segunda-feira, abril 28, 2014

TEATRO: SIMPLESMENTE MARIA


SIMPLESMENTE MARIA

"Simplesmente Maria" era uma rádio novela muito popular no início dos anos 70 (começou a ser transmitido a 23 de Março de 1973) e funcionava na rádio como as telenovelas posteriormente o fariam na televisão. Arrebatava multidões de ouvintes e era coisa popular, popularucha, mesmo. Os intelectuais desdenhavam, diga-se com razão. Quando alguém quera atingir outro, poderia referir-se ao "Simplesmente Maria". João César Monteiro, um dia que acordou mal-humorado, resolveu escrever um texto sobre mim, no “Cinéfilo”, chamado “Simplesmente Lauro”. Eu, que não sou para me ficar, repliquei-lhe com uma versão adaptada do célebre discurso pronunciado por Marco António, nas escadarias do Senado Romano, em frente ao corpo assassinado de César. Foi uma polémica divertida, como eram sempre as polémicas naquele tempo e sobretudo como o João César Monteiro. Esta recordação pessoal funciona aqui apenas para mostrar a popularidade da rádio novela "Simplesmente Maria". 
Há um ano, a Mirró Pereira teve a feliz ideia de escrever uma peça que tem por base a rádio novela, que encenou em “A Barraca”. Na altura não pude ver. O espectáculo fez tournée e regressou há pouco à Malaposta, onde o fui ver na sua última sessão. Em boa hora. Não vou dizer que é uma obra-prima, mas tem muitos pontos positivos e, sobretudo, demonstra mais uma vez o esforço que tanta gente nova que gosta de teatro vai fazendo para não deixar morrer o teatro. E confirma ainda a vontade de muito público de resistir igualmente, de ir ao teatro, de saudar os actores, de se emocionar, de sorrir, de se revoltar, de chorar, de rir, de se comover, de pensar… O que é muito bom sempre, e mais ainda em momentos de crise, como o actual. Resistir é preciso. Está é uma maneira muito saudável de afirmar o essencial.
A ideia da peça é bem concebida: no palco, o estúdio radiofónico onde se gravam os episódios de "Simplesmente Maria" e, à medida que vamos assistindo a algumas gravações, espaçadas no tempo, vamos percebendo como se realizavam essas emissões, com os seus ruídos ”inventados” em estúdio, uma sonoplastia muito manual e fascinante na sua criatividade e, ao mesmo tempo, vamos recordando a época (ou descobrindo-a, para quem não a viveu), as canções, a publicidade, as notícias, o vestuário, os usos e costumes, os discursos oficiais, e também histórias de amores e desamores eternos, que eram da década de 70 e permanecem com outras roupagens nos dias de hoje. Tudo isso até se chegar à noite de 24 de Abril, como marca o calendário na parede… Fim daquela "Simplesmente Maria", para se dar origem a novos folhetins radiofónicos que transformaram radicalmente o País.
O espectáculo possui um bom cenário, imaginativo, suprindo com invenção a falta de meios (que se não nota), todo o apetrecho técnico é eficaz e sóbrio, com um bom desenho de luz, uma encenação cuidada e divertida, e uma interpretação com base num grupo de jovens que se sai muito bem da encomenda, mostrando nalguns casos grande potencial. É gente que manifestamente gosta do que faz e o faz por prazer. Um prazer que se estende ao espectador.


"Simplesmente Maria" – Criação, texto e encenação: Mirró Pereira; Direcção de projecto: Gisela Duque Pereira; Espaço sonoro: Pedro Costa; Desenho de luz: Feliciano Branco; Design de comunicação: Patrícia Guimarães; Produção executiva: Mariana Vilela; Direcção de cena: Joana Barros; Intérpretes: Mirró Pereira: Amélia que é Maria; Daniel Moutinho: Henrique que é Eduardo; Joana Barros: Maria Ana que é Arminda; Pedro Luzindro: Tony que é Narrador, Artur, Padre; Patrícia Queirós: Maria Albertina que é Dona Zéza, Empregada de Café, Toninho; Bernardo Gavina: Apresentador e Venceslau que é Substituto de Henrique; Vozes: José Neves - Carlos Manuel.

Sem comentários: