sábado, junho 03, 2006

GOIÁS E O CINEMA DE AMBIENTE


Há dois anos escrevi este texto (“Jornal do Fundão”), de volta do Brasil, de Goiás. Este ano, no regresso a Goiás e ao fascínio dos trópicos cruzados de português, de africano e de índio, para lá de tantas outras raças que se lhe juntaram, antevejo o prazer de rever amigos e de sentir o pulsar de uma terra realmente mágica, onde a violência existe, a corrupção existe, a injusta social existe, onde tanta coisa ruim mesmo existe, mas onde a alegria do povo e a beleza da paisagem calam mais fundo. Aí vou Brasil.

“De novo na cidade de Goiás, no planalto central do Brasil, de novo membro do Júri Internacional, de novo um bom conjunto de obras a concurso, muitas das quais estão desde já asseguradas para passarem no Cine Eco, neste ano da sua décima edição, a decorrer em Outubro, em Seia.
Interessante é assistir a um festival de cinema e audiovisual sobre temática ambiental, procurando detectar aí as linhas de força que sobressaem do conjunto das obras projectadas, e que têm origem um pouco em todos os continentes. As preocupações são também elas cada vez mais ser globalizantes, respondendo ao desafio de uma sociedade globalizada que tende cada vez mais para uma homogeneidade consumista alarmante. Essa será a primeira conclusão a tirar: ambientalistas e artistas, intelectuais e homens de bem de todo o mundo, sentem cada vez mais na pele os perigos de uma sociedade do desperdício, quando ao lado as carências humanas e sociais se agravam dia a dia. O audiovisual ambientalista está cada vez mais centrado em aspectos fulcrais e decisivos, detendo-se no essencial das questões ambientalistas, que se prendem com a ordem económica e política do mundo, que analisam e criticam de forma profunda e desapiedada.
O mundo está a atravessar uma crise violentíssima que põe em causa o seu futuro a curto prazo, e o poder económico e político de muitos Estados parecem alhear-se por completa desse facto a troco de um bem estar mais aparente que real e de uma hegemonia perigosa. A denúncia destes factos é cada vez mais corajosa, ainda que muitos desses documentos vejam a sua divulgação dificultada ou mesmo coarctada em salas de cinema e canais de televisão generalistas, controlados pelo mesmo poder económico e político que põe em causa o bem estar de todos em nome do lucro de alguns. O momento é de alerta geral, e é esse alerta angustiado, revoltado, já violento na sua expressão que vemos na maioria das obras projectadas no VI FICA.
Um dos mentores deste festival é Washington Novaes, um dos mais reputados ambientalistas mundiais, que vive em Goiania, mantém respeitadas colunas no “Estado de S. Paulo” e n’ “O Popular”, sendo um forte impulsionador de todas as actividades em prole da harmonia ambiental mundial. Este ano fez 70 anos no decorrer do certame, e foi por isso homenageado com uma festa íntima para amigos de toda uma vida, colhidos um pouco por todo o lado. No recato de uma noite meigamente amena, no pátio da “Pousada do Bacalhau”, ouvindo-se a goiana Cláudia Viera cantar, Washington Novaes, um belo rosto de velho marinheiro, emoldurado por fartos cabelos e barba branca, de olhos cintilantes de viperina inteligência, escutou palavras de apoio e admiração e amor, e um poema de Reynaldo Jardim, enviado em primeira mão, antes de aparecer no “Pasquim”, que começava assim: “Washington entrou na mata, o rio disse: obrigado. Mergulhou nas águas limpas, o peixe disse: obrigado. Rasgou a rede-armadilha, o índio disse: obrigado. Fez da palavra sua flecha, a vida disse: obrigado.”
Passemos aos filmes: duas séries de televisão, uma brasileira, outra franco-holandesa. “Memórias do Meio Ambiente”, produção da TV Cultura, com realização de Anna Terra e Ricardo Carvalho, ocupa-se, ao longo de 10 programas, da trajectória pessoal e profissional de personalidades que dedicaram sua vida à defesa do meio ambiente. Viu-se “Ailton Hrenak, um líder indígena em defesa da vida”, “José Lutzemberger: um pioneiro em Gaia” e “Virgílio do ABC, um fugitivo ambiental”. Uma série que poderia e deveria ser uma referência para Portugal. A outra série, “Pas d’Eau Potable”, de Marina Galimberg, fala-nos dos problemas da água, colhendo exemplo em duas zonas degradadas neste campo: o Sri Lanka e a Roménia.
“Life Runing Out of Control”, dos alemães Bertrand Verhaag e Gabriel Krober, evoca outra das grandes ameaças dos nossos dias: os alimentos transgénicos, manipulação de plantas, animais e seres humanos e sua progressiva patenteação. Em nome o lucro das grandes multinacionais, criam-se patentes que impedem o cultivo de sementes, reduzem o vasto manancial das variedades, atiram para a ruína os pequenos e médios agricultores, e ameaçam a saúde pública. Alguns cientistas anteriormente ligados a projectos nesta área, desafiam e combatem a indústria.
