domingo, fevereiro 15, 2015

OS FILMES PARA OS OSCARS (6)


WHIPLASH - NOS LIMITES

Vai-se ao dicionário saber o que quer dizer rigorosamente “Whiplash” e lá vem “algo que se assemelha ao ruído de uma chicotada”. Entramos no domínio de “Whiplash – Nos Limites”, filme escrito e realizado por Damien Chazell. O ruído de uma chicotada é o que mais se ouve ao longo da sua hora e quarenta e tal minutos.
Andrew Nieman (Miles Teller), é um jovem de 19 anos que quer ser o melhor ou dos melhores bateristas de jazz. Tem os seus ídolos e inscreve-se numa das melhores escolas de música do mundo, o Shaffer Conservatory of Music, onde vai apanhar pela frente com um professor que dizem genial, que acha que fazer um trabalho “bem feito” não chega, é preciso ser-se perfeito (“Não existem duas palavras mais nocivas do que ‘bom trabalho’”). Terence Fletcher (J.K. Simmons, que já víramos num papel semelhante num filme de Kubrick, o sargento de “Full Metal Jacket”), o professor, não se importa muito que os alunos vão ficando pelo caminho, alguns suicidam-se, mas para ele nem todos podem ser Charlie Parker, e o importante é encontrar um “Charlie *Parker”.

O filme de Damien Chazell, que é particularmente sedutor, é uma canção com três refrões, todos eles ilustrados por duelos encarniçados: de Andrew consigo mesmo, procurando ultrapassar-se a cada novo ensaio, de Andrew com a bateria que ele castiga da mesma forma que castiga os seus medos e mãos, até ficarem em sangue, e um duelo com o próprio professor de música, que progride até à insanidade. Terence Fletcher é uma figura patológica, um carniceiro, um autêntico carrasco de um campo de concentração nazi, que tem como supremo ideal não a arte, mas a perfeição técnica. Para ele, Andrew Nieman tem de martelar a bateria com uma mestria total, como um máquina. Nuca fala em sentimento, nunca exige emoção, nunca procura que o jazz transpire o mundo, seja um reflexo do pulsar da humanidade, afinal o que faz da arte algo de essencial. Para Terence Fletcher, o essencial é a violência do batimento e o número de batimentos por minuto. Terence Fletcher quer fazer de Andrew Nieman um autómato perfeito. Muito longe, portanto, dos seus ídolos, Gene Krupa ou Buddy Rich. Já conhecemos a teoria aplicada a economistas, políticos, cientistas, and so on. Perfeitos no seu campo técnico, e o resto só atrapalha. Andrew anda apaixonado por Nicole (Melissa Benoist), mas ele afasta-a. A família incomoda-o, o que se percebe durante um jantar onde nem tudo corre bem. A vida de todos os dias só embaraça e impede-o de ser “perfeito”. Leva bofetadas do professor, que atira cadeiras pelo ar, que profere grosserias a toda a hora, que exerce a sua ditadura a todos os níveis. Mas Andrew está disposto a provar que consegue e, depois de momentos de desânimo, volta à carga e desafia o professor. O som das chicotadas é cada vez mais insuportável.

O perigo de “Whiplash – Nos Limites” é que o público leve a sério o que vê como lição de vida, que julgo não ser esse o propósito de Damien Chazelle. A obra é dúbia, afinal como a vida, e o espectador tem de perceber que os grandes artistas, os Charlie Parkers de qualquer arte, fazem da sua arte uma forma de compreensão do mundo, não uma continua superação do número de marteladas no tampo metálico de uma qualquer panela. A técnica por si só não é nada e pode, pelo contrário, ser uma cegueira monstruosa, que conduz às maiores barbaridades. Os médicos do III Reich queriam atingir a suprema perfeição da raça ariana. Há por aí muita gente a querer equilibrar as contas públicas com perfeitos exercícios de contabilidade austera.
De resto, “Whiplash – Nos Limites” é um excelente exercício de estilo, com uma montagem magnífica, um clima envolvente que nos faz ultrapassar a (possível) monotonia de um filme que vive em frente de uma bateria a ser chicoteada, e com desempenhos notáveis, nomeadamente do sempre exímio J.K. Simmons, que já deve ter o Oscar de Melhor Actor Secundário nas mãos, ou o ainda não citado pai de Andrews (Paul Reiser).

