AS VIDAS DOS OUTROS
“Das Leben der Anderen”, filme de estreia de Florian Henckel-Donnersmarck na longa-metragem de ficção, é não só uma verdadeira revelação, como um dos mais notáveis retratos de uma sociedade dominada por um regime totalitário, e continuamente vigiada por uma polícia política. Fala-nos da RDA em meados da década de 80, sob a batuta ditatorial de Erich Honecker. Um estado policiado, onde a Stasi ocupava destacado lugar, servida por uma rede de mais de 200.000 informadores que vigiavam toda a população e se vigiavam entre si, numa paranóica actividade de espionagem que facilmente redundava na esquizofrenia e, não raro, em algo muito mais grave ainda, do assassinato ao suicídio.
Gerd Wiesler (Ulrich Mühe), que tem como nome de código a sigla HGW XX/7, inspector da Stasi, polícia política da RDA, é encarregado de acompanhar as actividades diárias dos considerados inimigos do partido comunista, então o poder. Ele é também professor de uma escola da polícia, onde ensina as técnicas mais sofisticadas para extorquir confissões, e que vão desde a tortura do sono até outras mais psicológicas. Mas esse desmedido interesse pela “vida dos outros” tem por base a hipotética actividade clandestina para derrubar o regime, mas igualmente ouvir e denunciar quem proteste contra a falta de liberdade e outras “características” destes regimes ditatoriais. Acontece que, apoiando-se nesta polícia todos os abusos eram possíveis. Por exemplo: o ministro Bruno Hempf vive obcecado pelos encantos de Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), uma das actrizes de maior prestigio nos palcos de Berlim. Acontece que a referida senhora vive com Georg Dreyman (Sebastian Koch), um escritor acima de toda a suspeita, que todavia se dá com alguns dissidentes, nomeadamente um encenador, que é o seu preferido, mas que caiu em desgraça. Nada há de concreto para suspeitar de Georg Dreyman, mas daria muito jeito ao ministro Bruno Hempf descobrir algo que pusesse fora de campo esse empecilho no seu caminho para Christa-Maria Sieland. Uma conversa entre o ministro e os serviços secretos é o bastante para eles montarem uma operação destinada a descobrir o vestígio de uma suspeita por onde possam avançar. É o que fazem: colocam a casa do escritor sob escuta, quarto a quarto, olhos e ouvidos bem atentos a todas as deslocações, todas as conversas, todas as recepções e algo há-de aparecer. Se não aparecer, forja-se. O escritor será detido, a actriz ficará fragilizada, as investidas do ministro poderão ter êxito, mesmo que Christa-Maria Sieland seja obrigada a prostituir-se para continuar a sua carreira de actriz, mesmo que tenha de denunciar quem ama para se manter viva, ainda que por muito pouco tempo. As teias do horror estenderam-se sobre aquele casal, como se estendiam sobre tudo e todos neste regime de pesadelo (em tantos e tantos aspectos uma cópia do que acontecia em Portugal com a PIDE).
Acontece que o filme de Florian Henckel-Donnersmarck não só descreve minuciosamente o que acontecia a Leste, com os seus serviços secretos, e os tortuosos mecanismos da repressão policial, como vai mais longe e nos oferece o retrato admirável de um homem que evolui da condição de carrasco para a de vítima, mercê de uma progressiva consciencialização. Gerd Wiesler é inicialmente apresentado como um executante sem consciência, a não ser a do “dever cumprido” em nome de princípios que o ultrapassam e que nem sequer questiona, e que depois, à medida que acompanha directamente o caso de Georg Dreyman e de Christa-Maria Sieland percebe até que ponto pode descer a indignidade dos torcionários e acaba por assumir uma posição que lhe vai custar o emprego e algo mais. Um artigo publicado anonimamente por Georg Dreyman numa revista da RFA será o pretexto encontrado para despoletar a perseguição e a crise que levarão Gerd Wiesler a tomar partido.
Vencedor do Óscar para Melhor Filme em língua não inglesa, “As Vidas dos Outros” é um tremendo retrato de uma sociedade enclausurada sob escuta e que diariamente coloca à beira da maior das indignidades todos os seus cidadãos, carrascos e vítimas indefesas da prepotência sem limites. Para nos restituir este monstruoso painel do quotidiano desrespeito dos mais ínfimos direitos humanos, o realizador consegue uma claustrofóbica ambiência que nos é dada por pequenos apontamentos onde o medo torna irrespirável a vida e atira para o suicídio percentagens infames de cidadãos que não conseguem ultrapassar esse horror. Excelentes actores dão plausibilidade e consistência psicológica a este filme que ficará seguramente como um marco na história do cinema alemão da década. Um período que nos tem dado obras muito interessantes sobre o século XX na Alemanha e nas duas Alemanhas do pós guerra, como "Good Bye, Lenin!", "Der Untergang" ou "Sophie Scholl", não esquecendo “Les Trois Vies de Rita Vogt”, de Volker Schlöndorff, onde se fazem igualmente alusões a esta época.
Florian Maria Georg Christian Graf Henckel von Donnersmarck, nascido em Colónia a 2 de Maio de 1973, estreou-se na longa-metragem com este filme que lhe trouxe o reconhecimento público e varias dezenas de prémios internacionais. Estudou Filosofia na Universidade de Oxford, e Cinema, na Hochschule für Fernsehen und Film, de Munique. Inicialmente rodou curtas-metragens e episódios para séries de televisão (Mitternacht (1997), Das Datum (1998), Dobermann (1999), Der Templer (2002) e episódios da série "Petits Mythes Urbains" (2003). Saiu da escola em 2001, sem terminar o curso, para começar a elaborar o projecto de “Das on Leben der Anderen”, filme que lhe valeu o diploma de realizador, como prémio.
