“UMA VERDADE INCONVENIENTE”
Não sei se se poderá dizer que “An Inconvenient Truth” seja um documentário ambientalista. Acho que o mais correcto será dizer que se trata de um documentário sobre a actividade de Al Gore como ambientalista. O “ex-futuro presidente dos EUA”, como ele próprio se apresenta, e gosta de sublinhar que o faz sem ironia, possivelmente com pesar por ter de enfrentar, e aceitar, as consequências de uma eleição fraudulenta, tem passado os último anos da sua carreira como divulgador da causa ambientalista um pouco por todo o mundo. Quando o filme é rodado (estreou-se já em 2006), Al Gore diz que já deu mais de 1000 palestras, na América e por todo o planeta, a falar do aquecimento global e das suas trágicas consequências que muitos não querem enfrentam nem combater, nomeadamente os EUA, que nem sequer aderiram aos acordos de Quioto (os EUA e a Austrália foram os dois únicos países a rejeitarem associar-se ao esforço de contenção industrial na poluição atmosférica).
O filme, que conta com realização de um experimentado Davis Guggenheim, com carreira firmada sobretudo em séries de televisão ("Wanted", “Numbers”, “E.R.”, “Deadwood”, “The Shield”, "Alias", "24" ou “The First Year”, para só citar algumas) parte de um pressuposto central: acompanhar algumas intervenções de Al Gore em sessões de esclarecimento que são filmadas em várias cidades, da América à China. Enquanto Al Gore discursa, com um à vontade e um conhecimento da matéria invulgares, atrás de si vai passando uma apresentação em “power point” sobre as questões do aquecimento global, profusamente alicerçada em estatísticas e demais elementos cientificamente provados que não permitem deixar dúvidas no espectador. Estamos perante um caso gravíssimo, uma aterradora caminhada para o abismo, que só idiotas e espíritos deformados pelo lucro fácil não vêem, ou não querem ver (no filme há alguns exemplos gritantes de ambos os casos, com especial incidência nalgumas personalidades que até conseguiram ser Chefes de Estado. Percebem certamente a quem me refiro.)
A “verdade inconveniente” começa a ser exposta logo desde o início, quando se colocam, uma a seguir à outra, duas fotografias da Terra, colhidas uma pelo Apollo 8, em 1969, outra muito mais recente, tirada pelo Apollo 17. A Terra está diferente, e não se pode dizer que esteja melhor. Al Gore explica que o aquecimento global, provocado pela poluição em grande escalada, está a criar uma camada de protecção da nossa atmosfera cada vez mais espessa, o que impede que os raios solares que a penetram dela saiam depois, criando assim um efeito de estufa que tem consequências tremendas a vários níveis. Neste aspecto o filme é absolutamente deslumbrante de clareza e simplicidade, mostrando como esse aquecimento global pode provocar chuvas torrenciais aqui, aumentar a potência de tornados e furacões ali, desertificar acolá, descongelar a Antárctica, secar mares e lagos, provocar degelos.
Dizem muitos, e às vezes com boas intenções, que essas variações não são dramáticas, acontecem ciclicamente ao longo da História. Verdade que assim foi, é e será, mas convém acrescentar que, de há uns tempos a esta parte, as variações são excessivas. Al Gore demonstra-o com quadros que recolhem cifras cientificamente trabalhadas. Se se mantiver o ritmo, dentro de 50 anos não se pode viver na Terra. Que me importa, pensam alguns, que julgam que já cá não estão. Pois, mas estão os filhos, os netos, desses e de outros que nos devem merecer a melhor atenção. Quando se põe o ouro e o planeta Terra em dois pratos de uma balança, deve pensar-se que o ouro de nada vale, se não existir o planeta. Mesmo na mais estrita perspectiva capitalista e lucrativa, tudo terminará se não houver a quem vender, nem o que vender.
Sobre a tese dos ciclos, Al Gore oferece estatísticas curiosas. Procurou uma amostragem de artigos científicos sobre a matéria, e encontrou “zero” especialistas que aceitassem o aquecimento global como uma questão equívoca e empolada. Ao fazer a mesma amostragem em artigos de imprensa generalista, muito mais dependente do poder económico e politico, mais de 50 % abordam o tema como algo desajustado da realidade e reflectindo apenas orientações ideológicas e políticas. Significativo.
São vários os problemas abordados ao longo destas conversas, e um deles, um dos mais gritantes da actualidade, é a cada vez mais frequente carência da água, um bem de primeira necessidade. Uns querem privatizá-la, outros não a tratam como deviam, aqueloutros esbanjam-na sem consciência. Al Gore alerta para o perigo.
