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UMA SEPARAÇÃO
Veio do Irão, possivelmente, o melhor filme estreado em Portugal durante o ano de 2011. Chama-se “Uma Separação” e é uma pequena obra-prima que surpreende pela precisão da escrita do argumento, pela eficácia da realização, pela segurança da interpretação, pela ironia amarga que destila, pela serenidade expositiva, pela habilidade escolhida na forma como critica uma sociedade, sem demagogia, mas com cuidada pertinácia. Um exemplo para qualquer pequena cinematografia que se preze e que pode disputar um Oscar de melhor filme em língua não inglesa e ganhá-lo (quase de certeza).
O cineasta iraniano Asghar Farhadi não era ainda conhecido em Portugal, apesar de nos dizerem que realizou em 2009 um outro filme merecedor de todos os encómios, e que cujo título se poderia traduzir, em português, por “À Procura de Elly”. “Uma Separação”, sua obra seguinte, vence o Festival de Berlim, e foi nomeado para duas categorias de Oscars, “melhor filme em língua não inglesa” e “melhor argumento original”.
Como já se disse, o argumento de “Uma Separação” é extremamente inteligente e bem urdido, partindo de um acontecimento aparentemente sem significado especial, a não ser para os intervenientes: Naader (Peyman Moaadi) e Simin (Leila Hatami) são um casal que vive em comum há anos, têm uma filha de onze anos, Termeh (Sarina Farhadi, filha do realizador), mas resolvem divorciar-se. O filme começa mesmo com um plano frontal dos dois invocando as razões para o divórcio, perante um juiz (em off, que se assume como os olhos do espectador). Ela quer o divórcio porque se lhe afigura difícil viver no Irão, quer abandonar o país, e tem uma licença para o fazer que espira dentro de 40 dias. Desconhecem-se as razões específicas para esta opção, mas depreendem-se. Ele, por sua vez, não pode abandonar Teerão, tem o velho pai doente, acamado, com Alzheimer, e acha desumano abandoná-lo.
O cineasta iraniano Asghar Farhadi não era ainda conhecido em Portugal, apesar de nos dizerem que realizou em 2009 um outro filme merecedor de todos os encómios, e que cujo título se poderia traduzir, em português, por “À Procura de Elly”. “Uma Separação”, sua obra seguinte, vence o Festival de Berlim, e foi nomeado para duas categorias de Oscars, “melhor filme em língua não inglesa” e “melhor argumento original”.
Como já se disse, o argumento de “Uma Separação” é extremamente inteligente e bem urdido, partindo de um acontecimento aparentemente sem significado especial, a não ser para os intervenientes: Naader (Peyman Moaadi) e Simin (Leila Hatami) são um casal que vive em comum há anos, têm uma filha de onze anos, Termeh (Sarina Farhadi, filha do realizador), mas resolvem divorciar-se. O filme começa mesmo com um plano frontal dos dois invocando as razões para o divórcio, perante um juiz (em off, que se assume como os olhos do espectador). Ela quer o divórcio porque se lhe afigura difícil viver no Irão, quer abandonar o país, e tem uma licença para o fazer que espira dentro de 40 dias. Desconhecem-se as razões específicas para esta opção, mas depreendem-se. Ele, por sua vez, não pode abandonar Teerão, tem o velho pai doente, acamado, com Alzheimer, e acha desumano abandoná-lo.
Na impossibilidade de deixar o país com a filha, para o que necessita do acordo do pai, Simin sai de casa. Só com a filha, mas necessitando ambos de se ausentarem de casa, para o trabalho e o estudo, Naader contrata uma empregada, Razieh (Sareh Bayat), para tomar conta do pai. Mas esta atravessa igualmente um mau período, preocupada com vários problemas, está grávida, o marido desempregado e com dívidas que tem de pagar, e não pode dizer-lhe que trabalha fora. Problemas religiosos agravam a questão. Um dia, Naader regressa a casa, encontra o pai caído no chão, amarrado a um móvel, e de Razieh nem sombra. Quando esta aparece, travam-se de razões, e Naader despede a empregada e empurra-a para fora de casa. Razieh acaba por abortar e culpa o incidente, levando Naader a tribunal, no que é suportada por Hodjat (Shahab Hosseini), o seu impulsivo marido.
