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segunda-feira, agosto 10, 2009

NO DIA DA DESPEDIDA

A última vez que falei com Raul Solnado, foi por engano.
Aconteceu há já algumas semanas. O meu telemóvel tocou, li o seu nome no mostrador, atendi e saudei de imediato: “Olá, Raul”. Ele perguntou: “Quem é?” Identifiquei-me. E ele: - “Desculpa, queria falar com a Leonor. Enganei-me no número.” Concordei, não era eu, mas agradeci o engano, “é sempre bom falar consigo, mesmo por engano”. E desligámos. O telefone, não a amizade.
Hoje estive no Cemitério dos Olivais e, infelizmente, não era engano. Era mesmo verdade, e o mar de gente que ali acorreu também era verdade. Gente do espectáculo, muitos amigos, mas sobretudo povo, “malmequeres” bem portugueses que gostavam do Raul como ele gostava deles e lhe foram oferecer uma última salva de palmas, um último adeus, uma última lágrima.
Foi bonito de ver, e o Raul terá gostado de o sentir, ele que, como todos os homens do espectáculo, e ao contrário do que foi dito nalguns jornais, tanto gostava de uma sincera e comovida homenagem. Não das oficiais que se promovem por obrigação, certamente. Mas das que saíam espontâneamente do coração do “seu público”, que era afinal Portugal (quase) inteiro. Solnado pelava-se por uma boa salva de palma bem conquistada, bem merecida. E tantas ele mereceu!
Um actor só vive plenamente num palco. Mesmo que esse seja o palco da vida ou o da morte. “Eu não tenho medo da morte”, dizia. “Eu tenho é pena de deixar a vida. Eu gosto muito da vida”.
A vida gostava muito de ti, Raul, e nunca te esquecerá. Ela tem apenas pena que tenhas partido.


domingo, agosto 09, 2009

SOLNADO PELO OLHAR DE ANDRÉ CARRILHO



A mais bonita homenagem que vi hoje na imprensa portuguesa. (no Diário de Notícias)

sábado, agosto 08, 2009

MAIS UM AMIGO

Fotografia de Teresa Sá
RAÚL SOLNADO
(Raul Augusto de Almeida Solnado,
Lisboa, 19 de Outubro de 1929, Lisboa, 8 de Agosto de 2009).
Fotografia Maria Eduarda Colares
Raul Solnado morreu. No hospital de Santa Maria, na manhã de hoje, vítima de complicações cardíacas. Depois de (quase) oitenta anos de vida cheia e bem curtida, que nos fez curtir a nós também, seus espectadores incondicionais. Trabalhei com ele num “Conto de Natal”, para a noite de 24 de Dezembro de 1988, da RTP. Foi uma semana de rodagem magnífica, pelo seu profissionalismo, a sua inteligência, a sua entrega, a sua espontaneidade no acto de representar. Ele estudava com rigor e atenção o que tinha de fazer, mas depois deixava a sua intuição e a sua inteligência levá-lo, sempre a bom porto. Não pactuava com facilidade ou grosseria, era um humorista fino, delicado, elegante, mas incisivo, corrosivo, brilhante. Era um amigo para a eternidade, no convívio de quem se era feliz. Fui-o muitas vezes, ao longo dos anos, em Festivais de Cinema por mim organizados, onde fez parte dos Júris (“Famafest”, em Famalicão, “Cine Eco”, em Seia, “O Castelo em Imagens”, em Portel), onde foi justamente homenageado (com a Pena de Camilo em Famalicão). Foi o nosso primeiro convidado nas tertúlias do “Vavadiando” (e ia aparecendo depois, sempre que o trabalho lhe dava pausa).
Conhecia-o desde há muito. Assisti a algumas sessões de pose, quando o meu pai o pintou num belo retrato que há tempos ofereci ao Museu do Teatro (espero que se aproveite agora este infausto acontecimento para o quadro ser exposto e colocado no lugar a que tem direito). Depois, a admiração da família prolongou-se e o meu filho Frederico homenageou-o igualmente na primeira edição do Festival Rir em Lisboa.
Irrequieto e imaginativo, foi tudo o que quis ser, e dono de teatros (o belíssimo Villaret, que ele inventou) até director da Casa do Artista (que ele impulsionou desde a primeira hora). Fica na nossa lembrança no Teatro de Revista, e no declamado, da comédia ao drama, passando até pela ópera. Fez tudo na televisão (e não lhe pagaram na mesma moeda, nos últimos tempos, na RTP, onde só agora ia regressar num novo programa), e está ligado a alguns dos maiores momentos da história da televisão portuguesa (do “Zip Zip” à “Cornélia”), fez rádio e cinema, e também aqui marcou momentos brilhantes (como na “Balada da Praia dos Cães”). Interveio generosamente na vida social, cultural e política portuguesa. Era um ser humano magnífico, sempre apaixonado, sempre enamorado, sempre cativante.
*
Ser actor! Comunicar.
Ser humorista! Criticar.
Ser pessoa! Amar o próximo, mesmo quando dele se discorda, mesmo quando se critica.
Raul Solnado é, possivelmente, o maior actor cómico português vivo. Sublinho o “português”. É ele quem melhor encarna, ainda hoje, nas suas composições, o que de melhor (e de pior) existe no português típico. O melhor, essa ternura do pobre diabo do desenrascanço crónico, esse amoroso cultivo da banalidade e da vitimização, esse olhar cândido do “arrebenta” que solta a imaginação, quando não pode soltar mais nada. O pior? O mesmo, sem a ternura, sem o amoroso, sem o olhar cândido.
Solnado descobriu o Malmequer lusitano. Cantou-o, imortalizou-o. Todos somos Malmequeres do seu canteiro. Ele é o Malmequer deste jardim à beira mar plantado. Quando se quiser saber o que somos, o que fomos, para onde vamos, basta colocar o disco a girar e recordar Solnado nas suas/nossas representações. Para o melhor e o pior somos aquelas figuras. Para o melhor, fica-nos a certeza de termos sido interpretados pelo génio de um grande actor, e, sobretudo, pela generosidade de um grande homem.

Ver mais sobre Raul Solnado no blogue “Vavadiando” AQUI