:
BACANTES
“Bacantes”, tragicomediorgya, da responsabilidade de Zé Celso Correa, principal responsável pelo “Teat®o Oficina”, da Uzyna Uzona, de São Paulo, aterrou no S. Luiz durante três dias, vinda de Liége, Bélgica (onde encerrou a Europália). Foram três sessões de cinco/seis horas cada, esgotantes para a vasta companhia, com mais de 55 elementos, entre intérpretes, músicos e técnicos, e que deixaram em delírio as salas esgotadas da casa da Rua António Maria Cardoso.
Atrevo-me a dizer que o grande acontecimento teatral de 2012 em Portugal já aconteceu, logo no mês de Janeiro. Não que o espectáculo seja perfeito (uma das suas virtudes será possivelmente essa imperfeição, o lado inacabado, ou “em progresso”), mas é seguramente o mais (ou um dos mais, dê-se o benefício da dúvida) sugestivo, exaltante e estimulante espectáculo que poderemos ver em Portugal.
“As Bacantes” é uma peça de Eurípedes, um dramaturgo da Grécia clássica, cuja trama foi adaptada à actualidade e fundamentalmente ao Brasil. A peça estreou em 1995 e tem continuado a carreira de forma espaçada, quer no interior do seu país, quer no estrangeiro. Pode dizer-se, sem exagero, que mais de noventa por cento das cinco horas em cena são passados com o elenco nu, invocando os deuses Dionísios, Baco e afins, numa exaltação do vinho, do prazer, do amor, e da foda, assim mesmo invocada, sem subterfúgios (o palco é inclusive classificado de fododromo). Claro que estas premissas nos levam até ao Living Theatre, do célebre Julian Beck, dos anos 60, mas é um Living completamente submergido pelo samba e, sobretudo, pelas teorias do tropicalismo e da antropofagia, que nasceram com o modernismo literário e musical de Oswald de Andrade ou Villa Lobos, continuado e aprofundado pelo cinema de Glauber Rocha e companheiros do cinema novo. Algo de profundamente visceral, que transforma o palco (que aliás não existe) num espaço de profunda interacção com a plateia, levando actores e espectadores a colaborarem na mesma celebração da vida, da morte e da ressurreição. Não a usual ressurreição católica, mas a pagã dionísiaca, que se afirma inesgotável e cada vez mais actual, sobretudo para contrair momentos de crise e proclamações da troika. A companhia explica que é “para festejar a ideia de que paga caro quem acaba com a festa e se dá bem quem inventa um jeito novo de ser feliz”. Ou num português mais daqui, “tristezas não pagam dividas”.
É a própria companhia que assim enuncia a génese do espectáculo: “Bacantes” é uma das mais conhecidas obras do “Teat®o Oficina”. Ela reconstitui o ritual da origem do Teatro em 25 cantos e cinco episódios. Com música composta por Zé Celso (que também assina a autoria e encenação) e direcção musical de Marcelo Pellegrini, a última tragédia grega conhecida – “Bakxai”, de Eurípides – é encenada como uma ópera de Carnaval para cantar o nascimento, morte e renascimento de Dionísios, Deus do Teatro, do vinho e do carnaval. O ritual vive a chegada de Dionísios (Marcelo Drummond), filho de Zeus (Hector Othon) e da mortal Semelle (Anna Guilhermina), à sua cidade natal, TebaSP, que não o reconhece como Deus. Trava-se o confronto entre o prefeito de Tebas, Penteu (Fred Steffen), filho de Agave (Sylvia Prado), que tenta proibir a realização do Teatro dos Ritos Báquicos oficiados por Dionísios e o Coro de Satyros e Bacantes nos morros da capital, governada por Kadmos Fidel Castro (Hector Othon) – mudando para sempre a história daquela cidade”.
Como se vê Tebas passa a TebasSP, um abrasileirar da Grécia, passando a cidade para SP, São Paulo, com as necessárias actualizações. Mas como o projecto está em contínuo progresso, no S. Luiz muito se adaptou aos tempos portugueses e europeus, sendo que assim o espectáculo se assumiu como exorcismo e catarse das calamidades que pairam no horizonte. Veneração “do amor mortal, do imortal, mas também do brutal”, antes da mulher morder a maçã, não isento de muito humor (“o amor é cego, então o negócio é apalpar”) e crítica social e política (dos políticos europeus à Dilma brasileira, passando pela proposta do derrube do capitalismo e por instauração de democracias em Cuba e na Coreia do Norte), “Bacantes” abre e a experiência única inicia-se de forma inebriante, entontecedora, orgíaca, levados por uma turba de movimentos e sons, de música e frenético samba (onde aparece, como não podia deixar de ser a “nossa” Carmen Miranda, como ícone inesquecível), de cores garridas e em ecrãs múltiplos, onde se reproduzem as acções do próprio espectáculo. É difícil de acompanhar, mas irresistível para participar.
