MÁRIO: “EU QUERO SER
BAILARINA”
"Mário", peça de
teatro que fez furor em 2019 e regressou ao palco do Cinema São Jorge neste Janeiro
de 2020, fala de um rapaz que desde novo queria ser “bailarina”. Escrita e
encenada por Fernando Heitor, baseia-se em factos reais, retirados de um texto
de São José Almeida (O Público, 17 de Julho de 2007), onde se dava conta das
aventuras, e sobretudo desventras, de Valentim de Barros, nascido em 1916, e
que muito novo começou a aprender dança, tendo fugido de casa da família na
Cova do Vapor, na outra banda, para pernoitar em Lisboa, ao lado de prostitutas
e marinheiros. Desta história “real”, Fernando Heitor voou para a de Mário, que
passa de mão em mão, de padres para coronéis, de marinheiros para senhores bem
instalados na sociedade, viaja por Paris, Argentina, Brasil, até regressar a
Portugal, em pleno Estado Novo. Vestido de mulher, com gostava de andar, é
preso, internado num hospício, tratado da sua “doença” com choques elétricos. O
resto adivinha-se na peça…
Obra para um actor só, Flávio
Gil tem uma interpretação brutal neste monólogo intenso e poético, erguendo uma
personagem difícil de esquecer. O espectáculo tem pouco mais do que uma hora de
duração, mas o esforço exigido a Flávio Gil é impressionante, pelo desdobrar de
registos, pela dureza física, pela elegância e ductilidade dos movimentos. A
peça é muito bem escrita, com uma linguagem vigorosa por vezes, mas sempre de
um intimismo dilacerante, a encenação é
discreta, sem grandes artifícios, para lá da presença do actor e de meia dúzia
de adereços que este vai vestindo, sugerindo situações diversas. O palco
apresenta-se despido de cenários, e é neste ambiente minimalista que explode o
drama e o talento de um intérprete que desde já se coloca entre os maiores
portugueses da actualidade.
Aproximando-se a época dos
prémios relativos a 2019, “Mário” estará certamente entre os Melhores Espectáculos
e Flávio Gil entre os Melhores Actores.