quarta-feira, agosto 01, 2007

COM A DEVIDA VÉNIA

FERNANDO CHARRUA MENTIU

E PARECE QUE NINGUÉM REPAROU


(estava para escrever algo sobre o caso Charrua, quando li no DN este texto de João Miguel Tavares, que encerra (quase) tudo o que eu iria dizer. Por isso o transcrevo aqui, com a devina vénia, e um aceno de cumplicidade. Apenas acrescentaria a este triste caso uma nota: fala-se tanto em liberdade de expressão e em censura sem se procurar fazer da primeira um bom exercicio e sem se perceber o que é a segunda. Voltarei a tema. Por agora fiquemos com o texto de João Miguel Tavares.)


A ministra de Educação enterrou o caso Charrua - paz à sua alma. Mas permitam-me um último dizer sobre o defunto. É que ando há vários dias a coçar as meninges diante deste bizarro silenciamento: será que ninguém reparou que o pobre e oprimido professor mentiu com os dentes todos? Se é verdade que o seu processo disciplinar é inadmissível e preocupante, não é menos verdade que o despacho de acusação - cujo conteúdo, sublinhe-se, não foi contestado nem por Charrua nem pela sua advogada - é claríssimo e desmente a versão que o professor sempre fez passar aos media - a de que se teria limitado a dizer uma piada sobre a licenciatura de José Sócrates. Chamar "filho da puta" ao primeiro-ministro (a frase exacta é: "somos governados por uma cambada de vigaristas e o chefe deles todos é um filho da puta") não é uma graçola inocente - é um insulto a Sócrates e à sua mãezinha.A mim, pessoalmente, a coisa chateia-me. Mas até agora quase não li uma linha sobre o assunto - apenas o martelar cego na tecla que se tornou dogma nas últimas semanas: somos governados por gente autoritária e arrogante. Não me entendam mal: nós somos mesmo governados por gente autoritária e arrogante. Só que uma opinião pública informada tem obrigação de separar o trigo do joio. É um facto que o caso Charrua se inicia com um acto de bufaria digno dos melhores tempos da PIDE. É um facto que uma qualquer figura miserável transformou o que se devia ter mantido como uma conversa de corredores em queixa formal e assunto de Estado. Mas é igualmente um facto que o heróico professor Charrua, que anda para aí a armar-se em vítima da liberdade de expressão, não teve coluna vertebral para assumir publicamente o que se passou e as palavras que proferiu. Fernando Charrua não precisava de vir para as televisões confessar "eu chamei filho da puta ao primeiro-ministro". Mas devia ter dito: "Quaisquer excessos de linguagem que tenha cometido aconteceram no decorrer de uma conversa privada e ninguém tem nada a ver com isso." Tivesse-o feito e mereceria todo o meu respeito. A partir do momento em que mentiu e andou pelas ruas a jurar que se limitara a soltar "um comentário em tom jocoso", o seu processo disciplinar não deixa por isso de ser uma vergonha - mas ele perde qualquer autoridade moral para andar agora a reivindicar indemnizações, reintegrações e a ameaçar processos contra o Estado. O professor Charrua pode ser uma vítima. Mas faltou-lhe a grandeza dos que, sendo acusados de forma injusta, assumem os seus actos e não inventam mentiras só para compor a fotografia. Infelizmente, ninguém sai bem desta história.

Nota pessoal, preparatória de outras que hão-de vir:

Alguém sabe o que é censura? Alguém sabe o que é a Liberdade de Expressão? Eis um bom tema de debate para um próximo dia, tanto mais que muita gente protesta com a "perseguição" a alguns blogues. Mas será que "Liberdade de Expressão" é deixar sair pela boca fora os maiores dislates e as provocações mais alarves sem dar conta disso a ninguém? Será mesmo uma "república das bananas" o que queremos? Quem procede de forma tão leviana ou é um irresponsável absoluto ou alguém que sistemáticamente procura descredibilizar a "Liberdade de Expressão" para impor uma ditadura.

15 comentários:

Isabel Victor disse...

Ora, aí está um bom tema ! Parece que este assunto começa a ganhar densidade ...

A liberdade ! É sempre bom falar dela, é sempre bom relembrar como é frágil.

beijo*

Ana Paula Sena disse...

