OS FILMES DOS OSCARS DE 2020 (1)
O IRLANDÊS
Vão continuar a ser
realizados filmes sobre gangsters, não tenho dúvidas. Mas a verdade é que
depois de “O Irlandês”, de Martin Scorsese, parece estar tudo dito sobre este
tipo de filmes. Na verdade, esta última obra de Scorsese parece constituir-se
como que uma enciclopédia dos principais temas emergentes no chamado filme de
gangsters, praticamente desde “Scarface, o Homem da Cicatriz”, de Howard Hawks,
até ao presente.
Com o talento que é desde
sempre reconhecido a este cineasta para se ambientar em território do crime
organizado em terras norte-americanas, mas com herança indiscutível no passado italiano
(a mafia siciliana que atracou em Nova Iorque e daí se distribuiu por todo o território
ianque), “O Irlandês” parte de uma história real, contada pelo próprio Frank
Sheeran, um irlandês que se colocou ao serviço da Máfia italo-americana e que
escreveu as memórias sobre as quais o argumento do filme se baseia.
São três horas e meia de
duração, que só se podem ver, por agora (e não sabemos se no futuro) na
Netflix, em sistema de streaming, que tudo indica veio para ficar e para causar
alguns engulhos às salas de cinema tradicionais e à própria comercialização de
DVDs e Blu-rays. Neste contexto, as salas de cinema já reagiram, e instituições
como a Academia de Cinema de Hollywood, que promove a distribuição dos Oscars,
já tentaram boicotar os filmes produzidos pela Netflix, procurando ignorá-los
na sua cerimónia, mas como se viu no ano passado com “Roma”, e como se irá ver
este ano com várias produções, o streaming veio para ficar, com a Netflix, mas
igualmente com HBO, Amazon ou Walt Disney, entre várias outras alternativas que
se avizinham.
“O Irlandês” parte,
portanto, da autobiografia de Frank Sheeran (Robert De Niro) e acompanha a sua
trajectória desde camionista em Filadélfia até braço direito dos chefes
mafiosos Russell Bufalino (Joe Pesci) e Angelo Bruno (Harvey Keitel), passando
depois a colaborador directo de Jimmy Hoffa (Al Pacino), o chefe sindicalista
envolvido com a mafia, desaparecido em julho de 1975, e cujo corpo nunca encontrado.
Por este curto resumo se
pode ver que “O Irlandês” reúne várias vertentes sob que o filme de gangsters pode
ser observado. Mas há ainda outras questões que a obra coloca, quase todas elas
de índole política, como as relações entre os EUA e Cuba, durante a invasão da baía
dos porcos, o assassinato de John F. Kennedy, e a influência da mafia neste
acontecimento, as implicações de J. Edgar Hoover e do FBI na luta contra o
crime organizado, enfim um nunca mais acabar de interligações extremamente
perigosas e conflituosas, mostrando como a mafia se infiltrava em todos os
quadrantes da sociedade, corrompendo e submetendo todos os poderes ao seu
poder.
Scorsese desde muito cedo na
sua carreira profissional, e obviamente em função da sua ascendência italiana, que
se interessou pelo crime, pela mafia, pelo crime organizado na sociedade
norte-americana. Em 1973, com “Mean Streets” (Os Cavaleiros do Asfalto), inicia
essa aproximação, que ganha estatuto de obra-prima em 1990, com “Goodfellas” (Tudo
Bons Rapazes), continuando em 1995, com “Casino”, para se situar nas conturbadas
origens de Nova Iorque, em 2002, com “Gangs of New York” (Gangs de Nova Iorque)
e voltando a culminar noutra obra admirável, em 2006, com “The Departed” (Entre
Inimigos). Este regresso aos ambientes do bas-fonds norte-americano, conta com
a presença de alguns actores fetiches do cineasta, como Robert De Niro, Harvey
Keitel ou Joe Pesci, agora, e pela primeira vez, com a colaboração de Al Pacino.
Todos eles são excelentes, como é hábito, mas Pesci e Pacino ultrapassam-se. Há
ainda que ressaltar, no campo da interpretação, a utilização de novos processos
de caracterização, agora digital, o que permite “transformar” fisiologicamente os
diferente actores, ao longo de três etapas etárias. As modificações são subtis
e discretas, abrindo lugar a grandes expectativas no futuro desta nova
tecnologia.
Deve dizer-se que a
realização de Scorsese é brilhante, o argumento de Steven Zaillian é de um
rigor e de uma inteligência a saudar, a reconstituição de época notavelmente
conseguida, com uma direcção artística impecável, na ambientação, na decoração
ou no guarda-roupa, assim como são de louvar a fotografia, a montagem, alguns
elementos de identificação que surgem ao longo da obra, legendas que se vão sobrepondo
a imagem fixas de certas personagens.
Nas nomeações para os Golden
Globes de 2020, que serão entregues no próximo dia 5 de Janeiro, “O Irlandês”
fica bem colocado nas categorias de Melhor Filme
Dramático, Melhor Realizador, Melhor Argumento, Melhor Actor Secundário para
Pesci e igualmente para Pacino. Esperemos pelos Oscars.
