sábado, outubro 04, 2008

LIVROS: BEIJOS DE LUZ

“Nada sei sobre as minhas origens. Nasci em Paris, filho de mãe incógnita e o meu pai fotografava as heroínas. Pouco antes de morrer, confiou-me que eu devia a minha existência a um beijo cinematográfico.” O protagonista chama-se Gilles Hector e, por morte do pai, Jean Hector, famoso director de fotografia nos anos 60 - 70, que iluminou todos os rostos do melhor cinema francês, e ainda de Fellini e Antonioni, Woody Allen e muitos mais, resolve descobrir quem foi a sua mãe, perseguindo-a nos filmes para que o pai criou uma luz tão especial. Advogado, passa horas perdido nas solitárias salas de arte e ensaio onde correm os filmes da “nouvelle vague”, interrogando-se se Anouk Aimée, Delphine Seyrig, Jeanne Moreau, Anna Karina ou Catherine Deneuve seriam ou poderiam ser a sua mãe, que nunca conheceu. Ou mesmo Audrey Hepburn.
Numa dessas sessões conhece uma mulher que se torna uma obsessão amorosa para ele, Mayliss. Por entre sessões de cinema, cafés, o seu apartamento ou a casa de Mayliss, quando o marido desta se ausenta, explode uma paixão tórrida. Descrita de forma muito contida, mas muito sensual. Gilles divide-se, ou une-se?, em busca de duas mulheres enigmáticas, a mãe e Mayliss. Um jogo de espelhos, entre os ecrãs dos cinemas e as esplanadas de Paris, entre apartamentos, entre mulheres, entre investigações que se cruzam, se justapõem, se anulam. A luz dos filmes que o pai iluminou acende fogos por casas por onde vão passando estes amantes embriagados pelo seu desejo.
Um dia, porém, a luz apaga-se, Mayliss afasta-se para sempre na recordação de Gilles. Deixa-a à porta de casa, quando ela esperava/desejava que ele a levasse para um hotel. È o fim das ilusões, e das procuras. É a morte de um amor, o fim de uma obsessão: “Estupefacta, olhou para mim. Havia luz às janelas da sua casa. Eu disse: “Esperam-te”, e depois o táxi arrancou na direcção de Notre-Dame, quilómetro zero. No retrovisor, a silhueta de Mayliss torna-se minúscula.” Assim passam por nós os amores, assim nos libertamos de obsessões que nos amarraram anos de vida.
Belíssimo romance de Eric Fottorino, “A Luz dos Beijos”, editado pela Teorema, numa tradução de Carlos João Correia Monteiro de Oliveira. Eric Fottorino, que vai estar em Lisboa, para o lançamento da edição portuguesa, no dia 21 de Outubro, no IFP, venceu, em 2007, o prémio Femina, e é o actual director do jornal “Le Monde”.
Uma revelação que li sem parar, iluminando-me os dias e as noites, com essa luz sensível de um director de fotografia, ou de um escritor inspirado, que fala do amor e do mistério, do desejo, do cinema e da mulher, presença obsessiva, quer seja mãe ou amante. Uma delicada e fulgurante descoberta. Para quem ama o cinema e a luz que modela os rostos das actrizes, para quem gosta da mulher, para quem sofre por amor, para quem saboreia simplesmente um grande livro. Não percam. Saiu há dias.