, neste filme nada é o inevitável, o que marca pontos a seu favor. Há sempre uma nuance a considerar. O “driver” apaixona-se visivelmente, Irene também, mas quando o marido desta sai da prisão, é o “driver” que o vai tentar salvar da perigosa situação em que se encontra. A paixão, não sendo totalmente platónica, recua para segundo plano. Nada de mulheres fatais, nem Carey Mulligan o permitiria. Neste filme tudo parece andar ao ralenti, tudo muito contido e austero, rostos impassíveis e emoções recolhidas, até que, subitamente, se rasga esta ténue parede de uma (quase) indiferença e explode uma violência de uma brutalidade raras vezes vista. Mas mesmo esta violência é invulgarmente descrita: o “driver” entra num bar, povoado por prostitutas adormecidas, dirige-se a uma mesa, e de jacto, dá uma martelada brutal na mão do proxeneta. O que se vê é apenas um gesto, rápido, brutal, preciso, impiedoso. Depois coloca-lhe uma bala na testa e aponta o martelo, pronto a desferir o golpe final, se o visado não dizer o que ele quer ouvir.
Passada esta cena, aqui referida como um exemplo entre quatro ou cinco outras possíveis de citar, tudo continua como num drama intimista de Dreyer (sem a qualidade deste último, acrescente-se, para sossego dos desprevenidos). Passado este vórtice de violência, o “driver” volta à inexpressividade e sonolência habituais, caminha lento e compassado, fala pouco e olha lentamente à volta. Ele sabe-se o “condutor” eficiente e eficaz que ninguém irá deter. Pelo menos, até onde o filme caminhar.
A realização afasta-se completamente da esquizofrenia nervosa de um “Táxi Driver”, para apostar no seu oposto. Este é um filme de gangsters zen, em que se houvesse alguma cena de amor seria tântrica. Mas é interessante de acompanhar, por vezes irritante no seu esteticismo sofisticado, mas ainda assim curioso pela sua “diferença”. Bons actores (Ryan Gosling, Carey Mulligan, Albert Brooks, Ron Perlman, sobretudo estes), uma boa descrição de uma Los Angeles inóspita, e uma banda sonora que se adapta bem aos propósitos são motivos suficientes para alimentarem o resultado final. Acredito que o título vai figurar nalgumas categorias das nomeações para os Oscars que se adivinham.
DRIVE – RISCO DUPLO
Título original: Drive
Realização: Nicolas Winding Refn (EUA, 2011); Argumento: Hossein Amini, segundo romance de James Sallis; Produção: Frank Capra III, Garrick Dion, David Lancaster, Bill Lischak, Michel Litvak, Linda McDonough, John Palermo, Marc Platt, Gigi Pritzker, Chris Ranta, Adam Siegel, James Smith, Jeffrey Stott, Gary Michael Walters; Música: Cliff Martinez; Fotografia (cor): Newton Thomas Sigel; Montagem: Matthew Newman; Casting: Mindy Marin; Design de produção: Beth Mickle; Direcção artística: Christopher Tandon; Decoração: Lisa K. Sessions; Guarda-roupa: Erin Benach; Maquilhagem: Medusah, Gerald Quist; Direcção de Produção: Jim Behnke, Alice S. Kim; Assistentes de realização: Dieter 'Dietman' Busch, Frank Capra III, Mark Carter, Ronan O'Connor, Darrin Prescott; Departamento de arte: Denis Cordova, Joshua Dobkin, Megan Greydanus; Som: Lon Bender, Victor Ray Ennis; Efeitos especiais: James Lorimer; Efeitos visuais: Jerry Spivack; Companhias de produção: Bold Films, Odd Lot Entertainment, Marc Platt Productions, Motel Movies, Drive Film Holdings, Seed Productions; Intérpretes: Ryan Gosling (Driver), Carey Mulligan (Irene), Bryan Cranston (Shannon), Albert Brooks (Bernie Rose), Oscar Isaac (Standard), Christina Hendricks (Blanche), Ron Perlman (Nino), Kaden Leos (Benicio), Jeff Wolfe, James Biberi, Russ Tamblyn, Joe Bucaro III, Tiara , Tim Trella, Jim Hart, Tina Huang, Andy San Dimas, Steve Knoll, etc. Duração: 100 minutos; Distribuição em Portugal: PRIS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 8 de Dezembro de 2011.
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