O IRLANDÊS
Título original: The Irishman
Realização: Martin Scorsese (EUA,
2019); Argumento: Steven Zaillian, segundo obra de Charles Brandt; Produção:
Troy Allen, Richard Baratta, Gerald Chamales, Robert De Niro, Randall Emmett,
George Furla, Niels Juul, Gastón Pavlovich, Jane Rosenthal, Martin Scorsese,
Jai Stefan, Emma Tillinger Koskoff, Chad A. Verdi, David Webb, Berry Welsh,
Irwin Winkler, Tyler Zacharia; Música: Robbie Robertson; Fotografia (cor):
Rodrigo Prieto; Montagem: Thelma Schoonmaker; Casting: Ellen Lewis; Design de
produção: Bob Shaw; Direcção artística: Laura Ballinger, J. Mark Harrington;
Decoração: Regina Graves; Guarda-roupa: Christopher Peterson, Sandy Powell;
Maquilhagem: Malinda Ballesteros, Shellie Biviens, John Caglione Jr., Anthony
Canonica, Rick Caroto, Ruth G. Carsch, Kevin Carter, Roma Demartino, Jessica
Dobson, Etzel Ecleston, Sunday Englis, Gary English, Sean Flanigan, Michael
Fontaine, JT Franchuk, Lindsay Gelfand, Joshua Gericke, Lisa Hazell, Rob
Hinderstein, Scott Holbert, John Jones, Aaron Mark Kinchen, Nicki Ledermann,
Ashley Leitzel-Reichenbach, Anette Lian-Williams, Jose L. Lopez, Michael
Marino, Stephanie Glover McGee, Donyale McRae, Caroline Monge, Teresa Morgan,
Matthew W. Mungle, Nancy Nieves, Janine JP Parrella, Claudia Pascual, Greg
Pikulski, Jerry Popolis, Amy Porter, Liz Ramos-Reilly,Obi Reyes, Tania Ribalow,
Aaron Saucier, Brett Schmidt, Genyii Scott, Jonathan Sharpless, Yasmina
Smith-Tyson, Stacy St. Onge, Kim Taylor, Fiona Tyson, Enrique Veja, Carla
White, Adenike Wright, Nakoya Yancey; Direcção de Produção: Kelley Cribben,
Helena Holmes, Elayne Keratsis, John A. Machione, Michael Morgan, Nadia Paine,
Carla Raij; Assistentes de realização: David Webb, G.A. Aguilar, Rachel Jaros,
Jeremy Marks, Victor Mathews, Francisco Ortiz, Trevor Tavares, Woodrow Travers,
Oren Tuvia, Katie Valovcin, etc. Departamento de arte: Stephanie Abbaspour,
Sarah Arvanites, Kimberly Asa, Ann Bartek, William Bianchi, Julia Colicchio,
Clara Cuffe, Mark Dane, Eric Fehlberg, Justin Horowitz, Michael Jortner, James
Klotsas, Brian Kontz, Nick Miller, Sean Murray, Michael Lee Nirenberg, Brandon
Smith, Miccah Underwood, Ginny Walsh, Holly Watson, etc. Som: Jason
Friedman-Mendez, Frank Kern, Timothy Preston, Jason Stasium, Julia Stockton,
Philip Stockton, Jerry Yuen, etc. Efeitos especiais: Cory Brink, Doug
Facciponti, Dave Lieber, Brandonn S. Petri, Amber Quillen, Joseph Sacco, Taylor
Schulte; Efeitos visuais: Jeff Atherton, Brian Battles, Alexis Borchardt, Ed
Bruce, Diana Cobo, Andrew Eick, Erin Fernie, Martin Furman, Chris M. Halstead,
Pablo Helman, Lane Howard, Weldon Huang, David Isetta, John M. Levin, Laura
Murphy, Nicholas Murphy, Trent Newton, Rebecca Norton, Ben O'Brien, Jason
Pomerantz, Insa Ruderich-Burch, Ellis Trespalacios, Aidan Waugh, Rebecca West,
etc. Companhias de produção:Tribeca Productions, Sikelia Productions, Winkler
Films; Intérpretes: Robert De Niro (Frank Sheeran), Al Pacino (Jimmy
Hoffa), Joe Pesci (Russell Bufalino), Harvey Keitel (Angelo Bruno), Ray Romano
(Bill Bufalino), Bobby Cannavale (Skinny Razor), Anna Paquin (Peggy Sheeran, em
velha), Stephen Graham (Anthony 'Tony Pro' Provenzano), Stephanie Kurtzuba (Irene
Sheeran), Jack Huston (Robert Kennedy / RFK), Kathrine Narducci (Carrie
Bufalino), Jesse Plemons, Domenick Lombardozzi, Paul Herman, Gary Basaraba, Marin
Ireland, Lucy Gallina, Jonathan Morris, Dascha Polanco, Welker White, Louis
Cancelmi, Bo Dietl, Sebastian Maniscalco, Aleksa Palladino, Steven Van Zandt, Jim
Norton, Daniel Jenkins, Billy Smith, Kevin O'Rourke, Action Bronson, etc. Duração:
209 minutos; Classificação etária: M/ 16 anos; Data de estreia em Portugal: 27
de Novembro de 2019 (Netflix).
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