quinta-feira, novembro 29, 2007

TEATRO: A NOITE DA IGUANA

"A NOITE DE IGUANA",
NO TEATRO E NO CINEMA

No Teatro Maria Matos, unicamente durante cinco dias, a encenação de João Paulo Costa, de "A Noite da Iguana", peça de Tennessee Williams, numa produção conjunta daquele teatro e do ACE/Teatro do Bolhão. O Porto desceu a Lisboa, o que deveria acontecer por mais vezes.
Não me parece que “The Night of Iguana” seja uma das melhores peças de Tennessee Williams, mas sei que deu um belíssimo e intenso filme com a assinatura de John Huston e desempenhos memoráveis de Richard Burton, Ava Gadner, Sue Lyon e, sobretudo, dessa espantosa Deborah Kerr. Era um elenco explosivo. Conta-se que o velho e divertido cineasta (um dos meus preferidos!), antes de iniciar as filmagens com tão “poderoso” elenco (e ainda com a presença de Elisabeth Taylor, a “controlar” o seu então marido) resolveu presentear os protagonistas, e também Elisabeth Taylor, com uma pistola e quatro balas douradas onde haviam sido previamente gravados os nomes dos demais actores. Felizmente, ninguém chegou a precisar de usá-las. Mas isto dizia bem, ainda que de forma irónica, do grau de tensão que existia entre o elenco. O mesmo se verificou entre as personagens, no resultado final.
A intriga não tem muito que contar. Lawrence Shannon (Richard Burton), ex-pastor protestante e admirador de uma boa bebida, trabalha agora como guia turístico, e dirige uma excursão formada por professoras bem entradotas na idade, que se fazem acompanhar por uma jovem, Charlotte Goodall (Sue Lyon, a “Lolita” de Kubrick), obcecada em seduzir o ex-sacerdote.
Tudo se irá concentrar numa perdida aldeia da costa mexicana, num motel a cair de podre, com uma vista soberba, dirigido por uma viúva que se faz acompanhar nos seus banhos nocturnos por dois efebos a tocar marimbar (é o mínimo que se pode antever). Aí se juntam em refúgio Lawrence Shannon, mais o grupo de excursionistas enraivecidas, dirigidas por uma recalcada e puritana Miss Fellowes (Grayson Hall), que não perdoa a Lawrence ter seduzido, ou ter sido seduzido, pela jovem Charlotte. Para culminar surge uma outra dupla extravagante e falida, composta por Hannah Jelkes (Deborah Kerr) uma pintora empreendedora, e o seu avô, poeta, que arrasta os seus muitos anos numa cadeira de rodas.
O ex-padre ressente-se da fé abalada, esforça-se para juntar os pedaços de uma vida despedaçada, e vê-se encurralado por três mulheres que o cortejam cada uma à sua maneira. Neste jogo de vida ou de morte, de salvação ou perdição, Huston conseguia alguns bons momentos de quente sensualidade na tumultuosa paisagem mexicana. Os actores ajudavam bastante a retirar tensão dramática neste embate de destroços, mas o talento de Huston apadrinhava muito na direcção de actores, e no aproveitamento das suas potencialidades, enquadrando-os em excelentes cenários, fabulosamente fotografados a preto e branco. Nos Óscares do ano ganharia um para o melhor guarda-roupa, Dorothy Jeakins, e foi nomeado para outros três que não venceu, melhor actriz secundária, Grayson Hall, melhor direcção artística, Stephen B. Grimes, e melhor fotografia, para mestre Gabriel Figueroa.
Ora voltando à peça teatral agora vista em palcos de Lisboa, deve dizer-se que a cenografia de Paulo Oliveira é bonita e funcional, os figurinos de Ana Teresa Castelo interessantes, a iluminação eficaz, mas tudo o resto deixa algo a desejar. Nunca se sente qualquer tensão entre as personagens, o drama arrasta-se em lugar de ir criando um crescendo dramático, o elenco (de que fazem parte António Capelo, Carlos Peixoto, Estrela Novais, Hélio Sequeira, José Pinto, Nídia Cardoso, Pedro Damião, Romi Soares, Sandra Salomé e Silvano Magalhães), raras vezes causa um sobressalto. Duas excepções: José Pinto, com uma figura brilhante, uma presença com uma força interior que ofusca tudo o mais e sobressai de forma estrondosa da mediania reinante (o seu avô poeta é de longe muito superior ao do filme!), e uma Romi Soares que se irá acompanhar com redobrado interesse. Estrela Novais tenta aproximar-se da figura criada por Ava Gadner, mas nunca o consegue, o mesmo acontecendo com António Capelo em relação a Richard Burton.
Creio que o erro maior não será tanto dos actores, mas sobretudo da encenação que não consegue nunca criar tensão entre as figuras, nem logra uma direcção de actores à altura da proposta. Óbvio que o desafio era imenso: esta é uma peça difícil, onde só grandes desempenhos conseguem tornar plausíveis personagens e situações. Não aconteceu. Foi pena.

12 comentários:

Ana Paula Sena disse...

Tennessee Williams: de tudo o que conheço dele, não há nada que eu não aprecie intensamente! :)

lapisvoador disse...

