UMA TRAIÇÃO FATAL
Steven
Soderbergh é um realizador com quem simpatizo bastante, desde os tempos de “Sexo,
Mentiras e Vídeo” (1989). Em cada seu filme sente-se o prazer do cinema, quer
sejam obras decisivamente pessoais, mais experimentais, quer se trate de outras
mais “comerciais”, mas ainda assim muito marcadas pelo seu estilo. Depois, é um
“faz tudo” e faz tudo bem, escreve, realiza, produz, fotografa, monta, etc,
etc. e não pára de trabalhar. Chega aos três filmes por ano: em 2011, realizou
“The Last Time I Saw Michael Gregg”, “Contágio” e “Uma Traição Fatal”, não
falando noutras actividades suas como produtor (ainda em 2011 produziu para
outros realizadores “Roman Polanski: Odd Man Out”, “Temos de Falar Sobre Kevin”
e “His Way”).
“Uma
Traição Fatal” vem na linha da sua série “Ocean's Eleven - Façam as Vossas
Apostas” (2001), “Ocean's 12”
(2004) e “Ocean's 13”
(2007), procurando erguer uma obra de acção intensa, sem grandes preocupações
de plausibilidade, jogando no divertimento pelo divertimento. O argumentista Lem
Dobbs (o mesmo de “Kafka” e “O Falcão Inglês”, ambos de Soderbergh, e ainda de
“Sem Saída” ou de “Cidade Misteriosa”) acompanha a peregrinação de uma espia
norte-americana, “não oficial”, Mallory Kane (Gina Carano) que nos é
apresentada nas imagens iniciais num café de estrada, onde é vítima de uma
cilada engendrada pelo traidor inglês Kenneth (Ewan McGregor), que terá sido
seu marido no passado. Foge num carro pedido de empréstimo a um estupefacto
Scott (Angarano), a quem depois se entretém a contar parte da sua movimentada
vida, introduzida em flashbacks no filme. Depois tudo é cada vez mais confuso e
caótico, percebendo-se que anda ao serviço de um americano de nome Coblenz
(Douglas) que a tinha enviado a Barcelona, e depois a Dublin, em parceria com
um agente da MI6, Paul (Fassbender), tudo isto resvalando de emboscada em
emboscada e de demonstrações de artes marciais em demonstrações de artes
marciais, que só têm um fito: a vingança e a limpeza do nome de Mallory, filha
de um retirado escritor a viver no México. Deve acrescentar-se que, em questões
de limpeza, Mallory Kane é um ás, não fosse a simpática Gina Carano uma expert
em artes marciais e cenas de pancadaria avulsas, levando tudo à frente, a solo
ou em grupo, só com punhos ou contra gangs armados de metralhadoras. Uma
espécie de “Kill Bill”, de Tarantino, mas sem metade da graça, ainda que a
narrativa esteja sempre à altura do estilo fluído e elegante de Soderbergh.
Acontece, porém, que o exercício é desconcertantemente desmiolado e oco,
parecendo que roda no vazio, sem âncora a que se agarrar. Saltitando de cidade
em cidade, de país em país, qual guia turístico com roteiro para cumprir, a
aventura acaba por aborrecer um pouco, que nem a fotografia de Peter Andrews (pseudónimo
de próprio Soderbergh), nem a montagem de Mary Ann Bernard (outra vez
Soderbergh sob disfarce) logram minimizar.
Saúde-se,
no entanto, a vedeta da companhia, bonita e destemida, a ameaçadora Gina Carano,
que relembra a já mítica Lisbeth Salander, de “Millenium”, o que deixa
adivinhar uma nova geração de heroínas a povoar o cinema contemporâneo.
Mulheres fatais (mas muito diferentes das antigas mulheres fatais do “film
noire”) que conduzem o seu próprio jogo depois de fustigadas por sucessivos
desencantamentos e traições masculinas. Gina Carano tem tudo para regressar
mais vezes e ser bem-vinda.
“Haywire”
não é um mau filme, mas sabe a muito pouco, sobretudo assinado por Soderbergh,
e mesmo um entretenimento sem pretensões merece um pouco mais. Como a série “Ocean's
Eleven” o demonstrava.
Além
de Gina Carano, andam por aqui ainda Michael Fassbender, Ewan McGregor, Michael
Douglas, Antonio Banderas, Bill Paxton, Mathieu Kassovitz, entre outros, pouco
mais do que a facturar uns milhares de dólares.
UMA TRAIÇÃO
FATAL
Título
original: Haywire
Realização: Steven Soderbergh (EUA,
Irlanda, 2011); Argumento: Lem Dobbs; Produção: Ken Halsband, Gregory Jacobs,
Alan Moloney, Michael Polaire, Tucker Tooley; Música: David Holmes; Fotografia
(cor): Peter Andrews (Steven Soderbergh); Montagem: Mary Ann Bernard (Steven
Soderbergh); Casting: Carmen Cuba; Design de produção: Howard Cummings;
Direcção artística: Iñigo Navarro; James F. Oberlander, Anna Rackard;
Decoração: Barbara Munch; Guarda-roupa: Shoshana Rubin; Maquilhagem: Marie
Larkin, Michelle Vittone; Direcção de Produção: Julie M. Anderson, Nicos
Beatty, Noëlette Buckley, Bernat Elias, David Kirchner, Michael Polaire;
Assistentes de realização: Jim Corr, Catherine Dunne, Eric Glasser, Gregory
Jacobs, Jody Spilkoman; Departamento de arte: Robert J. Carlyle, Amahl Lovato,
Roberta Marquez Seret, Chad Owens, Schuyler Telleen, Schuyler Telleen, Pilar
Valência; Som: Andrew Felton, Thomas W. Jordan, Edwardo Santiago, Dennis Towns;
Efeitos especiais: Ron Bolanowski, Kevin Hannigan, Juan Ramón Molina; Efeitos
visuais: John Kennedy, Tim Morris; Companhias de produção: Relativity Media,
Bord Scannan na hEireann / Irish Film Board / The Irish Film Board; Intérpretes: Gina Carano (Mallory
Kane), Michael Fassbender (Paul), Ewan McGregor (Kenneth), Michael Douglas
(Coblenz), Antonio Banderas (Rodrigo), Bill Paxton (John Kane), Mathieu
Kassovitz (Studer), Julian Alcaraz (Victor), Eddie J. Fernandez (Barroso),
Lluís Botella Pont (Helpful Guy), Aaron Cohen (Jamie), Maximino Arciniega
(Gomez), Anthony Brandon Wong (Jiang), James Flynn, Karl Shiels, Bobby Burns,
Al Goto, R.A. Rondell, John Wylie, Todd Thatcher Cash, Edward A. Duran, Derick
Pritchard, J.J. Perry, Michael Angarano, Debby Lynn Ross, Tim Connolly,
Natascha Berg, etc. Duração: 93
minutos; Distribuição em Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 12
anos; Estreia em Portugal: 10 de Maio de 2012.
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