EXPOSIÇÃO DA IMPRENSA
O Cinema nasceu oficialmente em França em 1895. A 28 de Dezembro. Faz cento e treze anos daqui a poucos dias. A História do Cinema Português tem menos um ano, nasceu aqui, no Porto, quando Aurélio da Paz dos Reis filmou a saída da Fábrica Confiança, à semelhança do que um ano antes tinham feito os irmãos Lumière, na Fábrica Lumière. Oliveira não era ainda nascido, mas pouco faltava.
Curiosamente, em 1912, quando surge no Porto, a primeira revista de cinema de que se tem registo, a “Cine Revista”, dirigida por Lopes Teixeira, com edição de A. de Matos, Oliveira já deixara de gatinhar e possivelmente corria pelos corredores da casa dos pais com um carrinho de corridas de madeira, outra das suas paixões.
A história da Imprensa Cinematográfica Portuguesa não é particularmente brilhante e teve poucos momentos de certa importante. Curiosamente, ou não, a verdade é que sendo Portugal uma pequena cinematografia com muitos hiatos e raros períodos de florescimento, nada mais normal do que a sua imprensa especializada reflectir esse aspecto. Mas também se poderá ver o problema de forma inversa. Quase todos os países que tiveram e têm forte presença cinematográfica editaram grandes jornais, mas sobretudo revistas preponderantes, a promoverem essas cinematografias. Em França, “Cahiers du Cinema” e “Positif”, em Inglaterra “Sight and Sound”, em Itália, “Cinema Nuovo”, em Espanha, “Nuestro Cine” e “Primeiro Plano”, na América, “Variety” e tantas outras. Cada uma dessas revistas definiu-se como porta-voz de uma cinematografia de uma corrente estética, de um caminho que conheceu o triunfo, que se impôs e conseguiu impor cinematografias nacionais. Em Portugal nunca houve um revista que tenha conseguido furar o bloqueio exterior, que tenha ultrapassado fronteiras, que tenha ajudado a criar e a impor uma cinematografia. Fomos sempre mais dados a importar filmes estrangeiros e a publicitá-los bem nas nossas revistas, do que em fomentar uma indústria e uma arte e a exportá-la. Julgo que ambas as questões estão indissociavelmente ligadas: nunca houve imprensa forte porque nunca houve forte cinematografia; nunca houve cinematografia impositiva porque nunca existiu uma imprensa que a impusesse.
Mas houve alguns momentos em que os homens de cinema de certas épocas tentaram criar uma cinematografia e uma imprensa cinematográfica fortes e coesas, ambas a puxarem para o mesmo lado. Houve alturas ao longo da nossa história do cinema, em que se tentou ora criar uma indústria, ora impor uma cinematografia individualizada, personalizada e esteticamente distinta. Nessas alturas existiram revistas que procuram sublinhar esse aspecto e valorizá-lo junto dos seus criadores e técnicos, como junto do seu público. Na década de 20 do século passado, seria Manoel de Oliveira jovem e entusiástico espectadores de obras do mudo, que para sempre lhe marcaram a sensibilidade e o querer ser cineasta, no Porto, apareceu a Invicta Filmes que, com técnicos e artistas quase sempre importados de França e de Itália, tentou criar uma cinematografia portuguesa. O nosso “mudo” nunca foi particularmente excitante em termos artísticos, mas esta iniciativa marcou o seu tempo, Houve mesmo uma revista, que durou de 1923 a 1936, que se chamou “Invicta Cine”, que teve como directores sucessivamente Carlos Moreira e Roberto de Magalhães. Também no Porto, Rino Lupo, um dos estrangeirados que a Invicta acolheu, dirigiu “Arte Muda”, em 1928.