A liberdade de expressão não só é um bom tema para debate como é certamente um tema urgente. Há muita confusão acerca da liberdade em geral e da de expressão em particular.
Beijinhos!

vague disse...

Muito bem, Lauro!
Desconhecia esta nuance do caso Charrua e ainda bem q falou nela, pq para mim tb não é uma nuance q faz toda a diferença na verticalidade de um homem.
E gosto da sua forma de não se acomodar à tendência da maioria e ira na onda, salvo seja, q eu sou uma boa 'onda' :))

Gosto de pessoas q não se vergam, de pessoas q sabem discordar, (mesmo q seja de mim [mas não abusem:P] ) q sabem ser coerentes e não se deixam embalar pelos gritos uníssonos da multidão. Por isso gosto de si. E da M, q deve ser igualmente atenta à verdade.
bjs:)

Anónimo disse...

Sinceramente isto é idiferente perante o caso pidesco que se passou. Por amor de Deus.

Luis Eme disse...

Concordo com o JMT e com o LA.

É uma pena que as pessoas ainda não tenham compreendido que a nossa liberdade começa no respeito pela liberdade dos outros. E com tudo isto, já se passaram mais de 33 anos...

Eduardo Ramos disse...

A culpa de vir aqui fazer comentários é da RCP. Qualquer processo judicial por coisa que eu possa dizer deverão ser imputados à RCP :)

Agora cerca do do "filho da puta".
Ele que me chama-se isso que o punha em tribunal para provar isso em frente a um juiz.
Acho que , sendo isto verdade, foi muito digno do nosso 1º não ter revelado a razão principal da actitude, deixando isso para quem de direito e com consciência suficiente para um pedido de desculpas públicas.

Não falo das "bufisses" e coisas desse género, porque a esse um pontapé na boca também não lhe fazia mal nenhum.

Eu assisti a coisas deste tipo na 4ª classe.

Klatuu o embuçado disse...

Pois... mas não esqueça que a opressão se alimenta de uma manipulação estruturante da mentira... Toda a gente mente neste país - e olhe que não é um fenómeno recente!

Anónimo disse...

ó meus compatriotas! Presumo que a malta do Porto, se vos ler, ande aflita, a pensar que vão todos presos!!! Pois se eles até para manifestarem a alegria por encontrar um amigo lhe chamam FDP...
Então o FDP do Charrua mentiu?! e que tremenda mentira foi essa? Alegadamente, uma mentira por omissão: ele teve a ousadia de pronunciar FDP referindo-se ao 1º ministro e não o assumiu.
Ora, se ofensa houvesse, seria à senhora mãe do 1º e, que eu saiba, ninguém considerou tal; ou seja, toda a gente tem um mínimo de inteligência para perceber que a expressão está esvaziada do sentido original - que teria muito que se lhe dissesse, pela discriminação das prostitutas, mas adiante - e que exprime apenas um profundo desagrado face à actuação do 1º. Desagrado que, sabemos, une a verdadeira esquerda e uma parte da direita (só uma parte, que o 1º tem feito coisas que a outra direita gostaria de ter feito).
E Isso é motivo para tal punição?
Mas onde é que nós estamos?
E V. Exªs nunca chamaram FDP a alguém cuja mãe desconhecessem?
E não sabem distinguir o privado do público? - se me disserem que não sabem, até compreendo - é a marca dos tempos e dos rialiti xous e dos xous da vida...
Era o que me faltava que eu fosse denunciar todas as pessoas que, na minha frente, chamaram FDP ao Paulo Portas, ao Guterres, ou até a mim!
Olhem que, por este andar, nada garante que chamar 1º ao 1º não venha a ser considerado crime!
Abram os olhos!
Anonimamente vosso, não vá o diabo tecê-las!

Lauro António disse...

Caro Anónimo, de Agosto, 5: um único reparo, por que não assina? O texto até é interessante, a discutir é que a gente se entende. Falta só conhecer a cara, o nome. Não custa nada. Como dizia o outro: portugueses, mais um esforço para o serem verdadeiramente.

Eduardo Ramos disse...

