terça-feira, agosto 15, 2006

UM BLOG (POR DIA) A VISITAR (10)

"PLAY IT AGAIN"
H. (Helena F.) julgo ter 20 anos, ser do signo astrológico dos Peixes e do ano do zodíaco do Tigre. Tem um blog de cinema (“Play It Again”) e colabora num blog musical (“Take a Break”). Como filmes favoritos anuncia os seguintes: The Dreamers, Rebel Without a Cause, Lost in Translation, The Misfits, Manhattan, The Eternal Sunshine of the Spotless Mind, Lord of the Rings, Trilogy Before Sunrise / Sunset, Edward Scissorhands, Citizen Kane, The New World, Jules et Jim, Wonder Boys, The Lady Vanishes, Rushmore, Magnólia, The Million Dollar Hotel, Bus Stopk The Red Shoes, Donnie Darko... Não é uma má escolha.
Acontece que esta Helena, com vinte aninhos, tem um blog bem escrito (com ou outro lapso, mas enfim!), bem doseado, com um design moderno e vivo, falando de filmes que, à partida, são boas escolhas e cuja análise denuncia sensibilidade, inteligência, cultura, gosto. Sabe bem descobrir uma Helena com 20 anos e esta paixão pelo cinema! Por isso elejo hoje o seu blog o meu candidato a uma visita guiada.
Seguidamente transcrevo excertos de quatro comentários seus que vão de Garrell a “Maimi Vice”. Esta Helena pode ir longe.

Domingo, Agosto 13, 2006
Les Amants Réguliers - Os Amantes Regulares

A revolução, ou que se queria que fosse, as barricadas, o fogo, a polícia, as fugas. É nessa explosão de juventude que a primeira parte do filme se passa, mas há também a relevância da casa em contraposição às ruas. A casa de Antoine, o rico do grupo, o “burguês”, que faz das suas divisões o ponto de encontro para um grupo de jovens que partilham o ópio, a música, a arte e os corpos. É nessa casa que Antoine conhece Lilie (Clotilde Hesme) – e essa breve conversa inicial é das cenas mais bonitas do filme.
Entre ambos nasce um amor perfeito, de partilha artística (ele é poeta, ela é escultora) e corporal (é elucidativa a confissão de Lilie a uma amiga, dizendo que com Antoine era amor e sexo de forma incansável, mesmo que sentisse desejos momentâneos com outros – a que ele aliás nunca se opõe).
Retrato nostálgico de um tempo, mas com a amargura da consciência do seu término, Os Amantes Regulares é um filme que se demora, que não se apressa, que se concentra, que quer mostrar tudo, todos os pequenos nadas que eram tudo, e um tempo que existiu, numa confusão sonolenta de utopia estranha, mas que passou, porque a vida teve de continuar, porque haverá sempre escolhas enquanto houver sonhos.(…)
Quinta-feira, Agosto 10, 2006
Superman Returns - Super-Homem: O Regresso


‘You wrote that the world doesn't need a saviour, but every day I hear people crying for one’

Deliberadamente nostálgico dos primeiros filmes, Singer esquece-se de imprimir à sua película uma vitalidade renovada, trazendo para o ecrã uma série de lugares-comuns do cinema do género sem sequer explorar devidamente algumas cenas até ao fim. Um exemplo é o flashback curto da infância do herói, quando este começa a dominar os seus poderes, cuja pertinência é altamente duvidosa, ainda para mais quando é um caso isolado. É certo que o objectivo do filme não era explicar as origens do Super-Homem mas sim centrar a acção no seu retorno à Terra, mais precisamente a Manhattan, perdão, Metropólis, cinco anos após ter desaparecido sem um simples adeus.
Ora, quando ele (Brandon Routh) volta – como Super-Homem e como o seu “outro eu” desajeitado e atencioso Clark Kent – encontra o mundo num caos e o seu amor, a colega repórter Lois Lane (Kate Bosworth), como mãe e quase esposa de outro (James Marsden, um dos X-Men), ainda para mais o sobrinho do patrão (Frank Langella). Como se esta maré negra não bastasse, Lex Luthor (Kevin Spacey), o eterno inimigo do herói voador, vê a sua dupla sentença de prisão perpétua atenuada e volta com um projecto demolidor envolvendo kriptonite para destruir o salvador da capa vermelha.
(…) É verdade que os efeitos especiais são bons, é verdade que há duas ou três cenas fantásticas (incluindo o final), é verdade que a voz de Marlon Brando (ressuscitada das gravações do filme de 1978 em que fazia de Jor-El, pai do Super-Homem) e a breve presença de Eva Marie Saint como a mãe adoptiva de Clark valem ouro, é verdade que na conjuntura política actual um ser que impede aviões de cair e salva pessoas em pequenos e grandes perigos seja como uma materialização de um apelo colectivo subconsciente por um salvador, mas isso não apaga o facto deste retorno do Super-Homem não encher as medidas de quem esperou um blockbuster arrebatador. Eu, que aliás sempre preferi o Clark de óculos de massa e ternura atrapalhada ao Super-Homem mumificado em licra, continuo a eleger o controverso V como o herói maior deste ano. E continuo a ter saudades daqueles anos em que no espaço a guerra era a das estrelas…

