sexta-feira, julho 14, 2006

A LULA E A BALEIA


Magnífica surpresa esta que reúne uma Lula e uma Baleia numa metáfora delicada e subtil, que mistura drama e humor, com a autenticidade que só os momentos vividos podem transmitir. A história é escassa e resume-se rapidamente, sem perca do efeito surpresa para os espectadores. Um casal norte-americano que habita Brooklyn, durante a década de 80, separa-se. Ele, Bernard Berkman, escritor e professor, já conheceu melhores épocas; Joan Berkman, a mulher, inicia agora uma carreira literária de sucesso. Algumas pessoas lhe falam com apreço do artigo publicado nessa semana e um romance seu está para sair.
Depois há os filhos, Walt e Frank, cada um a pender para seu lado. Walt, o mais velho, revê-se no pai, e não desculpa a mãe; Frank, muito novo e mais ligado à mãe, afasta-se do pai e desenvolve alguns traumas próprios da idade e da puberdade, mas agravados pela crise conjugal que o transcende. Acrescento a ter em conta: o argumento e a realização de Noah Baumbach baseiam-se numa sua experiência pessoal, e também do seu irmão, e talvez por isso possui um tal grau de veracidade e de genuína sinceridade. (Os pais de Noah Baumbach são o romancista Jonathan Baumbach e a crítica de cinema Georgia Brown).

Os dois irmãos são os verdadeiros protagonistas desta aventura sentimental, que não é mais do que isso mesmo, um transcorrer do tempo que medeia entre uma separação e o assumir do irremediável por dois miúdos que amam os pais e não conseguem entender que cada um agora durma com pessoas diferentes: o pai com uma aluna atrevida, que não desdenharia também iniciar o filho mais velho; a mãe com sucessivos amantes que incluem um professor de ténis e o pai de um dos colegas do filho.
O filme fala também de espelhos que reflectem o que queremos ver e não a verdade dos factos ou das pessoas. Fala da perigosa utopia que é colocar os pais num pedestal, quando eles não são mais do que pobres e vulgares mortais, com todos os vícios e as virtudes dos iguais, mesmo que escrevam romances de sucesso ou artigos no “New York Vilage”. É bom ter conversas sobre Dickens e Kakfa à mesa de jantar, com os pais, mas melhor ainda é conservar as suas próprias opiniões (sobretudo fazer por tê-las, lendo as obras em questão). Se calhar o escritor famoso pode ter opiniões muito seguras sobre o que são os grandes romances de Dickens e “O Conto das Duas Cidades” é mesmo “um Dickens menor”. Mas será bom que Walk o comprove por si mesmo e não roube canções dos Pink Floyd para ganhar prémios no colégio, depois de aplicar com a namorada (para a impressionar) as teorias literárias ouvidas ao pai. Enquanto o mais velho descobre o sexo ao vivo e a cores, com a namorada própria e a do pai (nem aqui foge à obsessão de continuar a senda paterna), o mais novo impressiona-se com a masturbação e vai “marcando território” com esperma pelas paredes da escola (biblioteca sobretudo: estamos numa família de escritores!).

É conveniente ainda dizer-se que a separação foi cordata, o seu desfecho discutido em conselho familiar, os filhos ficaram em “custódia conjunta”, matematicamente divididos entre pai e mãe (até ao mais ínfimo pormenor, o gato incluído), o ex-casal continuou a ver-se e a falar cordatamente. Obviamente que o pai era muito senhor das suas opiniões e não gostava de perder, nem no ténis, no pingue-pongue ou na ascensão literária familiar, mas a mãe também tinha as suas pequenas mossas na pintura exterior e ninguém se podia gabar de ser perfeito. O pai não hesita em chamar “filisteu” ao musculoso treinador de ténis, e explica ao filho o que isso quer dizer: “filisteu é certamente um indivíduos banal, mas é sobretudo alguém que não gosta de bons livros, nem de bom cinema, alguém que não lê Saul Below, nem vê François Truffaut.” “Como pode a tua mãe andar com um tipo assim?”, pergunta realmente intrigado. Humanos, afinal. Para grande desgosto dos filhos que pretendiam santos no altar e descobriram estatuetas de barro fora do lar. Mas a vida é assim, e com um humor discreto e uma dor silenciada pela maturidade, “A Lula e a Baleia” (título que remete para um famoso mural que representa a luta entre uma lula gigante e uma baleia, e que se encontra exposto no “American Museum of Natural History”, de Nova Iorque, como se percebe na sequência final deste filme).
Excelentemente interpretado (mesmo a um nível de show de representação, mas tão discreto e contido que até dói), “A Lula e a Baleia” foi rodado em 23 dias, com um orçamento de um milhão e meio de dólares (tomem nota e vejam que é só preciso boas ideias e talento para se fazerem bons filmes!). Foi nomeado para os Oscars (melhor argumento original), para os “Globos de Ouro” (Melhor Actor, em Comédia/Musical (Jeff Daniels), Melhor Actriz, em Comédia/Musical (Laura Linney) e Melhor Filme, em Comédia/Musical), e ganhou o Sundance Film Festival, para melhor realização e argumento). Espero que ganhe o coração e a sensibilidade dos espectadores portugueses, porque bem o merece e filmes destes fazem falta.


A LULA E A BALEIA (The Squid and the Whale), de Noah Baumbach (EUA, 2005); com Jeff Daniels, Laura Linney, Jesse Eisenberg, Owen Kline, Halley Feiffer, Anna Paquin, William Baldwin, etc. 88 min; M/ 16 anos.


2 comentários:

Hugo disse...

Um grande filme. Poesia agridoce. É como dizia o Fuller acerca do Cinema: Emoção!

abraço!

teresa sá disse...

porque será que agora nao chegam ao porto tantos filmes?

acho que me vou mudar!