quarta-feira, agosto 08, 2007

TEXTO RECUPERADO


CORRIDA CONTRA O DESTINO
Título original: “Vanishing Point”
Realização: Richard Sarafian (EUA, 1971) Intérpretes: Barry Newman, Cleavon Little, Dean Jagger, Victoria Medlin, etc. Distribuição: Fox Filmes; Estreia: Cinema Berna (20.10.1971)

Ex-herói do Vietname, ex-polícia, ex-cidadão bem comportado de uma ex-democracia, Kowalski é agora um ex-corredor profissional, um outsider que se entretém a entregar carros, levando-os de uma costa à outra dos E. U. A.
Numa sexta-feira qualquer Kowalski apostou levar de Denvèr a S. Francisco um “Dodge Challenger”. E a corrida inicia-se. Com ela a transgressão. Transgressão gratuita que se transforma em algo de sistemático. É o jogo onde tudo se arrisca por coisa nenhuma. Ou, quem sabe, por uma irreal sensação de liberdade. De liberdade que nunca se teve. Que nunca se alcança dessa forma. Mas mesmo assim, sensação de liberdade... Como alguém dirá no filme, Kowalski “não sabe se calhar para onde vai, mas interessa-lhe saber, apenas, quem o irá parar...”

Nessa corrida desenfreada, Kowalski vai transgredindo regras, leis, atirando para a berma da estrada carros de polícia, patrulhas de guardas, desportistas com sede de competição, pesados camiões de indústria, enormes máquinas de redigir decretos ao longo das estradas... Encontrará um pouco de tudo, estará do lado dos consumidores de drogas (que como ele também fogem, sabe-se lá como e de quê?), dos “híppies”, dos negros, dos velhos camponeses deserdados... Pela frente terá a polícia, os linchadores de negros, os legisladores, todos aqueles que vão traçando, pelas estradas, linhas de conduta... E a corrida prossegue, num ajuste de contas individual, suicida, fatal...

Na sua solidão, Kowalski contará com a solidariedade de um cego negro Super Soul, locutor do mais popular programa de todo o "Far-West”, que irá criar para o seu “herói” a imagem de uma bandeira de liberdade, por que se baterá também... E pela qual irá sofrer igualmente no corpo as consequências do risco que aceitou correr. Este o esquema de “Corrida contra o Destino”, filme de Richard Sarafian (de quem apenas conhecíamos “Livre como o Vento”, outra curiosa defesa da liberdade...). Trocadas as motos pelo “Dodge Challenger”, “Vanishing Point” aproxima-se demasiado de “Easy Ridder”, mantendo, aliás, semelhanças de estilo com muitas outras películas de jovens1 americanos, como “Destinos Opostos”, “Em Busca da Felicidade”, “The Pursuit of Happiness”, etc. É evidente o mesmo olhar de desencanto e amargura frente à realidade social americana, tanto em Dennis Hopper, como em Peter Fonda, Bob Raffelsson, Robert Mulligan e agora Richard Sarrafian. Após as feridas que a carne não esquece, fica o desespero de não saber por onde ir…

Apesar de extremamente interessante, digamos mesmo importante, “Corrida contra o Destino” não é um filme isento de falhas. As suas limitações principiam logo pela base donde parte, que deve ter sido um considerável “subsídio” ou “apoio” da “Dodge” para se realizar um filme para glória desta marca. Assiste-se, assim, a uma curiosa situação, que pressupõe contradições de toda a espécie: uma empresa capitalista financia um filme que, em princípio, põe em causa o próprio sistema que o alimenta. Sarafian jogou um jogo difícil e nem sempre se soube desenvencilhar dele. Sobretudo durante toda a primeira parte, “Vanishing Point” quase não deixa de ser o puro elogio de uma marca de automóveis. Aliás, para além deste aspecto, (ou por causa dele) a película não consegue engrenar até perto de meio. Característica que depois se vai diluindo progressivamente, até terminar em tom maior, num crescendo de densidade insuspeita nas cenas principais.
Com alguns defeitos, mas também com inequívoca importância no panorama do moderno cinema americano, “Vanishing Point” aí fica. Um filme a ver.
Lauro António, in “Diário de Lisboa, 22 de Outubro de 1971

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