O filme, que conta com realização de um experimentado Davis Guggenheim, com carreira firmada sobretudo em séries de televisão ("Wanted", “Numbers”, “E.R.”, “Deadwood”, “The Shield”, "Alias", "24" ou “The First Year”, para só citar algumas) parte de um pressuposto central: acompanhar algumas intervenções de Al Gore em sessões de esclarecimento que são filmadas em várias cidades, da América à China. Enquanto Al Gore discursa, com um à vontade e um conhecimento da matéria invulgares, atrás de si vai passando uma apresentação em “power point” sobre as questões do aquecimento global, profusamente alicerçada em estatísticas e demais elementos cientificamente provados que não permitem deixar dúvidas no espectador. Estamos perante um caso gravíssimo, uma aterradora caminhada para o abismo, que só idiotas e espíritos deformados pelo lucro fácil não vêem, ou não querem ver (no filme há alguns exemplos gritantes de ambos os casos, com especial incidência nalgumas personalidades que até conseguiram ser Chefes de Estado. Percebem certamente a quem me refiro.)
A “verdade inconveniente” começa a ser exposta logo desde o início, quando se colocam, uma a seguir à outra, duas fotografias da Terra, colhidas uma pelo Apollo 8, em 1969, outra muito mais recente, tirada pelo Apollo 17. A Terra está diferente, e não se pode dizer que esteja melhor. Al Gore explica que o aquecimento global, provocado pela poluição em grande escalada, está a criar uma camada de protecção da nossa atmosfera cada vez mais espessa, o que impede que os raios solares que a penetram dela saiam depois, criando assim um efeito de estufa que tem consequências tremendas a vários níveis. Neste aspecto o filme é absolutamente deslumbrante de clareza e simplicidade, mostrando como esse aquecimento global pode provocar chuvas torrenciais aqui, aumentar a potência de tornados e furacões ali, desertificar acolá, descongelar a Antárctica, secar mares e lagos, provocar degelos.
Dizem muitos, e às vezes com boas intenções, que essas variações não são dramáticas, acontecem ciclicamente ao longo da História. Verdade que assim foi, é e será, mas convém acrescentar que, de há uns tempos a esta parte, as variações são excessivas. Al Gore demonstra-o com quadros que recolhem cifras cientificamente trabalhadas. Se se mantiver o ritmo, dentro de 50 anos não se pode viver na Terra. Que me importa, pensam alguns, que julgam que já cá não estão. Pois, mas estão os filhos, os netos, desses e de outros que nos devem merecer a melhor atenção. Quando se põe o ouro e o planeta Terra em dois pratos de uma balança, deve pensar-se que o ouro de nada vale, se não existir o planeta. Mesmo na mais estrita perspectiva capitalista e lucrativa, tudo terminará se não houver a quem vender, nem o que vender.
Sobre a tese dos ciclos, Al Gore oferece estatísticas curiosas. Procurou uma amostragem de artigos científicos sobre a matéria, e encontrou “zero” especialistas que aceitassem o aquecimento global como uma questão equívoca e empolada. Ao fazer a mesma amostragem em artigos de imprensa generalista, muito mais dependente do poder económico e politico, mais de 50 % abordam o tema como algo desajustado da realidade e reflectindo apenas orientações ideológicas e políticas. Significativo.
São vários os problemas abordados ao longo destas conversas, e um deles, um dos mais gritantes da actualidade, é a cada vez mais frequente carência da água, um bem de primeira necessidade. Uns querem privatizá-la, outros não a tratam como deviam, aqueloutros esbanjam-na sem consciência. Al Gore alerta para o perigo.
Mas, se tudo isto está no documentário, há muito mais que também lá está e é conveniente não esquecer. Al Gore afirma a certo passo, que “a questão não é política mas moral”. Mas não podemos esquecer que este é um filme “político”, e “político” a vários níveis. Político porque todas estas questões são políticas, reflectem ideologias e consciências diferentes (Al Gore é politicamente diferente de Bush!), mas ainda político porque o filme se mostra um objecto de propaganda política de Al Gore, que se serve da causa ambientalista para assim intervir no combate político norte-americano e mundial. Nada que me repugne. Posso mesmo dizer “Viva Al Gore!”, e vou mais longe: esta obra reflecte o melhor que os EUA têm, aquela zona de dignidade e combate pela justiça, a igualdade e a liberdade que me fazem gostar deste País para lá de tanta coisa e tanta gente que me desgosta. Mas é conveniente “ver” o filme tal como ele é. Até porque me parece mais importante assim: como manifesto político ambientalista. Mesmo a “humanização” de Al Gore, a sua infância, a vida na quinta onde se cultivava tabaco (cultivo que o pai abandonou, por uma questão ética), a morte da irmã, fumadora, com cancro do pulmão, a sua vida como senador, habitando um quarto de hotel em Washington, a doença do filho e o mês passado no hospital, as suas viagens de carro e de avião, o candidato batoteiramente vencido arrastando sozinho a sua mala pelos aeroportos do mundo (e como é simbólica aquela mala!), tudo isso são aspectos que não chocam se percebermos que existem, estão lá, emocionam-nos, manipulam-nos, fazem-nos agradar do homem que luta por uma causa. Ora tudo isso funciona a favor da causa, por isso, sem o esquecermos, alinhamos no percurso.
