A MULHER CERTA
Há dias disse-vos aqui que andava a ler “A Mulher Certa”, de Sándor Márai Depois de ter lido de Márai “As Velas Ardem até ao fim” (excelente) e “A Herança de Eszter” (bastante bom), “A Mulher Certa” impõe-o como um dos grandes escritores do século passado. Um crime, o silêncio a que foi votado durante todos estes anos.
Quem foi Sándor Márai? Nasceu em 1900, em Kassa, uma pequena cidade húngara que hoje pertence à Eslováquia. Passou um período de exílio voluntário na Alemanha e na França durante o regime de Horthy nos anos 20, até que abandonou definitivamente o seu país em 1948 com a chegada do regime comunista, tendo emigrado para os Estados Unidos. A subsequente proibição da sua obra na Hungria fez cair no esquecimento quem nesse momento era considerado um dos escritores mais importantes da literatura centro-europeia. Foi preciso esperar várias décadas, até à queda do regime comunista, para que este extraordinário escritor fosse redescoberto no seu país e no mundo inteiro. Sándor Márai suicidou-se em 1989, em San Diego, na Califórnia, EUA.
Em 1941, Márai publicou “Az Igazi” (A Mulher Certa), um romance composto por dois longos monólogos. Para a edição alemã de 1949 (“Wandlungen der Ehe”), o autor adicionou uma terceira parte, escrita durante o seu exílio em Itália. Em 1980 rescreveu esta terceira parte, à qual adicionou um epílogo, dando-a à estampa com o título “Judit... és az utóhang” (Judit... e um epílogo). A presente edição lançada em Portugal reúne as quatro partes que constituem este “work in progress”.
Este é um daqueles romances que se lê de um fôlego e se vai deixando de lado para durar. Percebem? Queremos ler rapidamente até ao fim, mas não queremos que acabe. Queremos estar envoltos naquelas palavras, dialogar co aquelas personagens, conhecer a cidade, os locais, mas não queremos que tal acabe já. Quanto mais lemos, mais lamentamos as poucas páginas que faltam. São raros livros assim.
Sandor Marai é escritor elegante de palavra, subtil na anotação, lança-se na psicologia das personagens com agilidade e sabedoria, cruza o romance histórico e a meditação filosófica, oferece-nos uma Budapeste que se entranha, fala-nos da guerra e da política, do horror e do amor, e, no final, suicida-se no exílio. Não há salvação? Será mesmo este um pessimista desesperado? Pelas páginas de “A Mulher Certa” perpassa um pouco (ou muito) da condição humana, mas a forma como Sandor Marai escreve, por si só, é motivo suficiente para acreditar. Se não for em nada mais, na arte da utilização da palavra.
Numa cafetaria de Budapeste, uma mulher, nova, bonita, desejável, relata a uma amiga como descobriu que o marido a traía com a recordação de alguém que ficara para trás na sua vida. Conta como o tentou reconquistar em vão e como tudo se precipitou para o divórcio. Na mesma cidade, o marido dialoga, mais tarde, com um amigo, e explica como o seu casamento, que tinha tudo para ser feliz, ruiu e ele se deixou levar por uma paixão antiga. Funesta. No terceiro monólogo, numa pequena pensão romana, entra a segunda mulher desse homem a confessar a um amante como foi a sua vida com o marido. Desde ressentimento e vingança, passando por uma luta de classes que se insinua nas relações amorosas, até chegar à história íntima de Budapeste esventrada por várias guerras, há de tudo, com ferocidade e raiva. Finalmente, anos depois, num bar de uma cidade americana, fala-se de jazz e de um exilado húngaro. Marika, Péter e Judit descrevem com realismo e uma desencantada tristeza a falência das suas relações. Não há mulher certa, como não há amor que resista, como não há felicidade possível. Uma obra de uma terrível solidão, de total desencontro com a vida, mas onde, apesar de tudo, se respira.
No Natal, ofereci este livro, que foi dos que mais me tocou nos últimos tempos, a várias familiares e amigas (calhou serem só mulheres, é certo!). Veremos a reacção das que leram.
Quem foi Sándor Márai? Nasceu em 1900, em Kassa, uma pequena cidade húngara que hoje pertence à Eslováquia. Passou um período de exílio voluntário na Alemanha e na França durante o regime de Horthy nos anos 20, até que abandonou definitivamente o seu país em 1948 com a chegada do regime comunista, tendo emigrado para os Estados Unidos. A subsequente proibição da sua obra na Hungria fez cair no esquecimento quem nesse momento era considerado um dos escritores mais importantes da literatura centro-europeia. Foi preciso esperar várias décadas, até à queda do regime comunista, para que este extraordinário escritor fosse redescoberto no seu país e no mundo inteiro. Sándor Márai suicidou-se em 1989, em San Diego, na Califórnia, EUA.
Em 1941, Márai publicou “Az Igazi” (A Mulher Certa), um romance composto por dois longos monólogos. Para a edição alemã de 1949 (“Wandlungen der Ehe”), o autor adicionou uma terceira parte, escrita durante o seu exílio em Itália. Em 1980 rescreveu esta terceira parte, à qual adicionou um epílogo, dando-a à estampa com o título “Judit... és az utóhang” (Judit... e um epílogo). A presente edição lançada em Portugal reúne as quatro partes que constituem este “work in progress”.
Este é um daqueles romances que se lê de um fôlego e se vai deixando de lado para durar. Percebem? Queremos ler rapidamente até ao fim, mas não queremos que acabe. Queremos estar envoltos naquelas palavras, dialogar co aquelas personagens, conhecer a cidade, os locais, mas não queremos que tal acabe já. Quanto mais lemos, mais lamentamos as poucas páginas que faltam. São raros livros assim.
Sandor Marai é escritor elegante de palavra, subtil na anotação, lança-se na psicologia das personagens com agilidade e sabedoria, cruza o romance histórico e a meditação filosófica, oferece-nos uma Budapeste que se entranha, fala-nos da guerra e da política, do horror e do amor, e, no final, suicida-se no exílio. Não há salvação? Será mesmo este um pessimista desesperado? Pelas páginas de “A Mulher Certa” perpassa um pouco (ou muito) da condição humana, mas a forma como Sandor Marai escreve, por si só, é motivo suficiente para acreditar. Se não for em nada mais, na arte da utilização da palavra.
Numa cafetaria de Budapeste, uma mulher, nova, bonita, desejável, relata a uma amiga como descobriu que o marido a traía com a recordação de alguém que ficara para trás na sua vida. Conta como o tentou reconquistar em vão e como tudo se precipitou para o divórcio. Na mesma cidade, o marido dialoga, mais tarde, com um amigo, e explica como o seu casamento, que tinha tudo para ser feliz, ruiu e ele se deixou levar por uma paixão antiga. Funesta. No terceiro monólogo, numa pequena pensão romana, entra a segunda mulher desse homem a confessar a um amante como foi a sua vida com o marido. Desde ressentimento e vingança, passando por uma luta de classes que se insinua nas relações amorosas, até chegar à história íntima de Budapeste esventrada por várias guerras, há de tudo, com ferocidade e raiva. Finalmente, anos depois, num bar de uma cidade americana, fala-se de jazz e de um exilado húngaro. Marika, Péter e Judit descrevem com realismo e uma desencantada tristeza a falência das suas relações. Não há mulher certa, como não há amor que resista, como não há felicidade possível. Uma obra de uma terrível solidão, de total desencontro com a vida, mas onde, apesar de tudo, se respira.
No Natal, ofereci este livro, que foi dos que mais me tocou nos últimos tempos, a várias familiares e amigas (calhou serem só mulheres, é certo!). Veremos a reacção das que leram.
11 comentários:
Esta sua frase,
"...Não há mulher certa, como não há amor que resista, como não há felicidade possível."
tocou-me...
(Também me ofereceram este livro no Natal... ainda não o li, confesso... mas fiquei curiosa.)
Vou tomar nota, nada li deste autor. Para folhear e até ler em altura mais certa. Pq agora não me está a apetecer ouvir q não existe a mulher certa, a pessoa certa e q as relações estão votadas ao fim, mesmo q seja em ficção (?...)
abraço.
Queremos ler rapidamente até ao fim, mas não queremos que acabe. Queremos estar envoltos naquelas palavras, dialogar co aquelas personagens, conhecer a cidade, os locais, mas não queremos que tal acabe já. Quanto mais lemos, mais lamentamos as poucas páginas que faltam.... Como podes expressar exatamente o que sinto e o modo como se passam as coisas qd leio certos livros? Deve ser coisa de leitores, leitores devem ser categorizados em vários tipos e, talvez, (não seja isso muita pretensão da minha parte), talvez possamos pertencer a categorias muito próximas, não ouso dizer a mesma.
A propósito, queres meu endereço? Ninguém me ofereceu esse livro pelo Natal e eu preencho pelo menos um dos requisitos... pertencer ao sexo feminino...:)
Beijo,
PS:é tão bom ler tuas descrições seja de filmes ou de livros! Sempre apetece mergulhar neles na primeira oportunidade.
menina marota: é um prazer ter-te por aqui.
Ida, não és sou mulher, és amiga. Manda o endereço pelas vias tradicionais. Por aqui mando-te um beijos transatlântico.
tu sabes. e mais, e importante, sabes mostrar que vale a pena ler.
beijo Lauro!
B.
Está a falar de um dos meus autores favoritos. Acho que LA lhe apreendeu a alma.
Dele, só li ainda "As Velas..." mas o livro a que se refere este post já está encomendado e o outro também estou a tentar encontrá-lo...
Um abraço.
Ps: vai ser difícil fazer o comentário a "A Mulher certa", poque penso que o Lauro já disse tudo o que havia para dizer do livros e do Autor...
:-)
Conheço o autor, mas desconheço a obra.
Descuido meu...
Engraçado, já várias pessoas me aconselharam a ler este livro e agora fiquei definitivamente convencida pois achei interessante este "work in progress" como muito bem disse. Dele só li há pouco tempo "as velas ardem até ao fim" e gostei imenso.
Boa semana :)
ps - gostei deste blog e tenciono voltar, posso?
È parecida com a minha tia Lígia.
Gostava de ler.
Chuac!_
Não me foi oferecido este livro pelo Natal mas, seguramente, que, muito brevemente, o irei oferecer a mim própria. Sou uma leitora um pouco compulsiva e fiquei curiosíssima. Como estou mesmo a acabar "O Maçon de Viena", vem mesmo a calhar. Não conheço nada deste autor mas tomei nota dos títulos que mencionou no poste. Se este me agradar, como espero, lerei os outros também.
Obrigada
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