Espero que este não seja mais um filme onde se louva a superação do indivíduo, contra tudo e contra todos, mas que se anteveja a crítica que me parece óbvia a uma educação que é um perfeito abuso de poder e que afasta o indivíduo da sua humanidade, e afasta a arte da sua principal função. A verdade é que esta teoria tem muitos adeptos e, ainda há anos, “O Cisne Negro”, de Darren Aronofsky, tocava em teclas muito semelhantes.
Damien Chazelle é um jovem realizador norte-americano, filho de mãe francesa e pai americano, que anteriormente escrevera um medíocre argumento de filme de terror, “O Último Exorcismo - Parte II (The Last Exorcism Part II, 2013), realizara e escrevera “Guy and Madeline on a Park Bench” (2009), onde a música era dominante, e ainda uma curta-metragem que antecipa a presente longa-metragem, “Whiplash”.
Estreado no Festival de Cinema de Sundance, esta realização de Damien Chazelle já venceu um Globo de Ouro na categoria de Melhor Actor Secundário (J.K. Simmons), e encontra-se nomeado para cinco Óscars, Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Actor Secundário, Melhor Montagem e Melhor Som.

WHIPLASH - NOS LIMITES
Título original: Whiplash

Realização: Damien Chazelle (EUA, 2014); Argumento: Damien Chazelle; Produção: Jason Blum, Jeanette Brill, Nicholas Britell, Phillip Dawe, Garrick Dion, Helen Estabrook, Mark David Katchur,  David Lancaster, Michel Litvak, Sarah Potts, Jason Reitman, Couper Samuelson, Gary Michael Walters, Stephanie Wilcox; Música: Justin Hurwitz; Fotografia (cor):  Sharone Meir; Montagem: Tom Cross; Casting: Terri Taylor; Design de produção: Melanie Jones;  Direcção artística: Hunter Brown; Decoração: Karuna Karmarkar; Guarda-roupa: Lisa Norcia; Maquilhagem: David Larson, Heather Plott, Traci E. Smithe, Tobe West, Nacoma Whobrey;  Direcção de Produção:  Tamara Gagarin, Mark David Katchur, Christopher H. Warner, Jeffrey Stott; Assistentes de realização: Arek Bagboudarian, Nicolas Duchemin Harvard, Rachel Jensen; Departamento de arte: Annie Brandt, Brian Chapman, Zak Faust, Drew Rebelein; Som: Thomas Curley, Lauren Hadaway, Craig Mann, Michael Novitch, David Stark, Ben Wilkins; Efeitos especiais: Zak Knight, Ron Rosegard; Efeitos visuais: Jamison Scott Goei, David Lebensfeld, Grant Miller; Companhias de produção: Bold Films, Blumhouse Productions, Right of Way Films; Intérpretes: Miles Teller (Andrew), J.K. Simmons (Fletcher), Paul Reiser  (Jim Neimann), Melissa Benoist (Nicole), Austin Stowell (Ryan), Nate Lang (Carl Tanner), Chris Mulkey (Tio Frank), Damon Gupton (Mr. Kramer), Suanne Spoke (Tia Emma), Max Kasch, Charlie Ian, Jayson Blair, Kofi Siriboe, Kavita Patil, C.J. Vana, Tarik Lowe, Tyler Kimball, Rogelio Douglas Jr., Adrian Burks, Calvin C. Winbush, Joseph Bruno, Michael D. Cohen, Jocelyn Ayanna, Keenan Henson, Janet Hoskins, etc. Duração: 107 minutos; Distribuição em Portugal: Big Picture 2 Films; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 29 de Janeiro de 2015.

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