quinta-feira, janeiro 26, 2012

CINEMA: A TOUPEIRA

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 A TOUPEIRA
É sabido que os admiráveis romances de espionagem de John le Carré são não só extremamente bem escritos e sufocantes de intensidade, como muito complexos e intrincados na forma como são construídos. “A Toupeira” (Tinker Tailor Soldier Spy), escrito em 1974, é o primeiro tomo de uma trilogia dedicada a Smiley, concluída com “The Honourable Schoolboy”, 1977, e “A vingança de Smiley” (Smiley's People, 1979). Segundo o próprio escritor, a ideia inicial desta série dedicada a Smiley era uma obra de dez ou quinze romances, uma espécie de “Comédie Humaine” da Guerra Fria, contada em termos de espionagem mútua”. Mas o evoluir dos tempos e da própria personagem ditaram o cancelamento do projecto.
Em 1982, o próprio John le Carré, conjuntamente com John Hopkins, escreveram uma adaptação para televisão, numa mini série inglesa, em seis episódios, dirigida por Simon Langton, a que deram o título de "Smiley's People". Alec Guinness compunha um extraordinário George Smiley, num elenco de que faziam parte Eileen Atkins, Bill Paterson, Vladek Sheybal, Andy Bradford, Bernard Hepton, Michael Byrne, Anthony Bate, Tusse Silberg     e Germaine Delbat, entre outros. John Le Carré confessa que Alec Guiness era tão bom na interpretação que a partir daí ele passou a ser George Smiley. Certamente uma dor de cabeça para qualquer actor que voltasse a cair na tentação de encarnar a personagem. Aconteceu a Gary Oldman, que se sai do empreendimento de forma brilhante. Com comparação ou sem ela.
De resto, esta nova adaptação de “Tinker Tailor Soldier Spy” deve ter tido todo o apoio do escritor, apesar da adaptação não lhe ter passado pelas mãos, e ser da responsabilidade de Bridget O'Connor e Peter Straughan. Mas Le Carré é um dos produtores desta co-produção europeia que reúne França, Inglaterra e Alemanha, e foi rodada não só na Grã-Bretanha, como ainda na Hungria e na Turquia, sendo que as filmagens em Budapeste levaram a alguma alteração do argumento (no romance essas cenas passavam-se na Checoslováquia). Mais, numa das cenas, que recupera uma festa de Natal, John Le Carré surge como figurante, o que é outro sinal da sua aprovação plena.
O realizador é o sueco Tomas Alfredson que nos deslumbrara em 2008 com o seu magnífico “Deixa-me Entrar”. Aqui volta a causar boa impressão na forma como encena esta intrigante história de espionagem múltipla, este jogo de espelhos entre a URSS e a Inglaterra e a América, pelo controle da informação criptada, com agentes duplos pelo meio e a criação de um ambiente de soturna solidão e desconfiança permanente, com a violência física e psicológica e a morte sempre à espreita. Os cenários são de uma infinita tristeza e hostilidade, as cores são mortiças, os sons abafados, as palavras ciciadas, a melancolia é plangente, a ausência de emoções gera uma frieza de trato, só aqui e ali quebrada por uma discreta confissão de amor, logo desmentida por um acto de violência sem igual. O todo é opressivo e derrotante. John le Carré sabe do que fala pois integrou, durante alguns anos, o MI6, um dos departamentos dos serviços secretos ingleses, tarefa de que se afastou quando Kim Philby, o agente duplo britânico, denunciou a identidade de dezenas de espiões ocidentais ao KGB.
Se o romance se alicerça numa estrutura complexa, o filme não lhe fica atrás. Principia em Budapeste, quando o agente Jim Prideaux (Mark Strong) persegue preciosas informações de um agente e é assassinado em plena rua, à luz do dia. Jim Prideaux cumpria ordens do chefe do MI6, Control (John Hurt), e o falhanço da missão leva ao afastamento de Control e também de George Smiley (Gary Oldman), seu braço direito. A direcção do MI6 passa a ser dominada por Percy Alleline (Toby Jones), Bill Haydon (Colin Firth), Roy Bland (Ciarán Hinds) e Toby Esterhase (David Dencik). Mas, pouco depois, Smiley é convidado a regressar ao MI6 para investigar a existência de um traidor. Ou para confirmarem ser ele próprio esse agente duplo?
A realização é talvez demasiado cerrada, exigindo uma atenção absoluta, mas o tom que impõe é notável, com uma direcção artística notável de coerência e rigor, uma belíssima fotografia e um desempenho invulgar na contenção e severidade. Gary Oldman é brilhante e a nomeação para o Oscar justíssima. Sério concorrente para George Clooney.
A TOUPEIRA
Título original: Tinker Tailor Soldier Spy
Realização: Tomas Alfredson (França, Inglaterra, Alemanha, 2011); Argumento: Bridget O'Connor, Peter Straughan, segundo romance de John le Carré; Produção: Tim Bevan, Liza Chasin, Eric Fellner, Alexandra Ferguson, Ron Halpern, Debra Hayward, John le Carré, Peter Morgan, Artist W. Robinson, Robyn Slovo, Alex Sutherland, Douglas Urbanski; Música: Alberto Iglesias; Fotografia (cor): Hoyte Van Hoytema; Montagem: Dino Jonsäter; Casting: Jina Jay; Design de produção: Maria Djurkovic; Direcção artística: Tom Brown, Zsuzsa Kismarty-Lechner; Guarda-roupa: Jacqueline Durran; Maquilhagem: Felicity Bowring; Direcção de Produção: Tania Blunden, Deborah Harding, Zeynep Santiroglu, György Sánta, Tim Wellspring; Assistentes de realização: Yagiz Alp Akaydin, Zoltán Bonta, Mark Hopkins, Robert Karn, Zoe Liang, Mikael Marcimain, Alex Oakley; Departamento de arte: Deniz Göktürk, Felicity Hickson, Julianna Kasza, Zsuzsa Mihalek; Som: Andy Botham, Stephen Griffiths, Andy Shelley; Efeitos especiais: Dean Ford, Mark Holt, Gabor Kiszelly; Efeitos visuais: Nick King, Oskar Larsson, Olle Petersson; Companhias de produção: Studio Canal, Karla Films, Paradis Films, Kinowelt Filmproduktion, Working Title Films, Canal+, CinéCinéma; Intérpretes: Gary Oldman (George Smiley), Colin Firth (Bill Haydon), John Hurt (Control), Benedict Cumberbatch (Peter Guillam), Stephen Graham (Jerry Westerby), Mark Strong (Jim Prideaux), David Dencik (Toby Esterhase), Ciarán Hinds (Roy Bland), Tom Hardy (Ricki Tarr), Zoltán Mucsi, Péter Kálloy Molnár, Ilona Kassai, Imre Csuja, Kathy Burke, Arthur Nightingale, Simon McBurney, Amanda Fairbank-Hynes, Peter O'Connor, Roger Lloyd-Pack, Toby Jones,  Matyelok Gibbs, Phillip Hill-Pearson, Jamie Thomas King, Stuart Graham, Konstantin Khabenskiy, Sarah Jane Wright, Katrina Vasilieva, Linda Marlowe, William Haddock, Erksine Wylie, Philip Martin Brown, Tomasz Kowalski, Svetlana Khodchenkova, Denis Khoroshko, Oleg Dzhabrailov, Nick Hopper, Laura Carmichael, Rupert Procter, John le Carré (convidado na festa de Natal), Michael Sarne, Christian McKay, Tom Stuart, etc. Duração: 127 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 22 de Dezembro de 2011.  

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