domingo, agosto 20, 2006

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (14)

“A a Z”

Nestas minhas deambulações por blogs alheios não tenho referido os de nomes muito conhecidos, dado que muitos deles são suficientemente saudados para necessitarem de outras menções. Mas não posso passar por cima de alguns, daqueles que me enchem de prazer quando planeio na blogosfera. Alguns são de amigos queridos, outros de velhos colegas de faculdade, outros de personalidades que admiro, ás vezes à distância, outras vezes na confraternização regular de ocasionais encontros. Um desses blogs imprescindíveis, que já citei aqui algumas vezes, é o “A a Z”, o Nuno Júdice, que devia ser considerado “monumento nacional” e “serviço público” com direito a entrada directa no registo dos raros benfeitores da Humanidade. Um homem que escreve como o Nuno Júdice e que põe á disposição do público, gratuitamente, essas dádivas, merece mais do que palavras de louvores: uma reforma condigna, pelo menos.
O Nuno Júdice, companheiro de universidade, de lutas e de (algumas) paixões (a poesia, por exemplo), é sem dúvida um dos maiores poetas do amor que Portugal conheceu, e não ficará atrás de Camões, David Mourão Ferreira ou Herberto Hélder, para citar apenas uns. Mas não haverá muitos mais.
Visitar o seu blog é obrigação nossa de todos os dias. Aqui ficam claros exemplos de uma inspiração sem mácula (já agora, onde é que vais desencantar tantas e tão esplendorosas ilustrações? A poesia é dom, já sabemos, mas a escolha das ilustrações é primorosa).

Segunda-feira, Maio 29, 2006
Trânsito


Ao voltar a casa, com o rádio do carro
aberto, lembrei-me de ti, com o cabelo apanhado,
o alfinete de dama a prender-te o vestido,
que podia ser uma farda, e o teu rosto
dividido: de um lado, a luz da vida,
do outro, a obscuridade que o flash do
fotógrafo não conseguiu resolver. Posso
dizer-te que amo os teus olhos, e que
muitas vezes os atravessei para descobrir
o outro lado da alma, onde se esconde
o que os teus lábios não revelam. Um
dia, porém, perguntar-te-ei: quem és?
E talvez saias da sombra, abrindo-me
um sorriso que me empurrará para
a outra margem que não conheço. Servir-me-ás
de guia? Ou voltarás para o teu canto,
desapertando o alfinete de dama que
sempre te incomodou. O rádio do carro
continua aberto, com as notícias do dia;
mas o que quero saber é o que tens
para me contar, e o tempo apagou.

posted by Nuno Júdice @ 21:35


Quinta-feira, Maio 18, 2006
Laranja

Félix Valloton

Ocasionalmente, uma laranja descasca-se
por si só. Arranco-a da árvore, e parte da casca
fica presa ao ramo. Vejo o sumo a escorrer
pelos rasgões; e tiro lentamente cada pedaço
até ficar, por fim, com os gomos na mão. Não me
custou nada; e ia levá-los à boca se o homem
do pomar não me tivesse prevenido: «Cuidado
com a calda contra os insectos.» Poderia dizer-lhe: «Mas
não vou comer a pele, só me interessa o sumo»; e
ele não me ouviria. A sua função é evitar
que a laranja seja comida antes de tempo. Então,
resta-me esperar que ele se volte, e vou para trás
da árvore, onde mato a sede.

posted by Nuno Júdice @ 23:40


Quinta-feira, Julho 13, 2006
FIM


AMOR

Desfolho a rosa furtiva, com
os veios corroídos pela seiva
de um relâmpago frio.

Amo a lentidão imprevista
do instante que os teus seios
elaboram.

E ouso o rio de púrpura
exangue que irrompe no leito
do teu sexo.


Maio a Julho de 2006

posted by Nuno Júdice @ 20:41



Sexta-feira, Agosto 18, 2006
Elegia


Se a manhã nascesse da tua ausência,
a névoa se dissipasse entre os teus dedos,
o frio orvalho secasse nos teus olhos,
a noite passasse sobre os teus ombros;

se a tua voz fosse mais do que memória,
as tuas palavras rompessem este silêncio,
um vento te sacudisse os cabelos,
os teus braços fossem um fim de viagem;

se um pássaro cantasse no teu rosto,
o céu se abrisse nos teus lábios,
as tuas mãos colhessem o sonho

em que o teu corpo se vestiu de música:
um sulco de sol afastaria a sombra,
um eco de vida encheria o vazio.

posted by Nuno Júdice @ 22:28

(Nuno: este não sabes, mas foi uma bela prenda de anos!)

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu sempre disse que o Nuno é muito, muito bom. Tão bom que não tem problemas em soltar os seus poemas aí pela blogosfera. É muita generosidade dele.
Obrigada pelos beijos doces. Retribuo.
MEC