SIMPLESMENTE
MARIA
"Simplesmente Maria" era uma
rádio novela muito popular no início dos anos 70 (começou a ser transmitido a
23 de Março de 1973) e funcionava na rádio como as telenovelas posteriormente o
fariam na televisão. Arrebatava multidões de ouvintes e era coisa popular,
popularucha, mesmo. Os intelectuais desdenhavam, diga-se com razão. Quando
alguém quera atingir outro, poderia referir-se ao "Simplesmente
Maria". João César Monteiro, um dia que acordou mal-humorado, resolveu
escrever um texto sobre mim, no “Cinéfilo”, chamado “Simplesmente Lauro”. Eu,
que não sou para me ficar, repliquei-lhe com uma versão adaptada do célebre
discurso pronunciado por Marco António, nas escadarias do Senado Romano, em frente
ao corpo assassinado de César. Foi uma polémica divertida, como eram sempre as
polémicas naquele tempo e sobretudo como o João César Monteiro. Esta recordação
pessoal funciona aqui apenas para mostrar a popularidade da rádio novela
"Simplesmente Maria".
Há um ano, a Mirró Pereira teve a
feliz ideia de escrever uma peça que tem por base a rádio novela, que encenou
em “A Barraca”. Na altura não pude ver. O espectáculo fez tournée e regressou
há pouco à Malaposta, onde o fui ver na sua última sessão. Em boa hora. Não vou
dizer que é uma obra-prima, mas tem muitos pontos positivos e, sobretudo,
demonstra mais uma vez o esforço que tanta gente nova que gosta de teatro vai
fazendo para não deixar morrer o teatro. E confirma ainda a vontade de muito
público de resistir igualmente, de ir ao teatro, de saudar os actores, de se
emocionar, de sorrir, de se revoltar, de chorar, de rir, de se comover, de
pensar… O que é muito bom sempre, e mais ainda em momentos de crise, como o
actual. Resistir é preciso. Está é uma maneira muito saudável de afirmar o
essencial.
A ideia da peça é bem concebida: no
palco, o estúdio radiofónico onde se gravam os episódios de "Simplesmente
Maria" e, à medida que vamos assistindo a algumas gravações, espaçadas no
tempo, vamos percebendo como se realizavam essas emissões, com os seus ruídos
”inventados” em estúdio, uma sonoplastia muito manual e fascinante na sua
criatividade e, ao mesmo tempo, vamos recordando a época (ou descobrindo-a,
para quem não a viveu), as canções, a publicidade, as notícias, o vestuário, os
usos e costumes, os discursos oficiais, e também histórias de amores e
desamores eternos, que eram da década de 70 e permanecem com outras roupagens
nos dias de hoje. Tudo isso até se chegar à noite de 24 de Abril, como marca o
calendário na parede… Fim daquela "Simplesmente Maria", para se dar
origem a novos folhetins radiofónicos que transformaram radicalmente o País.
O espectáculo possui um bom cenário,
imaginativo, suprindo com invenção a falta de meios (que se não nota), todo o
apetrecho técnico é eficaz e sóbrio, com um bom desenho de luz, uma encenação
cuidada e divertida, e uma interpretação com base num grupo de jovens que se
sai muito bem da encomenda, mostrando nalguns casos grande potencial. É gente
que manifestamente gosta do que faz e o faz por prazer. Um prazer que se
estende ao espectador.
"Simplesmente Maria" – Criação,
texto e encenação: Mirró Pereira; Direcção de projecto: Gisela Duque Pereira; Espaço
sonoro: Pedro Costa; Desenho de luz: Feliciano Branco; Design de comunicação:
Patrícia Guimarães; Produção executiva: Mariana Vilela; Direcção de cena: Joana
Barros; Intérpretes: Mirró Pereira: Amélia que é Maria; Daniel Moutinho:
Henrique que é Eduardo; Joana Barros: Maria Ana que é Arminda; Pedro Luzindro:
Tony que é Narrador, Artur, Padre; Patrícia Queirós: Maria Albertina que é Dona
Zéza, Empregada de Café, Toninho; Bernardo Gavina: Apresentador e Venceslau que
é Substituto de Henrique; Vozes: José Neves - Carlos Manuel.
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