“A PRAIRIE HOME COMPANION
– BASTIDORES DA RÁDIO”
Não se deixe iludir pela ficção: “A Prairie Home Companion”, o título original deste filme de Robert Altman, é mesmo o nome de um dos mais antigos programas de rádio dos EUA. (uma criação de Garrison Keillor, que data de 1974, e que já cumpriu mais de 32 anos no ar, em transmissão, directa e com público, do Fitzgerald Theater, em St. Paul, no Minnesotta), e igualmente um dos mais escutados semanalmente, com audiências que rondam os 4 milhões de ouvintes. O filme que Robert Altman dirigiu parte de um argumento do próprio Garrison Keillor, que construiu uma ficção “dentro” da própria realidade que é o seu programa.
No filme, e só no filme, o programa de rádio está a dar as últimas, esta sessão a que assistimos será a derradeira, o teatro (que homenageia F. Scott Fitzgerald, filho da terra) vai ser demolido e transformado num parque de estacionamento. Empresários isentos de nostalgia compraram a estação de rádio e preferem arrasá-lo e terraplanar o terreno para fins mais rentáveis.
O filme assemelha-se a um limbo, terra de ninguém, entre o que foi e o que deixa de ser, entre o que está e o que vai desaparecer, entre a vida e a morte, com anjo que recolhe as almas e tudo. Robert Altman já ultrapassou os oitenta anos, está doente, os produtores temiam que não conseguisse acabar o filme e tinham mesmo de prevenção Paul Thomas Anderson para o substituir na realização, numa eventualidade (percebe-se qual ou quais poderiam ser).Mas o anjo não esvoaçou por ali de gabardina branca. Esvoaçou por sobre todo o filme que fala de perca, de morte, de desaparecimento, mas que o faz com uma galhardia e uma tranquilidade que desarmam. Tranquilidade e serenidade de vivos que vêem a morte aproximar-se (a morte dos seus sonhos, a morte de uma certa ideia da rádio e dos teatros, a morte dos amigos, a sua própria morte) e não desarmam. Aguentam firmes, até ao final. Com uma esperança e um sorriso nos lábios. Ou em cuecas, á espera de uma última lição de amor.
Altman é, há muito tempo, um dos meus cineastas de estimação. Há alguns anos atrás, 1975 ou 1976, quando a crítica cinematográfica tinha peso neste país, e o que escrevíamos podia fazer ou desfazer a carreira de um filme, estreou-se no Berna um filme fabuloso, “Nashville”. Passou uma semana rápida, nem tempo teve para a crítica fazer efeito. Convenci então a directora do Nimas, a repô-lo nessa sala, aproveitando-se de uma critica muito apaixonada que então escrevi, e o filme transformou-se num dos sucessos do ano. Altman bem o mereceu, e “Nashville”, sobre a canção “country”, era uma obra-prima que definia um estilo e um autor de génio.
“A Prairie Home Companion – Bastidores da Rádio” é mais uma daquelas obras construídas em puzzle, que só o talento de cineastas inspirados consegue tornar possíveis. Entre o palco e os bastidores do Fitzgerald Theater evoluem várias personagens que se despedem de um espectáculo a que se entregaram de corpo e alma. Desde o apresentador que recita anúncios, promove os cantores, canta ele próprio, conta anedotas e improvisa nos tempos mortos, até os cantores que em girândola passam pelo palco do teatro (e pelo microfone da estação) para deixaram as suas canções emocionadas e sentimentais, destinadas “a toda a família”, passando por técnicos que asseguram o bom funcionamento da engrenagem, e pelos músicos da orquestra que acompanham ao vivo as actuações e encadeiam as melodias, são dezenas de figuras amáveis e destruídas, que todavia não dão parte de fraco e cada uma delas procura retirar da vida, mesmo nos seus últimos instantes, o que ela tem para dar de melhor. Apenas uma jovem foge à regra, escreve desencantados poemas de elogio do suicídio, e acabará uma tecnocrata com jeito para o negócio, administrando os capitais da mãe, que, no entanto, os prefere gastar num autocarro para prolongar a vida desta família de músicos em tournée.
