“Sleuth:
Autópsia de um Crime”
no Centro Cultural do Cartaxo
“Sleuth” é uma peça de teatro
inglesa, assinada por Anthony Shaffer, que teve grande sucesso nos palcos
ingleses e norte americanos, mas igualmente um pouco por todo o mundo. Na
Broadway, onde permaneceu entre 1970 e 1973, venceu o Tony Award em 1971 para
melhor espectáculo do ano. O êxito nos palcos lançou a obra para o cinema. Em
1972, o próprio Anthony Shaffer adapta a sua peça ao cinema, que contaria com
direcção de um mestre, Joseph L. Mankiewicz, no que seria a sua gloriosa
despedida da realização. “Sleuth: Autópsia de um Crime” contava com dois
actores de invulgar talento que conferiram ao filme uma densidade psicológica
absorvente. Laurence Olivier e Michael Caine são os gigantes neste jeu de
massacre entre dois homens. Curiosamente, Joseph L. Mankiewicz anunciava um
elenco com outros actores, quase todos fictícios. A ideia do realizador seria
levar o espectador a esperar que aparecessem surpresas durante a projecção da
obra. Foi indicada para vários Oscars, nomeadamente os dois actores principais,
mas foi ainda considerada em muitas outras cerimónias.
Alguns anos depois, 2007, Kenneth
Branagh volta ao tema que desta feita conta com adaptação de Harold Pinter, e
entre os intérpretes, Michael Caine (no papel anteriormente de Olivier) e Jude
Law (vivendo este agora a figura criada por Caine, na versão de 72). É um bom
trabalho de actores, mas o resultado global do filme fica aquém da magnífica
obra de Mankiewicz. A realização vive muitos de rodriguinhos e efeitos
plásticos, que acabam por prejudicar a coerência final.
A história é aparentemente
simples: Andrew Wyke, um escritor de romances policiais com grande sucesso,
recebe na sua casa apalaçada Milo Tindle, cabeleireiro e amante de sua mulher.
Andrew quer ver-se livre da mulher, mas não ficar a pagar uma choruda pensão de
alimentos. Assim propõe a Milo que este assalte a sua própria casa, roube um
valioso colar, fique com ele e com a mulher. O escritor ficaria com o prémio do
seguro e a liberdade. Pois, mas nada disto é assim tão simples. A peça vive
muito de viragens surpreendentes. Como se costuma dizer é pagar para ver e vale
bem a pena.
Esta peça foi agora levada a
cena no Cartaxo, numa produção da Área de Serviço – Projeto de Criação Teatral,
com encenação de Frederico Corado, que interpreta igualmente um dos principais
papéis ao lado de André Diogo. Arrojo e valentia é o que primeiro se deve
salientar. Com tão fulgurantes antepassados levar a cena esta peça é obviamente
um risco. Todos vão fazer comparações e a fasquia está elevadíssima. No caso de
Frederico Corado, o salto é gigante. Não só tem Laurence Olivier e Michael
Caine como referência, como ainda encena e se encena a si próprio. Pode
dizer-se que nem Frederico Corado nem André Diogo fazem esquecer os astros que
os iluminam, mas deve dizer-se igualmente que se comportam com dignidade e
galhardia, construindo duas figuras bem desenhadas na sua complexidade. A
encenação é clássica, mas muito bem dirigida, o cenário eficaz e de muito bom
gosto plástico, ajudando a cimentar o clima de suspense da peça, que conta
ainda com um muito bom desenho de luzes.
Percebe-se assim que o arrojo
vale a pena, e que se a genialidade dos antepassados tolhesse os movimentos das
mais jovens gerações nunca ninguém pegaria mais nalguns clássicos. Parabéns ao
grupo Área de Serviço – Projeto de Criação Teatral. Que terá amanhã, pelas
21,30 horas, no Centro Cultural do Cartaxo, a sua última representação.