... um reparo... e pode ser errado.. que é o mais certo...
Mas em determinadas esferas... chamar o quer que seja a determinadas pessoas é motivo para processo judicial.
Levando isto ao cúmulo e ao "tás parvo ou quê?" o caro senhor anónimo vá lá chamar de filho da puta ao pápa. Ou até mesmo ao Fidel!

Chamar o quer que seja a determinada pessoa não tem haver com as palavras, mas com a intenção colocada nelas.

Se eu chamar alguém de nabo, de certeza que não estou a tentar comparar determinada pessoa com uma hortaliça, não é caro anónimo?

Anónimo disse...

Caro Lauro, se eu for uma noite destas ao Va.vadiando, darei certamente a cara e terei muito gosto em conversar consigo (Aliás, vi que um meu colega de há muitos anos é frequentador das tertúlias e gostaria de voltar a falar com ele). Aqui, não entendo porque me pede o nome e a cara; acaso os pediu a vague ou a klatuu o embuçado ? :-)
Não faço grande questão de ser português; ser cidadão e tentar ser civilizado basta-me. Se falei em compatriotas foi apenas porque o caso em apreço se relaciona com cidadãos e cidadãs da mesma pátria - ou mátria.E porque são pessoas sob o mesmo governo.
Para quem não entendeu, não faço a apologia de se chamar FDP a ninguém - até porque não sou um homem do norte; se escrevi «Então o FDP do Charrua mentiu?» foi por ironia. O que eu acho é que se isso foi feito na esfera do privado apenas ofende quem pronunciou a expressão; ou apenas ofenderia, não fora «para tão fraca culpa tão grave pena». Esta reacção considero-a uma ofensa à jurisprudência. Um desperdício dos dinheiros dos contribuintes e das contribuintes. Uma prepotência que ofende certamente muitas das pessoas que deram o seu voto ao P.S. (não foi o meu caso).
Mas esta é apenas a minha opinião - a opinião de quem não gosta de ver em Portugal ressuscitar o delito de opinião.
(Acabo agora de ver que tem mais um comentário de um anónimo, em 2 de Agosto; só agora percebo porque especificou o anónimo de 5 de Agosto.)

Eduardo Ramos, 3 reparos - e podem ser errados:-)
1. Sugiro que, para ser mais credível, melhore a sua sintaxe e a ortografia - se fizer questão posso indicar quais os erros que cometeu.
2.Não vou chamar FDP a ninguém, porque não faz parte do meu idiolecto. Mas se o fizesse, em privado, duvido que me acontecesse algo, visto que não privo com «bufos». Acho eu...
3. Não sou católico nem comunista porque sou contra muito do que está subjacente às respectivas práticas e a parte das respectivas teorias. O que tenho a fazer, em relação aos senhores mencionados por si, faço-o quer na esfera do privado quer na do público opinando sobre a sua actuação - enquanto posso. Estive no Vaticano, era ainda muito jovem, e tive oportunidade de criticar muito do que por lá vi. A Cuba não vou, porque não quero ficar preso e sei que não seria capaz de ficar calado. Assim como não vou aos EUA enquanto por lá governar o Bush ou coisa parecida.
Saudações anónimas, mas cordiais
:-)

Eduardo Ramos disse...

Respeitável Anónimo.
Existem coisas que não me ralo minimamente. Uma delas é, explicitamente, a gramática, como escrevo e os erros que dou quando escrevo num blog ou faço os inerentes comentários.

Prefiro que as palavras saiam directamente do coração ( melhor... da ponta dos dedos) sem perder tempo a pensar no sujeito e no predicado e "ai que o gajo é ignorante". Deixo isso para quem escreve todos os dias e já esta habituado a pensar assim. Pode ser que um dia comece a pensar nisso, afinal tenho um blog à pouco tempo e como habito da escrita andava adormecido há muitos anos, logo temos o resultado à vista. :D Mas não sou dos piores.

Agora no que interessa. É claro que que no meio disto tudo quem merecia uma boas palmadas era o "bufo" e o Senhor 1º, porque:
- A minha mãe também não gosta de queixinhas e eu acabava por ser castigado também por o ser.
- O Sr. 1º devia ter respondido ao "bufo". - AHAM! Está bem! Vai lá lavar a boca com sabão azul e branco! Bocas de burro não chegam ao céu!- e borrifava-se no assunto.