Terça-feira, Agosto 08, 2006
Romance & Cigarettes - Romance e Cigarros

Nesta sua terceira experiência atrás das câmaras, o actor John Turturro cria um musical de contornos kitsch que parece resultar de uma mescla do delírio de cor e citação musical de Moulin Rouge, com um bocadinho do universo dos irmãos Coen (que são, aliás, produtores executivos do filme), uma pitada de John Waters e um quê de Grease. Acrescente-se ainda a semelhança do título com Café e Cigarros de Jarmusch.
O melhor do filme encontra-se precisamente nos momentos em que os actores cantam (ou melhor, fazem um playback propositado, que nem sempre resulta bem) e gesticulam em coreografias de típico musical. Quando os diálogos perdem a banda sonora tornam-se demasiado básicos para terem alguma piada. Mas quando as emoções são gritadas ao som da música, de forma tão exagerada como irresistível, aí até apetece dançar na cadeira. O enfoque vai para o fabuloso Chrisopher Walker e a sua “Delilah” (original de Tom Jones), que protagoniza a melhor sequência do filme.
O elenco é composto por um rol de nomes sonantes, como James Gandolfini, Susan Sarandon, Kate Winslet, Christopher Walken, Mary Louise Parker, Steve Buscemi, Bobby Cannavale, Mandy Moore e a esposa do realizador, Aida Turturro. E se no conjunto todos se apresentam excentricamente fantásticos (talvez Susan Sarandon, sendo tão tremendamente competente tenha mais dificuldade em entrar na paródia), Christopher Walken destaca-se na sua pequena participação como o primo Bo e Kate Winslet é surpreendente na pele insaciável Tula – o motivo pelo qual James Gandolfini (cuja personagem tem o sugestivo nome de Nick Murder) porá em perigo o seu casamento – provando como ser sexy não tem necessariamente a ver com ter-se uma silhueta socialmente recomendada. (…)

Domingo, Agosto 06, 2006
Miami Vice

(…) A história de dois agentes que se infiltram num grupo de traficantes de droga pode não soar a algo de particularmente novo (um bom exemplo, embora muito diferente, é Donnie Brasco, de Mike Newell), mas tudo o que nos é mostrado prende-nos ao ecrã de tal forma que mesmo que não haja qualquer identificação com as personagens, há uma oportunidade de participar nas suas emoções.
O leque de actores escolhido é suficientemente competente para entrar convincentemente na pele das personagens, mas suficientemente longe de um patamar de perfeição e arrebatamento interpretativo que nos faça destacar algumas prestações em detrimento de outras.
(…) Tal como Collateral, Miami Vice é um filme essencialmente passado à noite. Tal como em Collateral, também tem uma sequência muito boa filmada no interior de uma discoteca. Neste caso trata-se do início do filme, em que a mestria de Mann a filmar por entre a massa de gente que enche o clube é tão hipnotizante que até nos esquecemos da pouca pertinência de uma tão longa “ouverture” para o conjunto do filme.
Há máquinas e velocidades, há explosões e sexo, há uma banda sonora que mais parece uma verdadeira playlist de rock desinteressante (embora com algumas faixas de excepção da autoria dos Goldfrapp, Mogwai ou Moby), há um corte de cabelo de Colin Farrell de gosto duvidoso... mas a dar algum sentido a tudo isto há a visão de um realizador capaz de filmar o negro do submundo de uma forma que prende sem causar admiração, que convence sem causar arrebatamento, que entretém sem olvidar a qualidade artística.
Miami Vice é pois um filme a não perder, uma vez que não defrauda as expectativas de quem procura uma ida ao cinema onde a acção frenética se alia ao deleite contemplativo de mais um Michael Mann nocturno.

3 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Não conhecia o seu blog.
É interessante ver como é que uma pessoa que não faz parte da "escola do elogio mútuo" olha para os blogs.
O sentido crítico está quase ausente da blogosfera, já que há uma espécie de hipocrisia geral onde tendencialmente todos dizem bem de tudo.
O seu blog representa, por isso e tendo em conta a pessoa que o faz (e como o faz), um ponto de vista mais verdadeiro, que poderá balizar alguns aspectos qualitativos dos blogs, constituindo um referencial importante para os seus autores.
Parabéns pelo seu blog, gostei.

Francisco Mendes disse...

Outra portentosa referência na blogosfera cinéfila nacional, assim como o já referido Amarcord do Hugo. Existe uma qualidade bruta na escrita da Helena, refinada ao longo dos posts com uma cultura que naturalmente tende a dilatar... ainda mais.

Hugo disse...

Play it again, a frase que é um verdadeiro mito urbano (o Bogey nunca a diz no Casablanca) e que dá título a um dos blogs que leio diariamente. O Lauro disse tudo: inteligência e sensibilidade. Duas pedras de toque que constroem um blog de referência.