Assim vai a vida. Ou a morte. Meia dúzia de linhas nos jornais do dia, "arrumam" a vida de José Vieira Marques, falecido anteontem, em Setúbal. Quem não o conheceu e não acompanhou algumas das suas actividades, pouco sabia deste homem, padre, que abandonou a prática, e consagrou a sua vida ao cinema, à sua divulgação e ensino, e criou um dos mais importantes festivais de cinema de Portugal, o Festival da Figueira da Foz, que durante década e meia, foi local de anual peregrinação e culto cinéfilo. Quem gosta de cinema e tem mais de 40 anos, não esqueceu certamente este festival, e quem é mais novo, e não for totalmente tolo, tem obrigação de fazer pela vida e saber de História.
Durante os primeiros quinze anos deste certame fui um seu espectador assíduo, de todas as horas e de todos os filmes, com opinião que ia registando em crónicas, depois reunidas em livro. Foi um festival importante, e teve um papel decisivo na revelação de muitas cinematografias e diversos realizadores que não estavam ligados às “majors” de Hollywood. Era a época de ouro do cinema independente, dos “novos cinemas” que apareciam um pouco por todo o lado, dos jovens realizadores com ideias na cabeça e uma câmara na mão. Foi um período de festa e euforia cinematográfica indescritível. Só quem por lá passou nesses anos faustosos (não de orçamento, mas de entusiasmo cinéfilo!) pode ter uma ideia. A estreia da “Manhâ Submersa”, em sessões continuas esgotadas, a transbordar pelas coxias, e o colóquio que se lhe seguiu, triunfal, a estreia das quatro “Histórias de Mulheres”, também em sessões continuas, e colóquio que se lhe seguiu, quase destruidor, são momentos que não esqueço e que devo a Vieira Marques, eu que nunca fui da sua “família” cinematográfica, mas que era seu fã no que ele tinha de generosa dedicação a uma causa que era também a minha. E que se pode servir por diversos caminhos. Aliás o “Padre Vieira Marques” (que mesmo quando já o não era, ainda era assim conhecido) não era pessoa para unanimidades. Tinha o seu “feitio”. Isso não impediu de me bater por ele para substituir um professor, entretanto desaparecido, no CTCAV (no IPP) nas cadeiras de “História de Cinema” e “Análise de Filmes”, magistério onde deixou saudades entre alunos e colegas, reconhecidos ao seu saber e, sobretudo, à paixão que era capaz de transmitir. Escreveu vários livros e deixa obra e saudade. Não merecia a notícia que o "Público" lhe dedica, com uma citação que não lembra ao Diabo! ("o cinema é um divertimento e uma arte, mas é também uma indústria a partir de um certo ponto", que raio é isto? Brincam com JVM?), e meia dúzia de linhas escritas por descargo de consciência. Quando não se sabe, que tal perguntar a quem sabe? Melhor, no teor, não na extensão, é a nota do “JN”.
Elas aqui ficam, para que não se esqueçam. De resto, por cá todos bem. Os “labregos” do costume com ares de “snobs” impertigados. Mais do mesmo. Sempre. Infelizmente.
A MORTE
José Vieira Marques, o criador do Festival da Figueira
Morreu anteontem, em Setúbal, o ex-director do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz, José Vieira Marques, com 72 anos. Segundo disse à Lusa uma fonte próxima, o também professor de Cinema estava em recuperação de uma doença do foro oncológico, mas veio a falecer devido a complicações cardíacas e respiratórias. José Vieira Marques nascera em Vila Franca de Xira, em 1934, e dirigiu todas as 31 edições do Festival da Figueira da Foz, que terminou atribuladamente em 2002, sendo nessa altura um dos mais antigos do país. Antigo padre, Vieira Marques disse um dia que "o cinema é um divertimento e uma arte, mas é também uma indústria a partir de um certo ponto". Professor jubilado do Instituto Politécnico do Porto, onde deu aulas de História Crítica do Cinema e do Vídeo e Análise de Filmes, estava a preparar um livro sobre a história do cinema. O funeral realizou-se ontem em Setúbal. Público, 6 de Junho de 2006.
José Vieira Marques faleceu aos 72 anos
Manuel Vitorino
Partiu como chegou ao mundo do cinema silencioso, afável, disponível para dar a conhecer cinema de todos os continentes e linguagens estéticas. José Vieira Marques, antigo director do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz, morreu aos 72 anos, em Setúbal. Ontem, foi a enterrar no cemitério de Algeruz, na cidade onde vivia com a irmã.
"Um homem de inspiração humanística, com uma visão plural da vida e da sociedade. Foi padre, mas o cinema foi sempre encarado como uma forma de promoção cultural e de conhecimento das pessoas", destacou António Roma Torres, médico psiquiatra e crítico de cinema durante vários anos no JN.
Gente ligada à arte das imagens e cineclubistas elogiam o papel de José Vieira Marques na dinamização da cultura cinematográfica "O Festival da Figueira foi um marco importante neste país de brandos costumes e o seu director foi um agitador de consciências. Promoveu como poucos o cinema português", lembrou Luís Vilaça, ex-dirigente do Cineclube do Porto. "Ficaram célebres os debates no final das projecções dos filmes. Havia um ambiente de crítica e troca de ideias que se perdeu", sublinhou Alves Sousa, autor de vários filmes de cinema amador.
Para quem perdeu a memória, a Figueira da Foz transformava-se nesses "anos loucos" numa espécie de "meca" da 7.ª Arte atraindo centenas de cinéfilos, críticos e cineastas convidados a mostrar os trabalhos. Graças a Vieira Marques o público português redescobriu cinematografias fundamentaias, apreciou obras de Angelopoulos, Oliveira, Pasolini, Duras, Robert Krammer, Chantal Ackerman, entre centenas de autores nacionais e estrangeiros.
José Vieira Marques faleceu na sequência de complicações cardíacas. Nasceu em Vila Franca de Xira e, apesar da doença a rondar-lhe o corpo, preparava um livro sobre a história do cinema, a paixão da sua vida.
JN, de 6 de Junho de 2006
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