Há aspectos desta obra que relembram algum neo-realismo, pela forma como aborda temas sociais do dia a dia, procurando retirar deles conclusões sociais mais abrangentes, ainda que o recurso a actores profissionais e os métodos de filmagem apontem para outras estéticas mais clássicas. Mas sente-se a preocupação de desenhar os contornos de uma sociedade onde a religião adquire um peso comportamental indesmentível e de analisar certas instituições iranianas, sem as afrontar directamente, mas colhendo reflexos da sua ineficácia, desde a saúde à justiça, do trabalho à educação. A verdade oculta-se para se poder sobreviver, e só a jura sobre o Alcorão parece infundir um receio irremediável.
Há aspectos desta obra que relembram algum neo-realismo, pela forma como aborda temas sociais do dia a dia, procurando retirar deles conclusões sociais mais abrangentes, ainda que o recurso a actores profissionais e os métodos de filmagem apontem para outras estéticas mais clássicas. Mas sente-se a preocupação de desenhar os contornos de uma sociedade onde a religião adquire um peso comportamental indesmentível e de analisar certas instituições iranianas, sem as afrontar directamente, mas colhendo reflexos da sua ineficácia, desde a saúde à justiça, do trabalho à educação. A verdade oculta-se para se poder sobreviver, e só a jura sobre o Alcorão parece infundir um receio irremediável.
Se o argumento é engenhoso e sempre cativante, acompanhando-se com o interesse de um caso policial, a realização é magnifica de sobriedade e delicadeza, sem nunca sobrecarregar o significado, acreditando na inteligência do espectador para ser ele próprio a retirar as conclusões que se impõem. A qualidade técnica é excelente e o trabalho dos actores magnífico, valorizando de sobremaneira o conjunto.
Asghar Farhadi assume-se como um dos grandes cineastas contemporâneos, chamando a atenção para uma cinematografia que já sabíamos, por outras provas dadas, de grande qualidade, mas aqui refinada por esta manifestação de maturidade. A não perder.
Asghar Farhadi assume-se como um dos grandes cineastas contemporâneos, chamando a atenção para uma cinematografia que já sabíamos, por outras provas dadas, de grande qualidade, mas aqui refinada por esta manifestação de maturidade. A não perder.
UMA SEPARAÇÃO
Título original: Jodaeiye Nader az Simin
Realização: Asghar Farhadi (Irão, 2011); Argumento: Asghar Farhadi; Produção: Negar Eskandarfar, Asghar Farhadi; Música: Sattar Oraki; Fotografia (cor): Mahmoud Kalari; Montagem: Hayedeh Safiyari; Design de produção: Keyvan Moghaddam; Maquilhagem: Mehrdad Mirkiani; Assistentes de realização: Hamid Reza Ghorbani; Som: Mahmoud Samakbashi; Companhias de produção: Asghar Farhadi; Intérpretes: Peyman Maadi (Nader), Leila Hatami (Simin), Sareh Bayat (Razieh), Shahab Hosseini (Hodjat), Sarina Farhadi (Termeh), Merila Zare'i (Miss Ghahraii), Ali-Asghar Shahbazi (pai de Nader), Babak Karmi, Kimia Hosseini, Shirin Yazdanbakhsh, Sahabanu Zolghadr, Mohammadhasan Asghari, Shirin Azimiyannezhad, Hamid Dadju, Mohammad Ebrahimian, Samad Farhang, Ali Fattahi, Nafise Ghodrati, Roya Hosseini, Seyyed Jamshid Hosseini, Hamid Janane, Sahar Kave, Seyyd Hamid Mirshams, Manuchehr Mohammadzade, etc. Duração: 123 minutos; Distribuição em Portugal: Alambique Destilaria de Ideias Unipessoal; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 15 de Dezembro de 2011.
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