No genérico final, entrecortadas com as apresentações dos nomes dos responsáveis pelo filme, são-nos sugeridas diversas formas de contribuir pessoalmente para a causa. É imperioso reduzir drasticamente as emissões de dióxido de carbono, e isso consegue-se consumindo menos electricidade, gastando menos gasolina, poupando na água, plantando árvores…
“Neves do Kilimanjaro”, sabe o que são? Leu o livro, viu o filme? Se não se empenhar em reduzir a camada de protecção da atmosfera, não mais haverá neve em Kilimanjaro. Nem, pouco depois, vida na Terra.
Finalmente uma nota ao lado da causa ambientalista, ainda que defender o bom cinema também seja causa ambientalista: mais um documentário entra (e bem, com público) no circuito comercial internacional. Algo está a mudar. O que não pode deixar de nos regozijar: alguns dos melhores filmes de sempre são documentários, uma das artes mais nobres da imagem.
Segundo ponto: é muito saudável, na América de Bush, ver uma produtora, a Participant Productions, produzir obras como “Murderball” (2005), “Good Night, and Good Luck” (2005), “Syriana” (2005), “North Country” (2005), Fast Food Nation (2006) ou “An Inconvenient Truth” (2006). Numa América dividida ao meio, segundo as últimas eleições, é bom saber que a confiança não morreu. Alias, como afirmou o próprio Al Gore, se todos quisermos, conseguimos. O buraco de ozono já está a regredir. Agora há que combater o dióxido de carbono.
No genérico final, entrecortadas com as apresentações dos nomes dos responsáveis pelo filme, são-nos sugeridas diversas formas de contribuir pessoalmente para a causa. É imperioso reduzir drasticamente as emissões de dióxido de carbono, e isso consegue-se consumindo menos electricidade, gastando menos gasolina, poupando na água, plantando árvores…
“Neves do Kilimanjaro”, sabe o que são? Leu o livro, viu o filme? Se não se empenhar em reduzir a camada de protecção da atmosfera, não mais haverá neve em Kilimanjaro. Nem, pouco depois, vida na Terra.
Finalmente uma nota ao lado da causa ambientalista, ainda que defender o bom cinema também seja causa ambientalista: mais um documentário entra (e bem, com público) no circuito comercial internacional. Algo está a mudar. O que não pode deixar de nos regozijar: alguns dos melhores filmes de sempre são documentários, uma das artes mais nobres da imagem.
Segundo ponto: é muito saudável, na América de Bush, ver uma produtora, a Participant Productions, produzir obras como “Murderball” (2005), “Good Night, and Good Luck” (2005), “Syriana” (2005), “North Country” (2005), Fast Food Nation (2006) ou “An Inconvenient Truth” (2006). Numa América dividida ao meio, segundo as últimas eleições, é bom saber que a confiança não morreu. Alias, como afirmou o próprio Al Gore, se todos quisermos, conseguimos. O buraco de ozono já está a regredir. Agora há que combater o dióxido de carbono.
UMA VERDADE INCONVENIENTE (An Inconvenient Truth), de Davis Guggenheim
(EUA, 2006), com Al Gore. 100 min; M/ 6 anos.
Saiba mais em: www.climatecrisis.net
Saiba mais em: www.climatecrisis.net
2 comentários:
da absoluta conviniência urgente de se dizer e mostrar.....assim....
_________________________
beijo.
imf.
Torna-se premente a necessidade de actuar. Este filme revoluciona-nos. Actua no nosso íntimo. Leva-nos a querer mudar. Sermos melhores pessoas. Respeitar o mundo, os outros, a nós.
Temo que a revolução dure uns meses, uns dias... umas horas. Temo que, mais uma vez, nada se faça. Que tudo fique exactamente igual com um gosto ácido de destruição e sabor de culpa pessoal.
Quero mudar, quero fazer mais. Quero trabalhar, quero sobreviver, quero correr diariamente para o transporte público e comer junk food para me apressar mais uma vez. Onde fica o ambiente neste rodopio efusivo de adrenalina pura? Onde fica o planeta quando todos os dias me esqueço de que nele habito e insisto em degradá-lo (só mais um pouco).
Um filme como "Uma Verdade Inconveniente" é importante para abrirmos os olhos. Mas é preciso fazer mais para que não os fechemos.
Muito bom este blog. Parabéns Lauro António (cheguei a trabalhar "consigo" quando era jornalista de A Bola e escrevia o suplemento Bola7)
Cumprimentos,
Tatiana A. Santos
patte.noire@gmail.com
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