Alô? Alô? Daqui fala o Porto.O senhor Lauro António anda por aí? É só para lhe transmitir que existem (como deve saber) algumas diferenças entre a representação cénica e a cinematográfica. Pois é, a crítica à "noite da Iguana" uma produção da ACE-TB|Maria Matos desta vez foi demasiado redutora, para não dizer primária! vá-se lá entender as comparações. Talvez o sr. Lauro António deva separar melhor o palco do plateau. Para ser sincero, bem lá no fundo, cheira à velha superioridade, que é como quem diz Lisbonite Crónica...
Fique Excelência, por agora, com cordiais e respeitosos cumprimentos.

Lápis Voador

Lauro António disse...

Não sei quem demonstra maior "velha superioridade" ou "velho provincianismo", se o autor um texto amável para um espectáculo falhado (que acontece ao melhor!), se um portuense que não tolera um crítica.
Mas engana-se sobretudo numa coisa de certeza, "Lapis Voador": adoro o Porto, e vi ai alguns dos maiores erspectáculos da minha vida.
Quanto às diferenças entre cinema e teatro, poupe-me, por favor.

velha gaiteira disse...

caro lauro,

gosto sempre de passar por aqui. é como ir pela av de roma abaixo, em direcção ao "cinema Londres".

que me dizes das luzecas dos enfeites natalícios do nosso bairro ?

velha gaiteira disse...

Ah,
e delirei com o teu comentário
sobre um portuense que não tolera uma crítica !
DELIREI !

Anónimo disse...

"Creio que o erro maior não será tanto dos actores...", "esta é uma peça difícil, onde só grandes desempenhos conseguem tornar plausíveis personagens e situações."
Só gostava que houvesse decisão quanto à tal "culpa".
Penso que o seu post não é uma crítica mas sim uma forma de criticar. Realmente fala mais no filme que na própria peça. E desde já entendemos que o seu forma é o cinema e não o teatro.
Cinema é aquilo. Teatro nem sempre.
Há que saber quem é o autor e nem sempre e somente o realizador.
Por detrás de um argumento, seja ele qual for, pode haver sempre uma parte real sobre a qual se escreve. Neste caso, há que investigar.
Pode não ter sido uma das melhores peças de T.W., mas escreveu-a com um intuito. E é esse intuito que conta, assim como o objectivo de levar à cena.
Trata-se aqui de uma resposta à crítica dos media. Em que a crítica nunca era sobre o seu trabalho mas sim sobre a sua vida pessoal, nomeadamente a sua homossexualidade.
Responde aqui que a sexualidade não é crime. Crime é o ódio, a violência e a guerra.
Encena-se com o próprio objectivo de um filme dentro do teatro, e por isso a imagem cinematográfica em cena. Nunca o cinema em teatro mas o teatro em filme.
O filme perde na história, mais concretamente o 3º acto, que se completa com a peça em palco e também se conseguiu isso.
Não sei se leu a peça. Pois como toda a gente sabe, textos adaptados ao cinema perdem a qualidade da história e o que se quer passar. Tanto ao nível do que os olhos vêm como do que o coração deve sentir.
E foi isso que passou. É uma peça que toca a todos, que nos serve como lição de vida. De um naturalismo extremo que nada ficou aquém. Os actores brilharam dentro de um cenário fantástico. O tempo de peça foi largo mas o resultado foi bom.

Nunca queira comparar representações de filmes com teatro. Pode vir a enganar-se.
Quanto àquela parte do comentário sobre o porto, era escusado.
Ah! Uma curiosidade: Já alguma vez representou?

Continuação de boas críticas.

O Rapé.

Lauro António disse...

Meus caros (ou meu caro), o que escrevi, está escrito, não sei se é crítica ou não, nem quero saber. Não me interessa. Foi uma opinião. Que mantenho, cada vez com maior certeza no que escrevi.
Não fui só eu a sentir a encenação da peça assim. Posso assegurar que foram muitos espectadores. Curiosamente, alguns do Porto, que vivem em Lisboa, e com quem falei no final. Mas poderia ter sido só eu a sentir o que senti, e não alterava uma virgula.
Acontece que não vejo qual o problema: acha que todos devem pensar da mesma forma? Não? Ok, estamos entendidos.
Eu não gostei desta versão teatral (sim, li quase todo o Tennessee Williams, que tenho comigo; sim, acredite que percebi mais ou menos todas as suas peças!). Você gostou. Felicidade a sua. Eu teria gostado muito de gostar. Quando vou ver um espectáculo é mesmo para gostar, se não não vou. Não sou masoquista.
Quanto às relações entre teatro e cinema, não vamos falar sobre isso, não vale a pena.

Anónimo disse...

pois, não fala porque não domina as diferenças. :)
é engraçado escrever e criticar sem nunca ter experimentado seja o que for.
Passar bem!

Lauro António disse...

Meu caro "anónimo": se não fosse tolo gostava de ser o quê? Valho-o Deus!

lapisvoador disse...

Alô? Alô? Desta vez da Provincia!Vim a Liboa, aliás, como se pode verificar!
Espectaculo falhado?!?!? Perspectivas de visão, ou melhor de sensibilidade artistica! Mas é preferivel ser-se "provinciano" e conseguir perceber a simplicidade de saber representar, do que um ser que se sente "superior", mas com grande dificulade de ... não encontro uma definição...

Lapis Voador e Gracinha

velha gaiteira disse...

Lauro,

Bom Natal, com muita sáude e calor humano!

Abraços da

velha gaiteira

velha gaiteira disse...

Lindinho,

Beijocas de
BOM ANO
para ti!