sexta-feira, abril 22, 2016

TEATRO: AUTOPSIA DE UM CRIME



“Sleuth: Autópsia de um Crime”
 no Centro Cultural do Cartaxo

“Sleuth” é uma peça de teatro inglesa, assinada por Anthony Shaffer, que teve grande sucesso nos palcos ingleses e norte americanos, mas igualmente um pouco por todo o mundo. Na Broadway, onde permaneceu entre 1970 e 1973, venceu o Tony Award em 1971 para melhor espectáculo do ano. O êxito nos palcos lançou a obra para o cinema. Em 1972, o próprio Anthony Shaffer adapta a sua peça ao cinema, que contaria com direcção de um mestre, Joseph L. Mankiewicz, no que seria a sua gloriosa despedida da realização. “Sleuth: Autópsia de um Crime” contava com dois actores de invulgar talento que conferiram ao filme uma densidade psicológica absorvente. Laurence Olivier e Michael Caine são os gigantes neste jeu de massacre entre dois homens. Curiosamente, Joseph L. Mankiewicz anunciava um elenco com outros actores, quase todos fictícios. A ideia do realizador seria levar o espectador a esperar que aparecessem surpresas durante a projecção da obra. Foi indicada para vários Oscars, nomeadamente os dois actores principais, mas foi ainda considerada em muitas outras cerimónias.    
Alguns anos depois, 2007, Kenneth Branagh volta ao tema que desta feita conta com adaptação de Harold Pinter, e entre os intérpretes, Michael Caine (no papel anteriormente de Olivier) e Jude Law (vivendo este agora a figura criada por Caine, na versão de 72). É um bom trabalho de actores, mas o resultado global do filme fica aquém da magnífica obra de Mankiewicz. A realização vive muitos de rodriguinhos e efeitos plásticos, que acabam por prejudicar a coerência final.
A história é aparentemente simples: Andrew Wyke, um escritor de romances policiais com grande sucesso, recebe na sua casa apalaçada Milo Tindle, cabeleireiro e amante de sua mulher. Andrew quer ver-se livre da mulher, mas não ficar a pagar uma choruda pensão de alimentos. Assim propõe a Milo que este assalte a sua própria casa, roube um valioso colar, fique com ele e com a mulher. O escritor ficaria com o prémio do seguro e a liberdade. Pois, mas nada disto é assim tão simples. A peça vive muito de viragens surpreendentes. Como se costuma dizer é pagar para ver e vale bem a pena.
Esta peça foi agora levada a cena no Cartaxo, numa produção da Área de Serviço – Projeto de Criação Teatral, com encenação de Frederico Corado, que interpreta igualmente um dos principais papéis ao lado de André Diogo. Arrojo e valentia é o que primeiro se deve salientar. Com tão fulgurantes antepassados levar a cena esta peça é obviamente um risco. Todos vão fazer comparações e a fasquia está elevadíssima. No caso de Frederico Corado, o salto é gigante. Não só tem Laurence Olivier e Michael Caine como referência, como ainda encena e se encena a si próprio. Pode dizer-se que nem Frederico Corado nem André Diogo fazem esquecer os astros que os iluminam, mas deve dizer-se igualmente que se comportam com dignidade e galhardia, construindo duas figuras bem desenhadas na sua complexidade. A encenação é clássica, mas muito bem dirigida, o cenário eficaz e de muito bom gosto plástico, ajudando a cimentar o clima de suspense da peça, que conta ainda com um muito bom desenho de luzes.

Percebe-se assim que o arrojo vale a pena, e que se a genialidade dos antepassados tolhesse os movimentos das mais jovens gerações nunca ninguém pegaria mais nalguns clássicos. Parabéns ao grupo Área de Serviço – Projeto de Criação Teatral. Que terá amanhã, pelas 21,30 horas, no Centro Cultural do Cartaxo, a sua última representação. 


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