Gerd Wiesler (Ulrich Mühe), que tem como nome de código a sigla HGW XX/7, inspector da Stasi, polícia política da RDA, é encarregado de acompanhar as actividades diárias dos considerados inimigos do partido comunista, então o poder. Ele é também professor de uma escola da polícia, onde ensina as técnicas mais sofisticadas para extorquir confissões, e que vão desde a tortura do sono até outras mais psicológicas. Mas esse desmedido interesse pela “vida dos outros” tem por base a hipotética actividade clandestina para derrubar o regime, mas igualmente ouvir e denunciar quem proteste contra a falta de liberdade e outras “características” destes regimes ditatoriais. Acontece que, apoiando-se nesta polícia todos os abusos eram possíveis. Por exemplo: o ministro Bruno Hempf vive obcecado pelos encantos de Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), uma das actrizes de maior prestigio nos palcos de Berlim. Acontece que a referida senhora vive com Georg Dreyman (Sebastian Koch), um escritor acima de toda a suspeita, que todavia se dá com alguns dissidentes, nomeadamente um encenador, que é o seu preferido, mas que caiu em desgraça. Nada há de concreto para suspeitar de Georg Dreyman, mas daria muito jeito ao ministro Bruno Hempf descobrir algo que pusesse fora de campo esse empecilho no seu caminho para Christa-Maria Sieland. Uma conversa entre o ministro e os serviços secretos é o bastante para eles montarem uma operação destinada a descobrir o vestígio de uma suspeita por onde possam avançar. É o que fazem: colocam a casa do escritor sob escuta, quarto a quarto, olhos e ouvidos bem atentos a todas as deslocações, todas as conversas, todas as recepções e algo há-de aparecer. Se não aparecer, forja-se. O escritor será detido, a actriz ficará fragilizada, as investidas do ministro poderão ter êxito, mesmo que Christa-Maria Sieland seja obrigada a prostituir-se para continuar a sua carreira de actriz, mesmo que tenha de denunciar quem ama para se manter viva, ainda que por muito pouco tempo. As teias do horror estenderam-se sobre aquele casal, como se estendiam sobre tudo e todos neste regime de pesadelo (em tantos e tantos aspectos uma cópia do que acontecia em Portugal com a PIDE).
Acontece que o filme de Florian Henckel-Donnersmarck não só descreve minuciosamente o que acontecia a Leste, com os seus serviços secretos, e os tortuosos mecanismos da repressão policial, como vai mais longe e nos oferece o retrato admirável de um homem que evolui da condição de carrasco para a de vítima, mercê de uma progressiva consciencialização. Gerd Wiesler é inicialmente apresentado como um executante sem consciência, a não ser a do “dever cumprido” em nome de princípios que o ultrapassam e que nem sequer questiona, e que depois, à medida que acompanha directamente o caso de Georg Dreyman e de Christa-Maria Sieland percebe até que ponto pode descer a indignidade dos torcionários e acaba por assumir uma posição que lhe vai custar o emprego e algo mais. Um artigo publicado anonimamente por Georg Dreyman numa revista da RFA será o pretexto encontrado para despoletar a perseguição e a crise que levarão Gerd Wiesler a tomar partido.
Vencedor do Óscar para Melhor Filme em língua não inglesa, “As Vidas dos Outros” é um tremendo retrato de uma sociedade enclausurada sob escuta e que diariamente coloca à beira da maior das indignidades todos os seus cidadãos, carrascos e vítimas indefesas da prepotência sem limites. Para nos restituir este monstruoso painel do quotidiano desrespeito dos mais ínfimos direitos humanos, o realizador consegue uma claustrofóbica ambiência que nos é dada por pequenos apontamentos onde o medo torna irrespirável a vida e atira para o suicídio percentagens infames de cidadãos que não conseguem ultrapassar esse horror. Excelentes actores dão plausibilidade e consistência psicológica a este filme que ficará seguramente como um marco na história do cinema alemão da década. Um período que nos tem dado obras muito interessantes sobre o século XX na Alemanha e nas duas Alemanhas do pós guerra, como "Good Bye, Lenin!", "Der Untergang" ou "Sophie Scholl", não esquecendo “Les Trois Vies de Rita Vogt”, de Volker Schlöndorff, onde se fazem igualmente alusões a esta época.
Florian Maria Georg Christian Graf Henckel von Donnersmarck, nascido em Colónia a 2 de Maio de 1973, estreou-se na longa-metragem com este filme que lhe trouxe o reconhecimento público e varias dezenas de prémios internacionais. Estudou Filosofia na Universidade de Oxford, e Cinema, na Hochschule für Fernsehen und Film, de Munique. Inicialmente rodou curtas-metragens e episódios para séries de televisão (Mitternacht (1997), Das Datum (1998), Dobermann (1999), Der Templer (2002) e episódios da série "Petits Mythes Urbains" (2003). Saiu da escola em 2001, sem terminar o curso, para começar a elaborar o projecto de “Das on Leben der Anderen”, filme que lhe valeu o diploma de realizador, como prémio.
2 comentários:
L.A., adorei o seu comentário que convida a ir ver o filme. Parece-me interessante e importante a temática e sobretudo também importa ficar a saber o que se faz a nível de cinema na nossa velha Europa.
Um beijo da A.P.
Adorei este filme.Um dos melhores que vi nos últimos tempos.
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