Este não é teatro para ver somente, mas uma experiência para se viver. Enfim, um acontecimento inesquecível. Uma encenação original e criativa, um elenco transbordante de ritmo e vivacidade, a cimentar bem lá no fundo a vontade de morder a maçã da vida.
Atrevo-me a dizer que o grande acontecimento teatral de 2012 em Portugal já aconteceu, logo no mês de Janeiro. Não que o espectáculo seja perfeito (uma das suas virtudes será possivelmente essa imperfeição, o lado inacabado, ou “em progresso”), mas é seguramente o mais (ou um dos mais, dê-se o benefício da dúvida) sugestivo, exaltante e estimulante espectáculo que poderemos ver em Portugal.
“As Bacantes” é uma peça de Eurípedes, um dramaturgo da Grécia clássica, cuja trama foi adaptada à actualidade e fundamentalmente ao Brasil. A peça estreou em 1995 e tem continuado a carreira de forma espaçada, quer no interior do seu país, quer no estrangeiro. Pode dizer-se, sem exagero, que mais de noventa por cento das cinco horas em cena são passados com o elenco nu, invocando os deuses Dionísios, Baco e afins, numa exaltação do vinho, do prazer, do amor, e da foda, assim mesmo invocada, sem subterfúgios (o palco é inclusive classificado de fododromo). Claro que estas premissas nos levam até ao Living Theatre, do célebre Julian Beck, dos anos 60, mas é um Living completamente submergido pelo samba e, sobretudo, pelas teorias do tropicalismo e da antropofagia, que nasceram com o modernismo literário e musical de Oswald de Andrade ou Villa Lobos, continuado e aprofundado pelo cinema de Glauber Rocha e companheiros do cinema novo. Algo de profundamente visceral, que transforma o palco (que aliás não existe) num espaço de profunda interacção com a plateia, levando actores e espectadores a colaborarem na mesma celebração da vida, da morte e da ressurreição. Não a usual ressurreição católica, mas a pagã dionísiaca, que se afirma inesgotável e cada vez mais actual, sobretudo para contrair momentos de crise e proclamações da troika. A companhia explica que é “para festejar a ideia de que paga caro quem acaba com a festa e se dá bem quem inventa um jeito novo de ser feliz”. Ou num português mais daqui, “tristezas não pagam dividas”.
É a própria companhia que assim enuncia a génese do espectáculo: “Bacantes” é uma das mais conhecidas obras do “Teat®o Oficina”. Ela reconstitui o ritual da origem do Teatro em 25 cantos e cinco episódios. Com música composta por Zé Celso (que também assina a autoria e encenação) e direcção musical de Marcelo Pellegrini, a última tragédia grega conhecida – “Bakxai”, de Eurípides – é encenada como uma ópera de Carnaval para cantar o nascimento, morte e renascimento de Dionísios, Deus do Teatro, do vinho e do carnaval. O ritual vive a chegada de Dionísios (Marcelo Drummond), filho de Zeus (Hector Othon) e da mortal Semelle (Anna Guilhermina), à sua cidade natal, TebaSP, que não o reconhece como Deus. Trava-se o confronto entre o prefeito de Tebas, Penteu (Fred Steffen), filho de Agave (Sylvia Prado), que tenta proibir a realização do Teatro dos Ritos Báquicos oficiados por Dionísios e o Coro de Satyros e Bacantes nos morros da capital, governada por Kadmos Fidel Castro (Hector Othon) – mudando para sempre a história daquela cidade”.
Como se vê Tebas passa a TebasSP, um abrasileirar da Grécia, passando a cidade para SP, São Paulo, com as necessárias actualizações. Mas como o projecto está em contínuo progresso, no S. Luiz muito se adaptou aos tempos portugueses e europeus, sendo que assim o espectáculo se assumiu como exorcismo e catarse das calamidades que pairam no horizonte. Veneração “do amor mortal, do imortal, mas também do brutal”, antes da mulher morder a maçã, não isento de muito humor (“o amor é cego, então o negócio é apalpar”) e crítica social e política (dos políticos europeus à Dilma brasileira, passando pela proposta do derrube do capitalismo e por instauração de democracias em Cuba e na Coreia do Norte), “Bacantes” abre e a experiência única inicia-se de forma inebriante, entontecedora, orgíaca, levados por uma turba de movimentos e sons, de música e frenético samba (onde aparece, como não podia deixar de ser a “nossa” Carmen Miranda, como ícone inesquecível), de cores garridas e em ecrãs múltiplos, onde se reproduzem as acções do próprio espectáculo. É difícil de acompanhar, mas irresistível para participar.
Este não é teatro para ver somente, mas uma experiência para se viver. Enfim, um acontecimento inesquecível. Uma encenação original e criativa, um elenco transbordante de ritmo e vivacidade, a cimentar bem lá no fundo a vontade de morder a maçã da vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário