sábado, janeiro 19, 2008

CINEMA: JOGOS DE PODER

JOGOS DE PODER
Em “Jogos de Poder” aparece um agente da CIA que por várias vezes tenta contar uma história que nós só ouviremos, na integra, no fim do filme. Uma história metafórica, é óbvio, sobre uma criança e um mestre Zen. A criança conta que lhe ofereceram um cavalo, o que, diz, é óptimo. O mestre acrescenta: “Veremos!”. A criança caiu do cavalo e partiu uma perna e lamentou-se da desgraça. O mestre Zen: “Veremos”. As crianças foram chamadas para a guerra, excepto aquela que estava com a perna partida, e ficou feliz: “Veremos!”, voltou a concluir o mestre. Concluir, não, suspender, esta a verdade que o mestre Zen procurava difundir. Ou seja, nada é definitivo, ou se preferirem, nunca se sabe o eco dos nossos actos. Julgamos por vezes estar a fazer algo muito preciso, e as circunstâncias futuras se encarregarão de demonstrar que não é bem assim que as coisas serão nesse tal futuro.
Por exemplo: em inícios da década de 80, nos EUA, em pleno reinado do republicano Ronald Reagan, existiu (existiu mesmo, assim como existiram os actos descritos no filme, asseguram argumentista e demais responsáveis) um senador democrata do Texas, de nome Charlie Wilson, solteirão, pouco conhecido da comunicação social, mas não nos corredores do poder, dado a mulheres e álcool, e sem problemas de o assumir. Foi Tom Hanks quem explicou as pretensões de Charlie Wilson quanto á forma de ser apresentado no filme: “Não me importo que me mostrem bêbado, a consumir drogas ou a dormir com mulheres. Nada disso me importa porque, provavelmente, fiz essas coisas. Mas, acima de tudo, quero que se retrate de forma fiel a importância da missão." A “missão” era a sua assumida luta contra o comunismo internacional. Por essa altura os soviéticos estavam metidos no Afeganistão até às orelhas, mas a guerrilha “mujahidina” não desarmava, resistia, apesar dos milhares de baixas que a aviação moscovita provocava. Eram aviões e helicópteros de último modelo contra armas da I Guerra Mundial. Um massacre.
Charlie Wilson (Tom Hanks) dirigia uma comissão para apoio a guerrilhas anti-comunistas. Depois de falar e ser (duplamente) seduzido pelas palavras (e não só!) da multimilionária texana Joanne Herring (Julia Roberts), que organizava soirées muito concorridas para angariar fundos para a luta contra a URSS, Charlie compreende que a luta do povo do Afeganistão tem de ter um outro apoio e percebe igualmente que uma derrota soviética nas montanhas rochosas do Médio Oriente poderia ser o início do fim para o inimigo nº 1 dos EUA.
Com o apoio de Gust Avrakotos (Philip Seymour Hoffman), um irado e subaproveitado agente da CIA, consegue duplicar, quadruplicar, e voltar a quadruplicar o orçamento de apoio aos afegãos, permitindo-lhes um armamento à altura da situação, que inverteu por completo os dados da questão. Poucos anos passados, os soviéticos saem daquele País com o peso de um derrota humilhante, e não faltou muito para a queda do muro de Berlim, da própria URSS e do pacto de Varsóvia. O Leste Europeu desmoronava-se perante esta vitória em toda a linha de alguns falcões americanos. Verdade? “Veremos”, teria dito o mestre Zen. E viu-se. A URSS acabou-se, mas os americanos descobriram um novo 31, abastecido por armas por si oferecidas. Começou no 11 de Setembro, passou pelo Afeganistão, onde re-encontraram os “talibans”, antes por si armados e treinados, já vai no Iraque, nada dos diz que não atravesse o Irão e assim por diante. “Catastrófico?” “Veremos”, mas nada de bom se augura.
Esta história de três pessoas combativas e muito persuasivas parece ficção política, mas é verdade. Ao que nos dizem tudo aconteceu assim. O que mostra também de que forma se pode fazer (e se faz!) política. Se acontece assim nos EUA, por que não acontecer um pouco por todo o lado? Uma dama bonita e rica, muito dada a guerras em nome de Deus, um senador fogoso, um agente da CIA que se julga injustamente colocado na prateleira. Uma guerra por aí e uma louca necessidade de nela intervir. O que teria sido melhor para o futuro da Humanidade? “Veremos!”
O que já vimos foi uma brilhante comédia assinada por um realizador de fina ironia e de brilhante direcção de actores. O mesmo brilhante realizador que há anos era vilipendiado por alguma crítica que agora exulta. O mesmo que se iniciou no cinema, em 1966, com uma adaptação da peça de Edward Albee, “Who's Afraid of Virginia Woolf?”, a que se seguiram, entre outros, “The Graduate” (1967), “Catch-22” (1970), “Carnal Knowledge” (1971), “The Fortune” (1975), Silkwood (1983), Biloxi Blues (1988), “Working Girl” (1988), onde descobriu Julia Roberts, “Postcards from the Edge” (1990), “Regarding Henry” (1991), “Wolf” (1994), “The Birdcage” (1996), “
Primary Colors” (1998) “Angels in America” (TV) (2003), até chegar ao cintilante “Closer” (2004). Um homem de grande cultura e inteligência, com um humor corrosivo e uma ironia fina, um dos melhores encenadores de teatro americanos, e um fantástico director de actores.
Com argumento de Aaron Sorkin, Segundo obra de George Crile, “Charlie Wilson's War: The Extraordinary Story of the Largest Covert Operation in History”, “Jogos de Poder” (que se chama no original, “Charlie Wilson’s War”, “A Guerra de Charlie Wilson”, numa tradução à letra) mostra a elegante eficácia do cineasta, e a mestria do seu trabalho com três actores de eleição, Tom Hanks, Julia Roberts, e Philip Seymour Hoffman. Se todos aparecerem nomeados nada espanta. São três interpretações magníficas, de um virtuosismo invulgar, marcadas por (quase) imperceptíveis expressões, por gestos e olhares esboçados, por sorrisos de um breve sarcasmo que nos enche de alegria e prazer. Representar assim é uma sublime arte. Mas todo o elenco é óptimo e todo o filme é um regalo para a inteligência e o espírito. Não é uma obra-prima? Pois talvez não. Mas que importa? Quanto ao resto: “veremos!”

Mike Nichols
JOGOS DE PODER
Título original: Charlie Wilson's War
Realização: Mike Nichols (EUA, 2007); Argumento: Aaron Sorkin, segundo obra de George Crile; Música: James Newton Howard; Fotografia (cor): Stephen Goldblatt; Montagem: John Bloom, Antonia Van Drimmelen; Casting: Ellen Lewis; Design de produção: Victor Kempster; Direcção artística: Maria-Teresa Barbasso, Brad Ricker, Alessandro Santucci; Decoração: Nancy Haigh, Alessandra Querzola; Guarda-roupa: Albert Wolsky; Maquilhagem: Luisa Abel, Janice Alexander; Direcção de produção: Moncef Belam, Gregg Edler, Nigel Marchant, Cristen Carr Strubbe; Assistentes de realização: Noureddine Aberdine, Rosemary C. Cremona, Antoine Douaihy, Basil Grillo, Mustapha Grumij, Michael Haley, Matthew Heffernan, Mohamed Nesrate, Mark Trapenberg, Nathalie Vadim; Departamento de arte: Martin Charles, Gina B. Cranham, Charlotte Raybourn, Marco Trentini, Bruce West; Som: Christopher Atkinson, Ron Bochar, Nourdine Zaoui; Efeitos especiais: Wesley Barnard, Caimin Bourne, John C. Hartigan, Andy Williams; Efeitos visuais: Richard Edlund, Helena Packer, Liz Radley, Liz Ralston, Robert Skotak, Sarah Vinson; Produção: Tom Hanks, Gary Goetzman, Michael Haley, Mary Bailey, Celia D. Costas, Edward Hunt, Ryan Kavanaugh, Paul A. Levin, Jeff Skoll; Companhias de produção: Good Time Charlie Productions, Universal Pictures, Playtone, Participant Productions, Relativity Media;
Intérpretes: Tom Hanks (Charlie Wilson), Amy Adams (Bonnie Bach), Julia Roberts (Joanne Herring), Philip Seymour Hoffman (Gust Avrakotos), Terry Bozeman, Brian Markinson ... Paul Brown), Jud Tylor ... Crystal Lee), Hilary Angelo, Cyia Batten, Kirby Mitchell, Ed Regine, Daniel Eric Gold, Emily Blunt, Peter Gerety, Wynn Everett, Mary Bonner Baker, Rachel Nichols, Shiri Appleby, P.J. Byrne (Jim Van Wagenen), John Slattery (Henry Cravely), Thomas Crawford, Joe Roland, Patrika Darbo, Amanda Loncar, Salaheddine Ben Chegra, Om Puri (Presidente Zia), Faran Tahir (Rashid), Rizwan Manji (Mahmood), Maurice Sherbanee, Salam Sangi, Navid Negahban,Mozhan Marnò, Habib Saba, Nadia Miller, Michelle Arthur, Shila Vossugh Ommi, Edward Hunt, Michael Haley, Denis O'Hare (Harold Holt), Michael Spellman, Russell Edge, Christopher Denham (Mike Vickers), Joseph Sikora, Gabriel Tigerman, Patrick Bentley, Marc Pelina, Ken Stott (Zvi), Tracy Phillips, Aharon Ipalé, Ned Beatty (Doc Long), Mary Bailey, Trish Gallaher Glenn, Ron Fassler, Enayat Delawary, Nancy Linehan Charles, Daston Kalili, Pavel Lychnikoff, Ilia Volokh, Alexander Lvovsky, Sammy Sheik, Moneer Yaqubi, Gabriel Justice, Siyal Mohammad, Quill Roberts, Jim Jnsen, Harry S. Murphy, Spencer Garrett, Kevin Cooney, Ambria Miscia, Dan Rather, Rachel Style, etc.
Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia:3 de Janeiro de 2008 (Portugal)

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