Mostrar mensagens com a etiqueta Sandor Marai. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sandor Marai. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, janeiro 24, 2008

LIVROS: SÁNDOR MÁRAI, V

AINDA SOBRE SÁNDOR MÁRAI,
“A MULHER CERTA”,
AS DUAS ALEXANDRAS
E O “PÚBLICO”
Já por duas vezes aqui escrevi sobre “A Mulher Certa”, e por quatro sobre Sándor Márai. Serve a presente quinta vez para referir uma excelente aproximação da obra de Márai, aparecida no último “Ípsilon”, suplemento semanal (sai à sexta feira), do jornal “Público”, onde Alexandra Lucas Coelho fala de Sándor Márai e do seu “Inventário de um Mundo”, três páginas que recolhem muita informação sobre o autor húngaro e muitos testemunhos de tradutores da obra deste escritor que “foi famoso, foi esquecido e voltou a ser famoso.” Texto bom de ler, é verdade. Mas, faltava qualquer coisa. Fui descobri-la meia dúzia de páginas à frente, no mesmo suplemento, numa “Viagem de Bolso”, da mesma Alexandra, intitulada “San Diego, 21 de Fevereiro de 1989”. Este sim, um texto assumidamente pessoal, apaixonado e apaixonante, digno do melhor desta Alexandra que conheço desde adolescente, e que sempre me seduziu pela sua inteligência e sensibilidade. Ambas visíveis nesta coluna confessional, onde a jornalista deixa entrever a admiração pelo escritor, pelo seu exílio na América, pelo desgosto profundo (causado pela perca de L., que poderá ter sido a “sua mulher certa”, e do filho adoptivo de ambos, mortos quase em simultâneo), e, finalmente, pelo programado suicídio do escritor que compra uma arma e aprende tiro num treino policial, antes de desferir um golpe certeiro na cabeça. Texto esplêndido, sobre um livro magnífico e um escritor que merece rara estima. Vale a pena ler. (dia 18 de Janeiro de 2007, data do jornal).
Curiosamente, esta Alexandra é amiga, foi colega de estudos, é camarada de profissão e de jornal de uma outra Alexandra (esta Prado Coelho), a quem ofereci no Natal um dos seis exemplares de “A Mulher Certa” que comprei pretendendo difundir o mesmo prazer que eu sentira ao lê-lo, agora estendendo-o a familiares e amigas nessa quadra. O Natal é isto.
Estas Alexandras nunca me enganaram. O “Público” tem coisas de que gosto menos, é certo, mas muitas de que gosto muito. As Alexandras estão neste último caso. Ambas com Márai nos olhos.

domingo, janeiro 20, 2008

LIVROS: A MULHER CERTA

A MULHER CERTA

Há dias disse-vos aqui que andava a ler “A Mulher Certa”, de Sándor Márai Depois de ter lido de Márai “As Velas Ardem até ao fim” (excelente) e “A Herança de Eszter” (bastante bom), “A Mulher Certa” impõe-o como um dos grandes escritores do século passado. Um crime, o silêncio a que foi votado durante todos estes anos.
Quem foi Sándor Márai? Nasceu em 1900, em Kassa, uma pequena cidade húngara que hoje pertence à Eslováquia. Passou um período de exílio voluntário na Alemanha e na França durante o regime de Horthy nos anos 20, até que abandonou definitivamente o seu país em 1948 com a chegada do regime comunista, tendo emigrado para os Estados Unidos. A subsequente proibição da sua obra na Hungria fez cair no esquecimento quem nesse momento era considerado um dos escritores mais importantes da literatura centro-europeia. Foi preciso esperar várias décadas, até à queda do regime comunista, para que este extraordinário escritor fosse redescoberto no seu país e no mundo inteiro. Sándor Márai suicidou-se em 1989, em San Diego, na Califórnia, EUA.
Em 1941, Márai publicou “Az Igazi” (A Mulher Certa), um romance composto por dois longos monólogos. Para a edição alemã de 1949 (“Wandlungen der Ehe”), o autor adicionou uma terceira parte, escrita durante o seu exílio em Itália. Em 1980 rescreveu esta terceira parte, à qual adicionou um epílogo, dando-a à estampa com o título “Judit... és az utóhang” (Judit... e um epílogo). A presente edição lançada em Portugal reúne as quatro partes que constituem este “work in progress”.
Este é um daqueles romances que se lê de um fôlego e se vai deixando de lado para durar. Percebem? Queremos ler rapidamente até ao fim, mas não queremos que acabe. Queremos estar envoltos naquelas palavras, dialogar co aquelas personagens, conhecer a cidade, os locais, mas não queremos que tal acabe já. Quanto mais lemos, mais lamentamos as poucas páginas que faltam. São raros livros assim.
Sandor Marai é escritor elegante de palavra, subtil na anotação, lança-se na psicologia das personagens com agilidade e sabedoria, cruza o romance histórico e a meditação filosófica, oferece-nos uma Budapeste que se entranha, fala-nos da guerra e da política, do horror e do amor, e, no final, suicida-se no exílio. Não há salvação? Será mesmo este um pessimista desesperado? Pelas páginas de “A Mulher Certa” perpassa um pouco (ou muito) da condição humana, mas a forma como Sandor Marai escreve, por si só, é motivo suficiente para acreditar. Se não for em nada mais, na arte da utilização da palavra.
Numa cafetaria de Budapeste, uma mulher, nova, bonita, desejável, relata a uma amiga como descobriu que o marido a traía com a recordação de alguém que ficara para trás na sua vida. Conta como o tentou reconquistar em vão e como tudo se precipitou para o divórcio. Na mesma cidade, o marido dialoga, mais tarde, com um amigo, e explica como o seu casamento, que tinha tudo para ser feliz, ruiu e ele se deixou levar por uma paixão antiga. Funesta. No terceiro monólogo, numa pequena pensão romana, entra a segunda mulher desse homem a confessar a um amante como foi a sua vida com o marido. Desde ressentimento e vingança, passando por uma luta de classes que se insinua nas relações amorosas, até chegar à história íntima de Budapeste esventrada por várias guerras, há de tudo, com ferocidade e raiva. Finalmente, anos depois, num bar de uma cidade americana, fala-se de jazz e de um exilado húngaro. Marika, Péter e Judit descrevem com realismo e uma desencantada tristeza a falência das suas relações. Não há mulher certa, como não há amor que resista, como não há felicidade possível. Uma obra de uma terrível solidão, de total desencontro com a vida, mas onde, apesar de tudo, se respira.
No Natal, ofereci este livro, que foi dos que mais me tocou nos últimos tempos, a várias familiares e amigas (calhou serem só mulheres, é certo!). Veremos a reacção das que leram.