LIVROS DE CINEMA: OS CINCO MAGNIFICOS
Não é segredo para ninguém
que sou um leitor compulsivo. Leio um pouco de tudo, do romance (nacional e
estrangeiro) ao ensaio, da poesia à biografia, do policial à literatura sobre
cinema. Sou um homem de paixões, entre as quais se encontram o cinema e a
literatura (há outras, um dia falarei delas, enfim se tiver tempo, arte e
engenho). Escrever é outra das minhas actividades preferidas, sobretudo
escrever sobre o que gosto (às vezes sobre o que desgosto). Por isso não será
de estranhar estes textos largamente desenvolvidos em que abuso da atenção e da
paciência do leitor, mas, que querem?, paixões são assim: absorventes.
Tenho, por isso uma
biblioteca imensa que, por já não caber em casa resolvi oferecer ao município
de Setúbal, depois de ter tentado fazer a mesma oferta a Oeiras, sem resultados
práticos. Grande parte desta biblioteca, que já estimaram em 80.000 volumes, é
relativa a obras sobre cinema. Dos mais de 30.000 livros de cinema que conservo
(é verdade: acusam-me de conservar tudo, defeito de quem tem uma formação em
História), muitos são simplesmente de consulta, outros são raridades
históricas, outras inutilidades de que não sou capaz de prescindir, e uma
centenas de obras indispensáveis. Há livros de crítica de mestre André Bazin,
de François Truffaut (sobre Hitchcock), de Lindsay Anderson (sobre John Ford),
autobiografias de John Huston, de Luis Buñuel, de Roman Polanski, ensaios de
Karel Reiz (sobre montagem), de Eisenstein e Pudovkin (sobre a época de ouro do
cinema soviético), de Peter Bogdanovich (sobre Ford), de Marcel Martin (A
Linguagem Cinematográfica), que tive o privilégio de traduzir para português,
conjuntamente com o saudoso Vasco Granja, entre tantos e tantos outros.
Em português também há
alguma coisa a sublinhar, apesar de imperar ultimamente um intelectualismo
farfalhudo de quem se dá ares de grande importância. Esquecem-se que o mais
importante (e difícil) é abordar temas complexos de forma acessível.
Esquecem-se, ou nunca souberam, concretizar a ideia. Mas há volumes muito
interessantes. António de Macedo foi autor de uma monumental “A Evolução
Estética do Cinema” que ficou para a História. E os Dicionários do Jorge Leitão
Ramos, e a grande história do cinema português de Leonor Areal. E existem
muitas traduções magnificas a não perder.
O que voltou a acontecer
agora. Surgiu uma obra de grande envergadura e de uma importância
significativa: “Os Cinco Magníficos” (Five Came Back), de Mark Harris. Quem são
os cinco magníficos? John Ford, George Stevens, John Huston, William Wyler e
Frank Capra, na medida em que estes foram os cineastas essenciais para o
percurso histórico que o livro aborda.
A América de Roosevelt defronta
em dilema interno profundo no final da década de 30 do século passado e início
da seguinte se agudizou: entrar ou não entrar na II Guerra Mundial, ser
isolacionista ou participativo. Para mostrar que os EUA devem intervir na
Europa para defender a democracia e a liberdade, a presidência Roosevelt
solicitou a colaboração de Hollywood, chamando para as fileiras das forças
armadas, alguns realizadores e técnicos para conceberem um conjunto de filmes
para explicar essencialmente “Why We Fight” (nome da principal série dedicada a
mostrar aos americanos porque devem lutar contra a ameaça das tropas do Eixo).
A situação não era muito agradável para os que defendiam a intenção, até ao
momento do ataque de Pearl Harbor. A partir daí os americanos perceberam que
tanto Hitler como Mussolini ou o Imperador Hiroito podiam invadir a terra
americano.
John Ford, George Stevens,
John Huston, William Wyler e Frank Capra eram, na altura, os mais importantes e
bem-sucedidos realizadores de Hollywood. Todos saídos de grandes êxitos e com
carreiras promissoras e aceitaram deixar os ordenados de luxo, para integrarem
a vida militar, com viagem aos cenários de guerra, onde arriscaram as vidas, e
quase nada ganhando economicamente.
“Os Cinco Magníficos” é um
estudo e uma análise da sociedade e da política norte americana desses anos, da
sua articulação com a propagando militar oficial (segundo a hierarquia militar)
e com o cinema de Hollywood alistado numa acção patriótica. Confrontos,
dúvidas, esperanças, desilusões, coragem e lições de sobrevivência, de tudo um
pouco se pode perceber um pouco, através de uma linguagem acessível, onde a
complexidade das questões não interfere com a acessibilidade da mensagem.
A obra já foi adaptada, em 2017, para uma
série documental de 3 episódios, produzida pela Netflix, narrado por Meryl
Streep com testemunhos de Francis Ford Coppola, Guillermo del Toro, Paul
Greengrass, Lawrence Kasdan e Steven Spielberg.
Os
Cinco Magnificos, de Mark Harris / Edições 70.