BOEING,
BOEING
O teatro tem muitas formas de se
exprimir e uma comédia de costumes (ou de maus costumes) ou vaudeville, também
é teatro. Normalmente são comédias populares, relativamente simples nos seus
propósitos e construção, sem grandes estudos psicológicos ou subtextos sociais
ou políticos. Digamos que pode este género pode ir ligar-se ao teatro de boulevard
que surgiu em França no século XVI, nas grandes feiras da cidade, e que
posteriormente se foi aburguesando, desviado dos recintos populares para as salas
dos boulevards parisienses.
Tem uma construção relativamente
simples, vive de casos amorosos, normalmente de adultérios, e costuma ter
muitas portas no cenário, por onde saem e entram personagens que não convém encontrarem-se
no mesmo tempo e local. Quando isso acontece, é a tragédia em forma de comédia.
No seculo XIX teve uma grande vivacidade em França, com excelentes autores como
Georges Feydeau, Eugène Scribe, Eugène Labiche, Georges Courteline, entre
outros, que ainda se encenam um pouco por todo o lado com evidente sucesso e
agrado público.
Já no século XX, Marc
Camoletti, nascido em Genebra, mas a trabalhar em França desde cedo, foi um
dramaturgo e encenador dos mais populares, sobretudo e precisamente pelos seus
vaudevilles adaptados ao seu tempo. Foi ele que escreveu “Boeing-Boeing”, que o
“Guiness Book of Records” considera “a peça francesa mais representada no mundo
inteiro”, com mais de 10 000 representações mundiais. Mas Camoletti deu à luz
mais de quarenta peças, encenadas em mais de 55 países, com dezena e meia adaptada
ao cinema e à televisão. “Boeing-Boeing” foi uma delas, realizada por John
Rich, e interpretada por Tony Curtis e Jerry Lewis, ao lado de Christiane
Schmidtmer, Dany Saval, Suzanna Leigh e ainda a inigualável Thelma Ritter.
Não é das melhores comédias de Jerry Lewis, para mim um génio do humor, mas é o
suficiente para muitos gostarem muito, entre os quais Quentin Tarantino, que
seleccionou o filme para o seu primeiro Quentin Tarantino Film Fest, em Austin,
Texas, em 1996.
A peça chegou a Lisboa e teve
temporada no Trindade, com enorme sucesso de público (mais de 10.000
espectadores), e prepara-se, segundo sei, para partir em tournée. Vale a pena
falar sobre ela, pois se trata de um espectáculo muito divertido, bem encenado
num cenário único, de uma brancura esmerada, paredes interrompidas por várias portas
que conduzem a quartos (muitos), casas de banhos (uma), cozinha, e obviamente
um recheio pejado de trocadilhos que terminam num engarrafamento de trânsito
aéreo invulgar. Na peça francesa, o pinga amores é arquitecto, por cá é
jornalista, mas para o caso não interessa. O que conta é que possui um
apartamento muito movimentado com entradas e saídas de hospedeiras de bordo,
que o jornalista controla ao minuto: sai uma agora, entra a outra, levanta voo
a seguinte e aterra uma nova, para ninguém colidir com ninguém. A hospedeira francesa,
a inglesa e a alemã (no original, em Portugal aparece uma brasileira a
substituir a inglesa, e uma italiana em vez da francesa) estão todas noivas do
mesmo homem, que não pensa casar com nenhuma. Até ao dia em que surge nos ares
o Boeing 747, que torna as viagens muito mais rápidas e as escalas impossíveis
de coordenar. Desponta assim o frenesim das portas que se abrem e fecham e a diversão
promete, bem assim como a moralidade final. Há hospedeiras para todos, nenhuma
fica apeada e o sacrossanto casamento não deixa de ser salvo. Mas a coisa tem
graça, é bastante divertida, requer um savoir faire de ritmo invulgar (encenação
de Claudio Hochman), e os actores (Luís Esparteiro e João Didelet) cumprem e as
actrizes sobressaem sob todos os pontos de vista (Elsa Galvão, a empregada, tem
muita graça a transformar a casa a cada nova partida e chegada, Sofia Ribeiro,
Patrícia Tavares, Melânia Gomes, as hospedeiras, cada uma no seu estilo,
dominam a cena).
Posto isto, “Boeing, Boeing” anda no
ar, e prepara-se por aterrar por aí. Estejam atentos. É uma comédia despretensiosa,
sem grandes preocupações, a não ser fazer rir e sorrir. O teatro também é isso.
E às vezes mais vale uma comédia assim que um presunçoso e falhado espectáculo
de teatro “vanguardista” que só procura atirar areia para os olhos. A versão da
Broadway foi galardoada com os Tonys, um para Melhor Peça e outro para Melhor
Actor.
Boeing, Boeing – Texto: Marc Camoletti;
tradução Marc Xavier; adaptação Paulo Sousa Costa; encenação Cláudio Hochman; produção
Yellow Star Company; Intérpretes: Luis Esparteiro, João Didelet, Elsa Galvão, Sofia
Ribeiro, Patrícia Tavares, Melânia Gomes.
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