Arne Sucksdorff, cineasta sueco, viveu durante muitos anos no Brasil, foi professor de cinema e ambientalista na zona do Pantanal. A brasileira Bárbara Fontes dedica-lhe um documentário em jeito de homenagem merecida, divulgando vida e obra. Muito semelhante é o trabalho “Franz Kracjaberg, Portrait d’une Vie”, desta feita dirigido pelo francês Maurice Dubroca, testemunhando a vida e obra do artista plástico Kracjaberg, um homem que consegue revitalizar a natureza queimada e morta em esculturas e instalações que valem não só como documentos de arte moderna, iniciando de certa forma os caminhos da “land art”, como também como gritos de revolta contra a agressão à Natureza perpetrada pela ganância.
Outro título particularmente bem recebido foi “La Loi de la Jungle”, de Philippe Lafaix (já premiado no ano passado no Cine Eco) e que nos fala da exploração dos trabalhadores (quase escravos) brasileiros como garimpeiros na extracção de ouro na Guiana Francesa. Exploração de mão de obra e contaminação pelo efeito do mercúrio. De Cuba, uma obra de Judith Grey, “Sin Embargo”, que mostra o engenho e a arte dos cubanos para combater o embargo norte americano, reciclando materiais e lixo. Nada se perde, tudo se transforma, em caso de necessidade extrema. “100% Cotton”, da alemã Inge Altermeier, aborda a contaminação do algodão por pesticidas tóxicos que põem em risco os agricultores, operários e público em geral. Inquietante. “Roque Pereira: Mobiliário Eco-Sustentável”, de Lice Antunes, traça o retrato de um humilde construtor de móveis que aproveita restos de madeira para os rentabilizar plenamente nos seus trabalhos. “O Cordel dos Atingidos”, do brasileiro Ricardo Sá, descreve a situação de cinco mil pessoas que são obrigadas a deixar as suas terras no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, pela construção de uma nova barragem.
“War and Peace”, do indiano Anand Patwardhan, filmado na Índia, Paquistão, Japão e EUA, aborda o tema da crescente militarização internacional e da proliferação nuclear, ameaças para a Paz e para o Ambiente de todos nós. “Chernobyl Heart”, da norte americana Maryam De Lea, Óscar de melhor curta metragem em 2004, viaja até à região de Chernobyl, para verificar in loco, os efeitos da tragédia de 1998, nos nossos dias. O resultado é brutal, as imagens aterradoras, sobretudo as colhidas durante visitas a hospitais onde se encontram crianças vítimas do desastre. Cidades e vilas em estado de calamidade total, numa incúria total. O facto de aparecer um equipa de médicos norte americanos a salvarem vidas levou o filme a ser entendido também como propagandista, sobretudo tendo em conta que, ao lado da ex-URSS, são os EUA os principais construtores de fábricas nucleares e por isso mesmo um dos maiores responsáveis pela sua ameaça.
Finalmente “Surplus”, do sueco Erik Gandini, ataca sem piedade o consumismo: um quinto da população mundial consome quatro quintos dos recursos do planeta e produz 86% de todo o desperdício. Com uma montagem nervosa e uma manipulação grotesca de discursos de chefes de Estado, intercalando protestos violentos com a violência dos poderosos este documentário, por vezes perigoso na forma como assume o combate, ganhou o primeiro prémio do certame que durante uma semana animou as ruas de Goiás, em duas salas de cinema, com lotação para mais de mil espectadores, muitas vezes esgotadas. “
(Junho de 2004)

5 comentários:

George Cassiel disse...

Ora aqui está um Blog a visitar!

Admin disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Didas disse...

A propósito duma coisa que vi lá mais para baixo:
É da minha vista ou o Tim Burton tem alturas que não se aguenta? Tipo... Charlie e a Fábrica de Chocolate e mais uma ou duas pérolas que eu achei execráveis apesar de super mega bem promovidas.

Anónimo disse...

Olá, sou o editor do filme “Roque Pereira: Mobiliário Eco-Sustentável”, que foi premiado em vários festivais e posso assegurar que o mesmo foi dirigido pelo documentarista Kim-Ir-Sen. Sei que a notícia é velha, mas gostaria de ver o engano corrigido. Eis aqui alguns links que comprovam a autoria:
http://oglobo.globo.com/blogs/gravata/post.asp?cod_Post=2386
http://www.cineamazonia.com/resultado2004.html
http://www.rebea.org.br/vnoticias.php?cod=795

Obrigado e parabéns pelo blog.

Anónimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu