Não percebo a histeria. Ando com certeza ao contrário de muita gente. Em 2003, fui dos poucos que gostou abertamente de “Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl”, que era efectivamente uma belíssima e divertida aventura de piratas, como há muito se não via pelas telas de todo o mundo, desde os tempos do “Pirata Vermelho” ou de “O Gavião dos Mares”. Johnny Depp era brilhante, a aventura era trepidante, o humor doseado, atravessado por uma irreverência branda, mas tudo aquilo sabia bem, era o verdadeiro filme de puro e sadio entretenimento, o “filme de verão”, “para a família”, ainda por cima inteligente e algo inquietante pelo seu sabor surrealista.
Agora, esta sequela, “Pirates of the Caribbean: Dead Man's Chest”, que não me divertiu nada, que achei particularmente desagradável quanto ao imaginário que chama a si, que satura pelos trejeitos e maneirismos de Johnny Depp (como ele era extraordinário na primeira parte desta aventura!), que cansa nas suas duas horas e meia de interminável perseguição ao “Cofre do Homem Morto”, enfim, esta é que está a provocar o êxtase de alguma crítica que, ao que parece, anda sempre atrasada e não sabe ter opinião própria.
Eu não digo que o filme seja mau. Não é. Tem momentos de prodígios de técnica, a utilização da imagem virtual é brilhante, a criação de algumas personagens fantásticas é absolutamente surpreendente: o comandante Davy Jones, interpretado pelo actor Bill Nighy, mas “maquilhado” pela técnica de “motion capture”, é simultaneamente um repelente e fascinante meio-homem, meio-polvo, ao lado de peixes martelos e outros animais marítimos que tripulam o novo “navio fantasma” do ciclo, o “Holandês Voador”, que traz redobrados pesadelos ao espectador. Os actores são particularmente bons: Johnny Depp continua a ser o intérprete invulgar que conhecemos e amamos, mas aqui é excessivo, quando tinha encontrado o equilíbrio exacto no anterior Jack Sparrow; a bela Keira Knightley (Elizabeth Swann) tem mais trabalho e de uma maior consistência nesta sequela, Orlando Bloom (Will Turner) continua o sensaborão do costume, mas enfim, não estamos num filme de piratas?, Jonathan Pryce volta a ser um convincente Governador Weatherby Swann, e Geoffrey Rush aí está de novo, com uma caracterização magnífica.
A fotografia é brilhante, a direcção artística brilhante é, brilhante o guarda-roupa, brilhantes os efeitos, a música, enfim, de tudo tão brilhante soube-me a muito pouco o filme, não sei se percebem?, a essência da coisa, o que nos deve tocar no coração e na imaginação. Nunca me consegui descolar (enfim, quase nunca) da análise da qualidade técnica do que via, o que é mau sinal. Quando se descobrem os cordelinhos por detrás dos brinquedos, não há magia que resista. Depois, o que era uma diversão sadia e delirante, passou a soturno e pesado pesadelo que relembra os peganhentos aliens da dita cuja série. Ora eu não ia à espera de terror no fundo do mar, e as “20.000 Léguas Submarinas” nunca foram assim. Os polvos eram outros. O “Flying Dutchman” é um navio mítico, mas vive de poesia e distância, não deste conglomerado de crustáceos em adiantado estado de decomposição. É realmente ao nível da originalidade e da inspiração que esta sequela se distancia da primeira etapa da aventura da “Disneylandia”, confirmando o que já várias vezes foi negado, que não há amor como o primeiro e nunca uma sequela foi melhor que um original. Já foi sim, senhor, mas não desta vez.
A história é, pois, uma perseguição que faz lembrar “O Mundo Maluco” (quem viu? quem se lembra?) em que toda a gente persegue um tesouro perdido, enterrado no deserto, o que propiciava as mais loucas e convulsivamente divertidas peripécias. Aqui o tesouro é um cofre de que se conhece apenas o desenho da chave. E todos procuram chegar primeiro para abrir o cofre que tem lá dentro o coração de um pirata que só dará tréguas se for encontrado.
Jack Sparrow tem o desenho da chave e a malícia do “pior pirata que já existiu” (“mas falaram-lhe de mim, não foi?”, belíssima piada, mas do outro filme), e depois há outros piratas avulsos, para todos os gostos, até um intelectual (este sim, tem graça!, boa malha dos argumentistas), cavalheiros impolutos e intrépidas donzelas, todos engalfinhados numa luta sem quartel, com navios de bandeira negra, ilhas de perdição, magias de caribenhas apaixonadas, nativos exóticos, muito decorativos e antropófagos desnutridos, e tudo se passa como num “cartoon” ou banda desenhada. Pela descrição parece que vale a pena? Não sei. O primeiro divertiu-me a valer e viu-o várias vezes, de seguida, sempre com muito gozo. Este, acho que já vi. Não me inspira uma revisão “crítica”. Mas o pirata intelectual, que tem explicação “muito cultural” para tudo, e o interminável duelo triplo numa roda de moinho que circula livremente pela natureza, em direcção ao precipício, são bons momentos. Pena que o filme não seja todo assim, e não tenha menos 20 minutos.
PIRATAS DAS CARAIBAS: O COFRE DO HOMEM MORTO (Pirates of the Caribbean: Dead Man's Chest), de Gore Verbinski (EUA, 2006); com Johnny Depp, Orlando Bloom, Keira Knightley, Jack Davenport, Bill Nighy, Jonathan Pryce, etc. 150 min; M/12 anos.
4 comentários:
Correcção: a tradução correcta é "Cofre do Homem Morto" e não do "Homem Morte".
obg. vou corrigir. lapso. LA
como viu no texto estava bem, no título e na ficha técnica estava incorrecto. Já esta corrigido. Obg.LA
de nada. AM
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