“A Prairie Home Companion – Bastidores da Rádio” é mais uma daquelas obras construídas em puzzle, que só o talento de cineastas inspirados consegue tornar possíveis. Entre o palco e os bastidores do Fitzgerald Theater evoluem várias personagens que se despedem de um espectáculo a que se entregaram de corpo e alma. Desde o apresentador que recita anúncios, promove os cantores, canta ele próprio, conta anedotas e improvisa nos tempos mortos, até os cantores que em girândola passam pelo palco do teatro (e pelo microfone da estação) para deixaram as suas canções emocionadas e sentimentais, destinadas “a toda a família”, passando por técnicos que asseguram o bom funcionamento da engrenagem, e pelos músicos da orquestra que acompanham ao vivo as actuações e encadeiam as melodias, são dezenas de figuras amáveis e destruídas, que todavia não dão parte de fraco e cada uma delas procura retirar da vida, mesmo nos seus últimos instantes, o que ela tem para dar de melhor. Apenas uma jovem foge à regra, escreve desencantados poemas de elogio do suicídio, e acabará uma tecnocrata com jeito para o negócio, administrando os capitais da mãe, que, no entanto, os prefere gastar num autocarro para prolongar a vida desta família de músicos em tournée.
Mas há um pouco de tudo que acaba nesta galeria de tipos inesquecíveis: duas cantoras que restam de um grupo de quatro que se foi desfazendo, e cantam baladas à mãe morta que gostava de as ouvir, dois cowboys que cantam para as pradarias, e se despedem do público com uma canção brejeira, um velho cantor que, acabada a actuação, morre no camarim, de cuecas, esperando a visita da amante que distribui sandes pela companhia, e sonha com os seus braços e abraços (e mesmo algo mais). Há ainda um detective particular, que não consegue já outro lugar senão o de segurança estiloso neste teatro, um homem que fareja o perigo, e o deixa passear sob a aparência de um anjo branco, pelos bastidores do programa. Há ainda um representando da empresa que vem assistir ao final da representação, no interior de um envidraçado camarote, onde estranha a presença de um busto de alguém que não lhe diz nada, mas é apenas o rosto de F. Scott Fitzgerald. Há ainda contra-regras e anotadoras, uma cantora negra que anuncia as delícias do chocolate, e há sobretudo, duas realidades incontornáveis: a mestria de Robert Altman a dirigir a câmara, que passeia com uma dignidade, elegância e leveza sem par, e a direcção de actores, absolutamente geniais. Meryl Streep, sublime em tudo o que faz, no que diz, nos gestos, nos olhares, Garrison Keillor, uma descoberta surpreendente, a conduzir o programa, recriando a sua própria personagem real, Lily Tomlin, magnifica nos duetos com a irmã, Woody Harrelson e John C. Reilly, uma dupla de cantores-cowboys inesquecíveis, Virginia Madsen, na “Dangerous Woman”, que se passeia pelo filme e leva consigo os que estão na altura certa para partir (o notável L.Q. Jones, na composição de Chuck Akers) ou os que “o merecem” (“Axeman”, criado a rigor por um comedido e circunspecto Tommy Lee Jones). Falta referir o detective “Guy Noir”, que Kevin Kline compõe de forma primorosa, com alguns tiques saborosos, que lhe emprestam uma graça muito especial.
Um elenco verdadeiramente admirável, uma direcção que se assemelha ao rolar do mecanismo de um relógio perfeito, silencioso e preciso. A câmara movimenta-se como um pássaro em noite tépida, desliza, aponta, perscuta, detém-se e avança. É um bailado que se estabelece entre o palco e os bastidores da vida que aqui se assemelha a um programa de rádio condenado à morte. Todos nós estamos condenados, desde o nascimento. Mas o que o velho Altman nos diz é que enquanto por cá andarmos, o façamos com a maior das alegrias, aproveitando bem o dia que passa. Pondo de lado os poemas suicidas, e ajustando conta com os que só pensam no negócio. Afinal, neste filme a morte está sempre presente, sob a forma de uma loura vamp vestida de branca, ou sob muitos outros disfarces, mas, se é inexorável, nunca é “o fim do mundo”. O mundo continua a girar, e atrás de programas de rádio, programas de rádio virão. Mesmo em tournée. Não nos levemos muito a sério, porque a vida continua.
“A Prairie Home Companion – Bastidores da Rádio”, de Robert Altman (EUA, 2006), com Meryl Streep, Garrison Keillor, Lily Tomlin, Woody Harrelson, John C. Reilly, Virginia Madsen Tommy Lee Jones, Kevin Kline, etc. 105 minutos. M/ 12 anos.
2 comentários:
Boa dica... e há pouco tempo vi por aqui "o Diabo usa Prada" (tradução minha do título alemão), com uma Meryl Streep fabulástica!!! Acredito que neste filme, cujo enredo promete mais do que o que vi, ela esteja ainda melhor... Mas no fime do Diabo da Prada ela está perfeita... é a alma do filme sem ser a protagonista...
H. Um dia telefona, vens ca a casa e vemos todos. Apetecia-me tb revâ-lo. Ei, atenção, a proposta é respeitável. Tenho mais pessoas em casa. O que é que já estavam a pensar?
Beijos H.
LA
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