segunda-feira, abril 28, 2014

TEATRO: BOEING, BOEING


BOEING, BOEING

O teatro tem muitas formas de se exprimir e uma comédia de costumes (ou de maus costumes) ou vaudeville, também é teatro. Normalmente são comédias populares, relativamente simples nos seus propósitos e construção, sem grandes estudos psicológicos ou subtextos sociais ou políticos. Digamos que pode este género pode ir ligar-se ao teatro de boulevard que surgiu em França no século XVI, nas grandes feiras da cidade, e que posteriormente se foi aburguesando, desviado dos recintos populares para as salas dos boulevards parisienses.   
Tem uma construção relativamente simples, vive de casos amorosos, normalmente de adultérios, e costuma ter muitas portas no cenário, por onde saem e entram personagens que não convém encontrarem-se no mesmo tempo e local. Quando isso acontece, é a tragédia em forma de comédia. No seculo XIX teve uma grande vivacidade em França, com excelentes autores como Georges Feydeau, Eugène Scribe, Eugène Labiche, Georges Courteline, entre outros, que ainda se encenam um pouco por todo o lado com evidente sucesso e agrado público.
Já no século XX, Marc Camoletti, nascido em Genebra, mas a trabalhar em França desde cedo, foi um dramaturgo e encenador dos mais populares, sobretudo e precisamente pelos seus vaudevilles adaptados ao seu tempo. Foi ele que escreveu “Boeing-Boeing”, que o “Guiness Book of Records” considera “a peça francesa mais representada no mundo inteiro”, com mais de 10 000 representações mundiais. Mas Camoletti deu à luz mais de quarenta peças, encenadas em mais de 55 países, com dezena e meia adaptada ao cinema e à televisão. “Boeing-Boeing” foi uma delas, realizada por John Rich, e interpretada por Tony Curtis e Jerry Lewis, ao lado de Christiane Schmidtmer, Dany Saval, Suzanna Leigh e ainda a inigualável Thelma Ritter. Não é das melhores comédias de Jerry Lewis, para mim um génio do humor, mas é o suficiente para muitos gostarem muito, entre os quais Quentin Tarantino, que seleccionou o filme para o seu primeiro Quentin Tarantino Film Fest, em Austin, Texas, em 1996.
A peça chegou a Lisboa e teve temporada no Trindade, com enorme sucesso de público (mais de 10.000 espectadores), e prepara-se, segundo sei, para partir em tournée. Vale a pena falar sobre ela, pois se trata de um espectáculo muito divertido, bem encenado num cenário único, de uma brancura esmerada, paredes interrompidas por várias portas que conduzem a quartos (muitos), casas de banhos (uma), cozinha, e obviamente um recheio pejado de trocadilhos que terminam num engarrafamento de trânsito aéreo invulgar. Na peça francesa, o pinga amores é arquitecto, por cá é jornalista, mas para o caso não interessa. O que conta é que possui um apartamento muito movimentado com entradas e saídas de hospedeiras de bordo, que o jornalista controla ao minuto: sai uma agora, entra a outra, levanta voo a seguinte e aterra uma nova, para ninguém colidir com ninguém. A hospedeira francesa, a inglesa e a alemã (no original, em Portugal aparece uma brasileira a substituir a inglesa, e uma italiana em vez da francesa) estão todas noivas do mesmo homem, que não pensa casar com nenhuma. Até ao dia em que surge nos ares o Boeing 747, que torna as viagens muito mais rápidas e as escalas impossíveis de coordenar. Desponta assim o frenesim das portas que se abrem e fecham e a diversão promete, bem assim como a moralidade final. Há hospedeiras para todos, nenhuma fica apeada e o sacrossanto casamento não deixa de ser salvo. Mas a coisa tem graça, é bastante divertida, requer um savoir faire de ritmo invulgar (encenação de Claudio Hochman), e os actores (Luís Esparteiro e João Didelet) cumprem e as actrizes sobressaem sob todos os pontos de vista (Elsa Galvão, a empregada, tem muita graça a transformar a casa a cada nova partida e chegada, Sofia Ribeiro, Patrícia Tavares, Melânia Gomes, as hospedeiras, cada uma no seu estilo, dominam a cena).
Posto isto, “Boeing, Boeing” anda no ar, e prepara-se por aterrar por aí. Estejam atentos. É uma comédia despretensiosa, sem grandes preocupações, a não ser fazer rir e sorrir. O teatro também é isso. E às vezes mais vale uma comédia assim que um presunçoso e falhado espectáculo de teatro “vanguardista” que só procura atirar areia para os olhos. A versão da Broadway foi galardoada com os Tonys, um para Melhor Peça e outro para Melhor Actor.




Boeing, Boeing – Texto: Marc Camoletti; tradução Marc Xavier; adaptação Paulo Sousa Costa; encenação Cláudio Hochman; produção Yellow Star Company; Intérpretes: Luis Esparteiro, João Didelet, Elsa Galvão, Sofia Ribeiro, Patrícia Tavares, Melânia Gomes.

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