Em Lisboa, por essa época, multiplicando-se igualmente as tentativas: aparecia a primeira série de “Cinéfilo”, dirigida entre 1928 e 1939, por Avelino de Almeida, até 1932, e depois por Augusto Fraga. Seria um título a ter várias séries, e quase sempre com importante contributo, como iremos ver posteriormente. São ainda desse tempo, “Imagem”, de Chianca de Garcia, o inesquecível autor de “A Aldeia da Roupa Branca”, revista que iria de 1930 a 1935; “Kino”, uma primeira tentativa do talentoso António Lopes Ribeiro, que durou dois anos (1930-1931), “Cinema”, de Alberto Armando Pereira, outra vez no Porto). Andava Oliveira já na faina fluvial, apresentado “Douro”, a primeira obra que iria provocar polémica e hoje se pode considerar uma obra-prima indiscutível.
António Lopes Ribeiro, que desde cedo considerou, e muito, Oliveira, voltava à carga em 1933 com “Animatógrafo”, Fernando Fragosa tentava o “Cine Jornal”, entre 1935 e 40, Armando de Miranda lançava “O Espectáculo”, em 1937, e António Lopes Ribeiro voltava à carga com uma segunda série de “Animatógrafo”, iniciada em 1940 e prolongada até 1942, ano em que Manoel de Oliveira assinava a sua segunda obra-prima, um filme rodado no Porto, que prenunciava o neo-realismo, com catraios que brincavam ao “Aniki Bobo”.
“Filmagem” foi outra revista que teve influência certa na imprensa cinematográfica portuguesa. A segunda série surgiu entre 1943-44, dirigida por Raul Faria da Fonseca, a terceira foi de 1945 a 47, com direcção de A. Cardoso Lopes, que voltaria a orientá-la, numa quarta série, até 1948. Destas revistas todas só tomei conhecimento delas muitos anos depois em alfarrabistas. Ou então folheando um pequenino opúsculo que, anos mais tarde, o Henrique Alves Costa me ofereceu. Chamava-se “Breve História da Imprensa Cinematográfica Portuguesa”, edição do Cine Clube do Porto. Livrinho precioso.
Mas a partir dos anos 50, já eu comprava e guardava religiosamente algumas. A popular “Plateia”, que iniciou a publicação em 1951, foi dirigida inicialmente por Luís Miranda, depois António Feio e finalmente Baptista Rosa, sob a direcção do qual comecei a escrever textos e entrevistar personalidades. Atravessou décadas, numa segunda série que sobreviveu até meados dos anos 80. Mais exigente, era “Imagem”, que reunia gente dos cine clubes e da resistência, e que teve igualmente duas fases, uma de 50 a 53, sob direcção do mesmo Baptista Rosa, outra que duraria de 54 a 61. Revista popular, foi ainda “Estúdio”, impressa em rotogravura, que sobressaía pela tonalidade castanha e um certo alinhamento com a politica do Estado Novo. Durou de 1959 até 1975, então já sob direcção de Boavida Portugal.
Por estes anos, Oliveira rodava alguns belíssimos documentários, de “O Pintor e a Cidade”, ao “Pão”, culminando com um “Acto da Primavera” que se integrava numa nova geração de cineastas portugueses, aqueles que apareceram nos anos 60 e foram considerados a geração Gulbenkian, também chamada de “Cinema Novo Português”.
Nas revistas que apareceram a seguir, em muitas delas fui colaborando. No “Celulóide”, editada em Rio Maior, por Fernando Duarte, que organizava o Festival do Filme Agrícola de Santarém, e que estendeu a sua publicação mensal de 1957 a 1984. Em 1959, apareceu a “Filme”, dirigida pelo saudoso Luís de Pina, onde escrevi pela primeira vez um texto sobre Roger Corman, que nessa altura ninguém conhecia.
A actividade dos Cine Clubes era intensa e repercutia-se nas revistas: já referi a “Imagem”, mas há a assinalar várias outras, mais ou menos directamente ligadas ao movimento, como, por exemplo, “Cadernos de Cinema” (Universitário de Lisboa), “Plano” (dedicados a cinema e teatro) ou “Cine Clube” (Cine Clube do Porto).
