Morreu Joaquim Benite
(1943-2012)
Morreu um amigo. Quando assim é, difícil se torna
sequer falar. Fomos muito próximos durante muito tempo. Ambos críticos, eu de
cinema, ele de teatro, no “Diário de Lisboa”. Lá pelos anos 60. Ambos
apaixonados pelo que escrevíamos. Fizemos depois carreiras diversas, mas lado a
lado. Ambos apaixonados pelo que fazíamos. Acompanhei a sua actividade sempre com
redobrado interesse, pela qualidade das suas propostas, mas também com o olhar
de amigo que gosta de ver o amigo afirmar-se por mérito próprio. Sei que ele me
seguia com igual emoção. A emoção que nos unia quando nos encontrávamos, aqui e
ali, no Famafest que eu dirigia em Famalicão, onde fez parte do Júri
Internacional em 2010, ano em que foi igualmente homenageado, no Teatro Municipal
de Almada que dirigia e onde encenava espectáculos que ficarão na nossa
recordação, no Festival que superiormente dirigia, um dos melhores da Europa no
campo do teatro. Benite partiu mas o seu trabalho, consistente e coerente, a
sua alegria de viver, o seu forte abraço, esses ficarão, triste consolação numa
carreira brilhante que se finou. Que o exemplo não se cale. Por isso aqui fica
um abraço para a Teresa, os filhos e também para o Rodrigo, seu assistente
durante anos.
Perguntaram-lhe
se achava que ficaria na História. Respondeu: “Os encenadores nunca ficam na
história. Só os escritores, como o Shakespeare. Sabe, acho que vale a pena
viver para nos divertirmos. Lutar por coisas, para cumprir missões, não. O
teatro é um sinal de civilização que está na origem da sociedade. Até nos animais.
Quando chego a casa, o meu cão faz uma dança que parece egípcia, pá. São
rituais de representação. Mas o teatro não tem missão nenhuma. É uma coisa que
as pessoas fazem porque gostam e as outras vêem porque lhes dá prazer”.
É
tudo verdade. Mas ficarás na História, claro!
O encenador Joaquim Benite, director do Teatro Municipal de Almada e do Festival de Almada, faleceu esta noite, na sequência de complicações respiratórias motivadas por uma pneumonia. O fundador da Companhia de Teatro de Almada preparava a estreia absoluta em Portugal de Timão de Atenas, de Shakespeare, que representaria o seu regresso à actividade após um período de ausência dos palcos por motivo de doença. O País perde assim um dos seus mais prestigiados encenadores, ligado ao movimento de renovação do Teatro português no período que antecedeu e que se seguiu à Revolução de 1974.
Joaquim Benite nasceu em Lisboa em 1943. Começou a trabalhar como jornalista, aos 20 anos, no jornal República. Posteriormente fez parte da redacção do Diário de Lisboa e foi chefe de redacção dos jornais O séculoe O diário. Foi crítico de teatro no Diário de Lisboa e em diversas revistas e publicações.
Em 1971 fundou o Grupo de Campolide e estreou-se na encenação com O avançado centro morreu ao amanhecer, de Agustin Cuzzani. Com a peça Aventuras do grande D. Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança, de António José da Silva, ganhou, no ano seguinte, o Prémio da Crítica para o melhor espectáculo de teatro amador.
Em 1976, no Teatro da Trindade, transformou o Grupo de Campolide em companhia profissional. Em 1978 asua companhia instala-se em Almada, cidade de onde não mais sairia, e que transformou num dos principais focos teatrais do País, cujo expoente máximo será porventura o Festival de Almada, criado em 1984, e que em 2013 terá a sua 30ª edição. Em 1988, Joaquim Benite inaugura o primeiro Teatro Municipal dessa cidade, e em 2005 é finalmente concluído o projecto do novo Teatro Municipal de Almada — num edifício da autoria de Manuel Graça Diase Egas José Vieira —, que se tornou num dos principais teatros do País.
Tendo criado mais de uma centena de espectáculos, Joaquim Benite foi responsável pela estreia em teatro de José Saramago, de quem dirigiu A noite (1979) e Que farei com este livro? (1980 e 2007). Encenou ainda obras de Shakespeare, Molière, Brecht, Lorca, Bulgakov, Camus, Adamov, Gogol, Beckett, Albee, Neruda, Thomas Bernhard, Sanchis Sinisterra, Antonio Skármeta, Pushkin, Peter Schaffer, Marguerite Duras, Dias Gomes, Nick Dear, O’Neill, Marivaux, Feydeau, Almeida Garrett, Gil Vicente, Raul Brandão, entre muitos outros.
Entre os seus últimos trabalhos contam-se: Que farei com este livro, de José Saramago(2007); as óperas A clemência de Tito, de Mozart (2008), O doido e a morte(2008) e A rainha louca (2011), de Alexandre Delgado; O presidente, de Thomas Bernhard (2008); Timon de Atenas, de Shakespeare (Festival de Mérida, 2008); A mãe, de Brecht (2010); Tuning, de Rodrigo Francisco (2010); Troilo e Créssida, de Shakespeare (2010); e Hughie e Antes do pequeno-almoço, de Eugene O’Neill (2010).
Entre os numerosos prémios e distinções com que foi distinguido, Joaquim Benite foi agraciado com as Medalhas de Ouro dos Municípios de Almada e da Amadora, e as Medalha de Mérito Cultural do Ministério da Cultura e Mérito Distrital do Governo Civil de Setúbal. Foi-lhe também atribuído o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique; os graus de Cavaleiro e Oficial da Ordem das Artes e das Letras de França; e o grau de Comendador da Ordem do Mérito Civil de Espanha.
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