MAS, depois, e quase de certeza o "bufinho" ia ao 24 horas e no dia seguinte tinha-mos a manchete:
"MÃE DE 1º MINISTRO É INSULTADA PERANTE IMPASSIVIDADE DESTE"

Se eu chamasse filho da puta a um colega meu, ele respondia na mesma moeda. Se o fizer ao meu patrão, tenho a certeza que ele não responderia com " Isso és tu!", não é?
:D

Um outro dia falamos de sintaxe e construção gramatical, está bem? Hoje não! Afinal estou de baixa devido a um acidente que tive com a mão direita e só consigo escrever com a mão esquerda. :)

Anónimo disse...

Eduardo, deixemos pois a gramática de parte já que até o ministério da educação já a considera de somenos importância
:-D
Se me permite, retiro o comentário que fiz.

Quanto à questão que coloca («Se eu chamasse filho da puta a um colega meu, ele respondia na mesma moeda. Se o fizer ao meu patrão, tenho a certeza que ele não responderia com " Isso és tu!", não é?»), não me parece que seja pertinente para este caso; é que Charrua não disse o que quer que seja que tenha dito na cara do 1º nem de forma pública. Fê-lo em conversa privada. Não sei se Charrua teria coragem para dizer isso directamente a Sócrates; Quero acreditar que, a ter oportunidade de lhe dizer algo, cara a cara, trocaria a expressão que usou por tudo aquilo que com ela queria significar e que muito provavelmente se prende com a opinião que tem sobre a forma como o 1º tem ou não primado pela competência.
Não tenho dúvidas de que já me chamaram isso e outras coisas, nas minhas costas. Se mo chamassem cara a cara, eu não responderia «isso és tu» mas pediria à pessoa que «trocasse por miúdos» ou que concretizasse a crítica.
Para mim o cerne da questão está em que o que Charrua queria dizer é que considera que Sócrates governa mal e que quem ouviu pensou isso mesmo e que foi por Charrua ter ousado criticar não a mãe de `Sócrates mas a governação de Sócrates que foi denunciado. E isso, sim, é grave. E pessoalmente não ousaria comparar a atitude de quem denunciou à das crianças, ainda que possa ser nos bancos da escola que comportamentos desses se incentivam ou anulam.
Eduardo, a sua sintaxe não me incomoda; a linguagem de Charrua não me incomoda; as anedotas sobre o primeiro, o segundo ou o terceiro não me incomodam. O que me chamam, nas minhas costas, não me incomoda. Incomoda-me, sim, a consciência de que as pessoas não têm consciência de que a democracia se conquista e reconquista diariamente e que rapidamente se perde. Incomoda-me, sim, sentir a nossa democracia tão frágil. Porque o espírito democrático não se cria nem se inculca com regras nem constituições; aprende-se nas boas práticas. Cimenta-se com uma boa educação. E a educação neste país, Eduardo, está como a democracia... em farrapos!

Lauro António, as minhas desculpas pelo anonimato.

Cordiais saudações

Eduardo Ramos disse...

... anónimo foi claro com a água e disse muito mais do que alguma vez foi dito em "jornalecos" sensacionalistas.

De facto se fossem fazer uma lista de tudo o que já foi dito em relação ao nosso 1º... dava um volume mais grosso que as paginas brancas de Lisboa... e com o mesmo tamanho de letra, e provavelmente sem se repetir uma palavra. (eu as vezes exagero).

Mas como eu disse numa outra altura, quem devia ficar com o programa dentário novo era o "flatulento"... mas ... continuemos a falar de outros assuntos muito interessantes deste blog. Este Senhor Lauro António escreve, escreve, escreve... caramba! :D

Lord of Erewhon disse...

Não sei porquê... esse «anónimo» não me cheira... Um gajo que é «anónimo» e que se incomoda com um embuçado... nada sabe da «política das sombras»... :)

Além disso, esquece uma questão ética fundamental: um heterónimo, mesmo embuçado, é alguém... de tal modo que, sendo o alter-nome sobejamente conhecido, é juridicamente protegido e substitui o nome, até nos chequezinhos das editoras, etc.