sábado, janeiro 28, 2012

TEATRO: JUDY GARLAND - O FIM DO ARCO-ÍRIS

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JUDY GARLAND - O FIM DO ARCO-ÍRIS


Depois de ter tratado sempre com grande amor e entusiasmo os casos de divas como Amália, Maria Callas ou Edith Piaf, Filipe La Féria lança-se na evocação de Judy Garland, através da encenação do musical “Judy Garland - O fim do arco-íris”, um original de Peter Quilter, que tem sido bem recebido nos palcos de todo o mundo e agora sobe à cena no Teatro Politeama de Lisboa.
Inglês de nascimento (Colchester), Peter Quilter estudou na Universidade de Leeds, emigrando depois para as Ilhas Canárias, onde reside. Iniciou a carreira como apresentador de televisão, na BBC, e estreou-se como dramaturgo com uma comédia, “Respecting Your Piers”, mais tarde rebaptizada como "Curtain Up", a que se seguiram uma adaptação de Oscar Wilde, “The Canterville Ghost”, o musical, e uma nova comédia, “BoyBand”. O seu primeiro grande sucesso internacional seria, todavia, em 2005, “End of the Rainbow”, que se estreou na Sydney Opera House, na Austrália. Em Inglaterra, surgiu no Royal Theatre de Northampton, com encenação de Terry Johnson, e interpretação de Tracie Bennett. Chegou ao West End londrino, para se instalar no Trafalgar Studios, tendo recebido quatro nomeações para os “Laurence Olivier Awards”, melhor nova peça, melhor actriz, melhor actriz num papel secundário, melhor som. A sua carreira prosseguiu em Madrid, Hamburgo, Rio de Janeiro, e vai estrear nos EUA, a caminho da Broadway, onde conta chegar a 19 de Março deste ano.
Outro musical de grande sucesso do mesmo autor é “Glorious!”, contando-se ainda no seu reportório obras como “Celebrity”, “Just the Ticket”, “Curtain Up!”, “The Nightingales” ou “The Morning After”.
“Judy Garland - O fim do arco-íris” é, como se calcula, uma homenagem à lendária actriz e cantora que nos legou, entre outros, filmes como “O Feiticeiro de Oz” ou “Não Há Como a Nossa Casa”, “O Pirata dos Meus Sonhos” ou “Assim Nasce Uma Estrela”, para só citar alguns.
Judy Garland nasceu com o nome de Frances Ethel Gumm, a 10 de Junho de 1922, em Grand Rapids, Minnesota, nos EUA, e viria a falecer muito jovem ainda, aos 47 anos, em Londres, a 22 de Junho de 1969. Desde muito nova que se entregou ao espectáculo, os pais eram artistas de variedades e cantores, Francis Avent "Frank" Gumm (1886-1935) e Ethel Marion Milne (1893-1953), e formou com duas outras irmãs mais velhas, Mary Jane "Suzy" Gumm (1915-64) e Dorothy Virgínia "Jimmie" Gumm (1917-77), um trio a que deram o nome “The Sisters Gumm”, que, depois de muitos espectáculos de teatro de “vaudeville”, se estreou no cinema, em 1929, em “Revue Big”. A última aparição de “The Sisters Gumm” no ecrã surgiu em 1935, em “La Fiesta de Santa Barbara”, uma curta-metragem musical. Passaram então a chamar-se “The Garland Sisters”, dado que Gummo não era nome que soasse bem. Mas o trio não durou muito. Suzanne Garland casou, abandonou a carreira, e também Frances Ethel Gumm foi substituída por Judy Garland. "Judy", como homenagem a uma popular canção de Hoagy Carmichael, e Garland, aí as explicações fiam mais fino e há várias, para todos os gostos, desde uma influência da personagem de Carole Lombard (Lily Garland), até um elogio recebido por telegrama da actriz Judith Anderson, onde se referia a palavra "Garland" (grinalda). É já como Judy Garland que assina o seu primeiro contrato a solo com a MGM. Estávamos em 1935, ela tinha treze, catorze anos 1, 64 m de altura, , o pai morrera pouco antes, vítima de meningite, e a “,Babe”, como era chamada pelos familiares e amigos, logo passou a “filha da MGM”, onde dominava Louis Mayer, que tinha por hábito alimentar-se sexualmente de todas as suas actrizes.
A seu lado, tinha as “vedetas” da casa, entre as quais Ava Gardner, Lana Turner ou Elizabeth Taylor, e Garland não era o que se pode chamar o “glamour” em pessoa, a uma primeira vista. Na sua idade, não era nem carne nem peixe, e Louis B. Mayer, uma vez recusados os avanços, ao que consta, referia-se a ela como a "pequena corcunda". Mas a popularidade da jovem actriz era muita, sobretudo desde que cantara “You Made Me Love You”, no aniversário de Clark Gable, e posteriormente no “All-Star Extravaganza Broadway Melody” de 1938, desta feita perante a fotografia do actor. A MGM inventou então a parelha Judy Garland - Mickey Rooney, que apareceu numa série de musicais para adolescentes. O primeiro data de 1940, “Thoroughbreds B Don't Cry”, a que se seguiram mais oito. Mas foi “O Feiticeiro de Oz”, de 1939, que marcaria para sempre a sua carreira e a tornaria imortal, sobretudo através do êxito sem precedentes que foi a sua interpretação do clássico tema “Over the Rainbow”.
 
