PAUL VERHOEVEN: DA BOLA PRETA A GÉNIO
Não deixa de ser curioso observar
o que se passa com alguma critica, nacional, mas também internacional, em
relação a certos realizadores e alguns filmes. O argumento de autoridade pesa
tanto em determinadas cabeças que elas são capazes de todos os malabarismos para
se chegarem à frente e acertar o passo com a modernidade. O que aconteceu
recentemente com o cineasta holandês Paul Verhoeven é deliciosamente sintomático.
Paul Verhoeven sempre o
considerei um cineasta muito interessante, com um ou outro desacerto. Os
primeiros tempos, na Holanda, eram muito promissores. Quando em 1973 passei uma
semana em Amestrdão vi alguns filmes produzidos nesse país e inteiramente desconhecidos
entre nós. Um deles foi “Delicias Turcas”, de Paul Verhoeven. Outro foi “Angela”,
de Nikolai Van der Heyde. Como na altura dirigia a programação do Estúdio Apolo
70 e do Caleidoscópio, referi estes dois títulos à administração da Lusomundo,
que explorava ambas as salas, solicitando que os comprasse para a programação
destes cinemas. Isto aconteceu em 1973, mas os filmes só iriam ser estreados em
1976. Por razões de programação, “Angela” estreou no Caleidoscópio, e “Delicias
Turcas”, entretanto comprado internacionalmente pela Columbia, foi parar ao
Satélite e Quarteto (13.3.1976). Eram dois filmes bem interessantes.
Mas Verhoeven (nascido a 8 de
Julho de 1938, em Amsterdão) foi sempre um realizador mal amado por grande
parte da critica nacional e internacional, sobretudo depois de se ter mudado
para os EUA. Mas o seu período inicial na Holanda teve aspectos muito curiosos.
Em 1969, dirigiu uma série televisiva muito popular, “Floris”, sobre um
cavaleiro medieval. Ai lançou o actor Rutger Hauer, que depois ia aparecer em
vários filmes seus. Trabalhou em documentários e curtas-metragens, mas o seu
primeiro grande êxito foi “Delícias Turcas” (1973), um filme de uma sexualidade
à flor da pele, um dos temas queridos do cineasta. Seguiram-se “O Soldado da
Rainha” (1977) e “O Quarto Homem” (1983), que colheram reconhecimento
internacional e o levou a Hollywood, onde dirige alguns filmes de grande
orçamento, conjugando violência e sexualidade, que tiveram sucesso público, mas
nem tanto critico. “Amor e Sangue” (1985), “Robocop - O Polícia do Futuro”
(1987), “Desafio Total” (1990), “Instinto Fatal” (1992), “Soldados do Universo”
(1997), “Showgirls” (1995) e “O Homem Transparente” (2000). Voltou depois à
Holanda onde nos deu um magnifico “Livro Negro” e, este ano, apresenta em
Cannes uma produção francesa, “Elle”. Terá sido este último filme, interpretado
por Isabelle Huppert, que terá justificado uma reavaliação da sua obra por
parte da critica francesa. Mas o facto de os “Cahiers du Cinéma” lhe terem dedicado um
enorme dossier, e uma capa, provocou uma autêntica hecatombe crítica. Quem
tinha dispersado bolas pretas por quase todos os filmes de Paul Verhoeven,
apareceu agora do baraço ao pescoço, em acto de contrição, afirmando que afinal
se havia enganado. Os argumentos dos “Cahiers”, sobretudo os que apreciavam
certos filmes anteriormente menosprezados, valorizando-os como olhares
irónicos, prevalecem agora. E o Indie Lisboa dedicou-lhe uma reprospectiva,
muito Indie. Um pouco mais de
personalidade e de independência de olhar não faria mal a ninguém. Esta forma
de perseguir o que já foi dito, não é muito saudável.