De 1971, durando apenas três números, um dos quais dedicado a Manuel de Oliveira, é “Enquadramento”, a primeira das minhas tentativas (frustradas) para editar e manter um revista de cinema em Portugal. As outras foram “Isto é Espectáculo”, que teve oito números, entre 1976 e 77; “Isto é Cinema”, os primeiros 12 números da minha responsabilidade, e “Vídeo Som”, que apanhei em andamento e de que dirigi dezena e meia de números.
Entretanto, voltando atrás, entre 1973 e 74 surgiu uma nova série da revista “Cinéfilo”, desta feita com orientação editorial de Fernando Lopes. Teve um destacado papel no relançamento da geração de 60 e na consolidação da liberdade no pós-25 de Abril.
Por essa altura, Oliveira regressara em força, com “O Passado e o Presente”, “Benilde ou a Virgem Mãe”, “Amor de Perdição”, “Francisca”, etc. Conta-se que por essa altura sempre que apresentava um projecto e concorria a um subsídio, por exemplo através do Centro Português de Cinema, os realizadores mais novos perfilavam-se respeitosamente e comentavam entre si: “Deixem-no rodar mais este filme, está velhote, nunca se sabe…” Na verdade, nunca se sabe. Felizmente, depois desses rodou mais de três dezenas.
Voltando às revistas. Após 1974, não houve muitas, mas apareceram algumas muito curiosas. O Porto sempre a dar cartas: “Cinema Novo”, direcção de Mário Dorminsky, aparece em 1978, policopiada, estando na base do Fantasporto; “Cinema”, inicio em 1982, órgão da Federação Portuguesa de Cineclubes; “A Grande Ilusão”, outra vez o Porto, direcção de José Henrique de Barros, edição do Cine Clube do Norte; “Arte 7”, publicada em Lisboa por Manuel Costa e Silva, em 1991; “Senso - Revista de Estudos Fílmicos”, dirigida por Abílio Hernandez, uma edição da Sala de Estudos Cinematográficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; “Premiére”, uma versão portuguesa de uma revista internacional com edições em vários países, que, apesar das condições de que dispunha, encontrou alguma dificuldade e suspendeu a publicação no passado ano e agora retomou com nova orientação. Continua a ser dirigida por José Vieira Mendes. Entretanto, à média de um filme por ano, Oliveira vai construindo uma obra impar e a impor o nome de Portugal pelos cinco continentes.
Mudou, porém, completamente nos últimos anos o perfil das revistas de cinema.
O lado mais popular de algumas, que se ocupavam principalmente das vedetas, foi ocupado pelas revistas cor-de-rosa;
A dificuldade de conseguir um público que as mantenha continua a ser enorme, num país pequeno como o nosso, e com pouca apetência para revistas de cultura;
A concorrência da Internet, dos sites de cinema e dos blogues que proliferam, por vezes com excelentes comentários, reduz o campo de interesse dos potenciais leitores, que colhem lá fora notícias fresquinhas;
O cinema português, única realidade que poderia justificar uma revista de cinema em Portugal, para o discutir e o promover, quando tem interesse é muito elitista, quando é popular é pimba e o público que o vê, na sua generalidade, não quer saber de crítica, de história ou de ensaísmo cinematográfico. Quer consumir sem mais.
Logo, neste momento só vislumbro três hipóteses de subsistirem revistas de cinema em Portugal.
Uma é o exemplo da “Premiére”, uma “franchise” internacional que se destina essencialmente a veicular a predominante produção anglófona, ainda que seja de justiça referir que tem assegurado sempre páginas para a produção portuguesa;
A segunda é a existência de revistas de crítica e ensaísmo, que debatam, historiem, critiquem com uma profundidade incomportável na Internet, e destinadas obviamente a um público minoritário;
A terceira é a edição on line. Para dar um exemplo, em Portugal, nesta altura existe uma muito interessante, dirigida por José Soares, com o título “Take”, e o endereço http://take.com.pt/.
