WHIPLASH - NOS LIMITES
Vai-se
ao dicionário saber o que quer dizer rigorosamente “Whiplash” e lá vem “algo
que se assemelha ao ruído de uma chicotada”. Entramos no domínio de “Whiplash –
Nos Limites”, filme escrito e realizado por Damien Chazell. O ruído de uma
chicotada é o que mais se ouve ao longo da sua hora e quarenta e tal minutos.
Andrew
Nieman (Miles Teller), é um jovem de 19 anos que quer ser o melhor ou dos
melhores bateristas de jazz. Tem os seus ídolos e inscreve-se numa das melhores
escolas de música do mundo, o Shaffer Conservatory of Music, onde vai apanhar
pela frente com um professor que dizem genial, que acha que fazer um trabalho
“bem feito” não chega, é preciso ser-se perfeito (“Não existem duas palavras
mais nocivas do que ‘bom trabalho’”). Terence Fletcher (J.K. Simmons, que já
víramos num papel semelhante num filme de Kubrick, o sargento de “Full Metal Jacket”), o
professor, não se importa muito que os alunos vão ficando pelo caminho, alguns
suicidam-se, mas para ele nem todos podem ser Charlie Parker, e o importante é
encontrar um “Charlie *Parker”.
O filme
de Damien Chazell, que é particularmente sedutor, é uma canção com três
refrões, todos eles ilustrados por duelos encarniçados: de Andrew consigo
mesmo, procurando ultrapassar-se a cada novo ensaio, de Andrew com a bateria
que ele castiga da mesma forma que castiga os seus medos e mãos, até ficarem em
sangue, e um duelo com o próprio professor de música, que progride até à
insanidade. Terence Fletcher é uma figura patológica, um carniceiro, um
autêntico carrasco de um campo de concentração nazi, que tem como supremo ideal
não a arte, mas a perfeição técnica. Para ele, Andrew Nieman tem de martelar a
bateria com uma mestria total, como um máquina. Nuca fala em sentimento, nunca
exige emoção, nunca procura que o jazz transpire o mundo, seja um reflexo do
pulsar da humanidade, afinal o que faz da arte algo de essencial. Para Terence
Fletcher, o essencial é a violência do batimento e o número de batimentos por
minuto. Terence Fletcher quer fazer de Andrew Nieman um autómato perfeito.
Muito longe, portanto, dos seus ídolos, Gene Krupa ou Buddy Rich. Já conhecemos
a teoria aplicada a economistas, políticos, cientistas, and so on. Perfeitos no
seu campo técnico, e o resto só atrapalha. Andrew anda apaixonado por Nicole
(Melissa Benoist), mas ele afasta-a. A família incomoda-o, o que se percebe
durante um jantar onde nem tudo corre bem. A vida de todos os dias só embaraça
e impede-o de ser “perfeito”. Leva bofetadas do professor, que atira cadeiras
pelo ar, que profere grosserias a toda a hora, que exerce a sua ditadura a
todos os níveis. Mas Andrew está disposto a provar que consegue e, depois de
momentos de desânimo, volta à carga e desafia o professor. O som das chicotadas
é cada vez mais insuportável.
O
perigo de “Whiplash – Nos Limites” é que o público leve a sério o que vê como
lição de vida, que julgo não ser esse o propósito de Damien Chazelle. A obra é
dúbia, afinal como a vida, e o espectador tem de perceber que os grandes
artistas, os Charlie Parkers de qualquer arte, fazem da sua arte uma forma de
compreensão do mundo, não uma continua superação do número de marteladas no
tampo metálico de uma qualquer panela. A técnica por si só não é nada e pode,
pelo contrário, ser uma cegueira monstruosa, que conduz às maiores
barbaridades. Os médicos do III Reich queriam atingir a suprema perfeição da
raça ariana. Há por aí muita gente a querer equilibrar as contas públicas com
perfeitos exercícios de contabilidade austera.
