AUTO DE FLORIPES (1959)
Hoje, numa das salas da Cinemateca Portuguesa, foi projectado,
em cópia nova, restaurada, “Auto de Floripes”, um filme rodado em 1959,
estreado só alguns anos depois, e por fases. Esta sessão serviu ainda para dar início
às celebrações dos 75 anos do Cine Clube do Porto, entidade que então produzira
e realizara este documentário que, ainda hoje, se mostra um bom exemplo de
cinema etnográfico. É sabido que os cine clubes portugueses tiveram um
importante papel durante toda a época do Estado Novo, promovendo a cultura
cinematográfica, difundindo obras essenciais, estimulando o associativismo,
mantendo vivo um espírito critico contra a ditadura. Nesse particular, o Cine
Clube do Porto, cremos que o mais antigo ainda em funcionamento no nosso país
(fundado em 1945), manteve uma actividade intensa e invulgar a vários níveis. É
de toda a justiça salientar o trabalho e a inteligência de um dos seus sócios fundadores,
Henrique Alves Costa, por sinal o grande impulsionador deste projecto cinematográfico
que agora regressa ao convívio com o público (anuncia-se o lançamento em DVD),
e que, na altura da sua estreia, surgiu sem ficha técnica, afirmando-se como
obra colectiva e quase anónima.
“Auto de Floripes” oferece um retrato do Lugar das Neves,
“uma convergência de três freguesias pertencentes ao concelho de Viana do
Castelo: Barroselas, Mujães e Vila de Punhe”, onde, a 5 de Agosto de cada ano,
se realiza uma representação popular, integrada no programa das Festas da
Senhora das Neves, que é “um drama de cariz guerreiro que se insere no “Ciclo
Carolíngio”, por se inspirar na segunda parte do livro “História de Carlos
Magno e dos Doze Pares de França”. De um lado os turcos, do outro os cristãos,
comandados por Carlos Magno, embrenhando-se em lutas que passam pelo teatro, a
dança, o canto, a pantomima, até se chegar à conversão dos infiéis e à grande
cegarrega final, com Ferrabrás catolicizado e a bela Floripes, sua irmã, bem
encaminhada.
De um ponto de vista etnográfico é um documento inestimável,
de uma qualidade cinematográfica muito significativa. Atenção, portanto, ao lançamento
da obra em DVD. Será ainda muito interessante analisar, lado a lado, este Auto
de Floripes e o “Acto da Primavera”, de Manoel de Oliveira, dada as relações
obvias que se estabelecem entre ambos, e ainda os laços de amizade que uniam
Henrique Alves Costa, Manoel de Oliveira e José Régio.
Curiosamente, já vi também uma belíssima representação
popular de “O Auto de Floripes na ilha do Príncipe” (há muitos anos, nos
jardins da Fundação Gulbenkian, com uma embaixada teatral de São Tomé e Príncipe),
obedecendo mais ou menos às mesmas características, com lutas entre cristão e mouros,
certamente uma derivação africana das representações minhotas. Em superprodução!
Com periodicidade anual, a 15 de Agosto, este Auto tem por palco a cidade de
Santo António, na ilha do Príncipe, sendo o prato forte das festas populares de
S. Lourenço, as mais importantes da ilha. Desta representação existe um
documentário, “Floripes, o Auto de Floripes na Ilha do Príncipe” da autoria de Afonso
Alves (1998).
Em 2007, o realizador Miguel Gonçalves Mendes estreia "Floripes",
baseado na lenda de uma moura encantada que deambula à noite pela vila de Olhão,
seduzindo os homens. Nada a ver?
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