Rapidamente Judy Garland se torna dependente de medicamentos e drogas, de álcool e tabaco. Afirma-se que Louis Mayer, “para melhor rentabilizar os serviços da jovem” lhe administrava anfetaminas para a estimular e, depois, barbitúricos para que dormisse quando já não era necessária”.
A sua vida torna-se um carrossel com altos e baixos cíclicos. Profissionalmente é uma das mais celebradas vedetas dessas décadas de ouro do musical, aparecendo nalguns dos grandes filmes que assinalaram o género. Mas, em simultâneo, a dependência torna-se uma constante, as crises multiplicavam-se, com tentativas de suicídio regulares, e os seus efeitos sobre o trabalho também, com atrasos e ausências a filmagens. Começou várias obras que não terminou, sendo despedida e substituída por outra actriz. Particularmente, a sua vida sentimental era instável. Casou com David Rose (1941-1944), com o cineasta Vincente Minnelli, de cuja ligação nasceu Liza Minnelli, (1945-1951), Sidney Luft (1952-1965), Mark Herron (1965-1967), e Mickey Deans (1969), que a encontrou morta na banheira do seu apartamento, num hotel da capital inglesa.
Em 1999, o “American Film Institute”, numa sondagem entre os seus membros, colocou-a em oitavo lugar, entre as dez maiores estrelas femininas da história do cinema americano. Desde a sua morte, cujo enterro foi acompanhado por mais de 22 mil pessoas, que é um ícone da história do cinema e do espectáculo.
Foi esta personagem singular, mas não tão singular assim, quando olhamos a história do espectáculo mundial, onde exemplos similares são frequentes, que serviu de base à peça de Peter Quilter, que se centra somente nas últimas semanas de vida da actriz, quando em Londres se encontra a actuar no “Talk of the Town”. A peça mostra o mau feitio da actriz, no seu relacionamento com o seu dedicado pianista, Anthony (Carlos Quintas), e com o seu quinto marido, Mickey Deand (Hugo Rendas), mas, de certa forma, tenta fazer compreender esse génio desesperado pelos amargos de boca por que a actriz passou ao longo de toda a vida. De qualquer forma, este tipo de trabalhos deixa sempre uma certa sensação de ligeira hipocrisia e de aproveitamento pós-mortem. É verdade que Judy Garland, como muitas outras e outros, tiveram vidas sacrificadas, mas também não o é menos que deveria ser muito traumatizante trabalhar com ela, sujeito a todos os seus estados de espírito. Mas a peça parece uma sincera homenagem, não muito brilhante enquanto escrita teatral, mas suficientemente interessante para se acompanhar com agrado.


Filipe La Féria, tal como o país, vive um período de vacas magras, e não se nota em “Judy Garland - O Fim do Arco-Íris” aquele arrojo espectacular que costuma ser seu timbre. A encenação oscila entre dois cenários, o quarto de hotel e o palco do “Talk of the Town”, sendo que é aqui que se passam os momentos mais exaltantes, com a interpretação de Vanessa Silva, como Judy Garland, uma bonita e poderosa voz e uma interpretação que, na noite da estreia, começou naturalmente nervosa e lentamente foi ganhando o palco e admiração dos espectadores. Carlos Quintas e Hugo Rendas cumprem com a habitual dedicação.

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