De
resto, “Whiplash – Nos Limites” é um excelente exercício de estilo, com uma
montagem magnífica, um clima envolvente que nos faz ultrapassar a (possível)
monotonia de um filme que vive em frente de uma bateria a ser chicoteada, e com
desempenhos notáveis, nomeadamente do sempre exímio J.K. Simmons, que já deve
ter o Oscar de Melhor Actor Secundário nas mãos, ou o ainda não citado pai de
Andrews (Paul Reiser).
Espero
que este não seja mais um filme onde se louva a superação do indivíduo, contra
tudo e contra todos, mas que se anteveja a crítica que me parece óbvia a uma
educação que é um perfeito abuso de poder e que afasta o indivíduo da sua
humanidade, e afasta a arte da sua principal função. A verdade é que esta
teoria tem muitos adeptos e, ainda há anos, “O Cisne Negro”, de Darren Aronofsky, tocava em
teclas muito semelhantes.
Damien
Chazelle é um jovem realizador norte-americano, filho de mãe francesa e pai
americano, que anteriormente escrevera um medíocre argumento de filme de
terror, “O Último Exorcismo - Parte II (The Last Exorcism Part II, 2013),
realizara e escrevera “Guy and Madeline on a Park Bench” (2009), onde a música
era dominante, e ainda uma curta-metragem que antecipa a presente
longa-metragem, “Whiplash”.
Estreado
no Festival de Cinema de Sundance, esta realização de Damien Chazelle já venceu
um Globo de Ouro na categoria de Melhor Actor Secundário (J.K. Simmons), e
encontra-se nomeado para cinco Óscars, Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado,
Melhor Actor Secundário, Melhor Montagem e Melhor Som.
WHIPLASH - NOS LIMITES
Título original: Whiplash
Realização: Damien Chazelle (EUA, 2014);
Argumento: Damien Chazelle; Produção: Jason Blum, Jeanette Brill, Nicholas
Britell, Phillip Dawe, Garrick Dion, Helen Estabrook, Mark David Katchur, David Lancaster, Michel Litvak, Sarah Potts,
Jason Reitman, Couper Samuelson, Gary Michael Walters, Stephanie Wilcox;
Música: Justin Hurwitz; Fotografia (cor):
Sharone Meir; Montagem: Tom Cross; Casting: Terri Taylor; Design de
produção: Melanie Jones; Direcção
artística: Hunter Brown; Decoração: Karuna Karmarkar; Guarda-roupa: Lisa
Norcia; Maquilhagem: David Larson, Heather Plott, Traci E. Smithe, Tobe West,
Nacoma Whobrey; Direcção de
Produção: Tamara Gagarin, Mark David
Katchur, Christopher H. Warner, Jeffrey Stott; Assistentes de realização: Arek
Bagboudarian, Nicolas Duchemin Harvard, Rachel Jensen; Departamento de arte:
Annie Brandt, Brian Chapman, Zak Faust, Drew Rebelein; Som: Thomas Curley,
Lauren Hadaway, Craig Mann, Michael Novitch, David Stark, Ben Wilkins; Efeitos
especiais: Zak Knight, Ron Rosegard; Efeitos visuais: Jamison Scott Goei, David
Lebensfeld, Grant Miller; Companhias de produção: Bold Films, Blumhouse
Productions, Right of Way Films; Intérpretes:
Miles Teller (Andrew), J.K. Simmons (Fletcher), Paul Reiser (Jim Neimann), Melissa Benoist (Nicole), Austin
Stowell (Ryan), Nate Lang (Carl Tanner), Chris Mulkey (Tio Frank), Damon Gupton
(Mr. Kramer), Suanne Spoke (Tia Emma), Max Kasch, Charlie Ian, Jayson Blair,
Kofi Siriboe, Kavita Patil, C.J. Vana, Tarik Lowe, Tyler Kimball, Rogelio
Douglas Jr., Adrian Burks, Calvin C. Winbush, Joseph Bruno, Michael D. Cohen,
Jocelyn Ayanna, Keenan Henson, Janet Hoskins, etc. Duração: 107 minutos;
Distribuição em Portugal: Big Picture 2 Films; Classificação etária: M/ 12
anos; Data de estreia em Portugal: 29 de Janeiro de 2015.
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