Chegamos assim ao dia de hoje, 10 de Dezembro de 2008, neste Museu da Imprensa, na cidade do Porto, onde se inaugura esta Exposição de Imprensa Cinematográfica Portuguesa. Enquanto nós estamos aqui a recordar um pouco da História antiga, em Lisboa, um Senhor, à beira de completar cem anos, continua a filmar. “Singularidades de uma rapariga Loura”, segundo Eça de Queirós. Curiosamente uma novela que eu próprio tive contrato firmado com a RTP, em meados dos anos 80, para adaptar a telefilme, no interior de uma série chamada “Histórias de Mulheres” (que eram oito, de início, mas fui obrigado a reduzir a quatro, pois cada nova história me trazia um prejuízo de centenas de contas!).
Os que amam o cinema e os que amam a vida te saudamos daqui, do Porto, neste dia. Boa sorte, Oliveira, e parabéns.
Porto, Museu da Imprensa, pelas 16 horas do dia 10 de Dezembro de 2008
CINEMATOGRÁFICA PORTUGUESA
A convite de Luís Humberto, director do Museu da Imprensa, que há anos funciona (e bem!) ali para os lado do Freixo, no Porto, fui no passado dia 10 inaugurar uma Exposição da Imprensa Cinematográfica Portuguesa. O texto que então li, aqui fica como memória, mas sobretudo como homenagem a Manoel de Oliveira.
Não é por acaso que nos encontramos aqui hoje, a inaugurar uma exposição sobre a Imprensa Portuguesa de Cinema, neste Museu da Imprensa, na cidade do Porto. Claro que poderia ser por uma razão que tivesse a ver única e exclusivamente com a importância desta imprensa cinematográfica no contexto cultural português. Justificava-se por si só. Mas tudo leva a crer que inaugurar esta exposição um dia antes de Manuel de Oliveira completar cem anos, e dois dias antes dele ter sido registado na Conservatória quererá dizer alguma coisa. Obviamente que estamos na presença de uma homenagem ao mais conhecido, e reconhecido, cineasta português de toda a História do nosso cinema. A que gostosamente eu me associo, nestas curtas palavras que me solicitaram para dar por aberta ao público esta exposição.O Cinema nasceu oficialmente em França em 1895. A 28 de Dezembro. Faz cento e treze anos daqui a poucos dias. A História do Cinema Português tem menos um ano, nasceu aqui, no Porto, quando Aurélio da Paz dos Reis filmou a saída da Fábrica Confiança, à semelhança do que um ano antes tinham feito os irmãos Lumière, na Fábrica Lumière. Oliveira não era ainda nascido, mas pouco faltava.
Curiosamente, em 1912, quando surge no Porto, a primeira revista de cinema de que se tem registo, a “Cine Revista”, dirigida por Lopes Teixeira, com edição de A. de Matos, Oliveira já deixara de gatinhar e possivelmente corria pelos corredores da casa dos pais com um carrinho de corridas de madeira, outra das suas paixões.
A história da Imprensa Cinematográfica Portuguesa não é particularmente brilhante e teve poucos momentos de certa importante. Curiosamente, ou não, a verdade é que sendo Portugal uma pequena cinematografia com muitos hiatos e raros períodos de florescimento, nada mais normal do que a sua imprensa especializada reflectir esse aspecto. Mas também se poderá ver o problema de forma inversa. Quase todos os países que tiveram e têm forte presença cinematográfica editaram grandes jornais, mas sobretudo revistas preponderantes, a promoverem essas cinematografias. Em França, “Cahiers du Cinema” e “Positif”, em Inglaterra “Sight and Sound”, em Itália, “Cinema Nuovo”, em Espanha, “Nuestro Cine” e “Primeiro Plano”, na América, “Variety” e tantas outras. Cada uma dessas revistas definiu-se como porta-voz de uma cinematografia de uma corrente estética, de um caminho que conheceu o triunfo, que se impôs e conseguiu impor cinematografias nacionais. Em Portugal nunca houve um revista que tenha conseguido furar o bloqueio exterior, que tenha ultrapassado fronteiras, que tenha ajudado a criar e a impor uma cinematografia. Fomos sempre mais dados a importar filmes estrangeiros e a publicitá-los bem nas nossas revistas, do que em fomentar uma indústria e uma arte e a exportá-la. Julgo que ambas as questões estão indissociavelmente ligadas: nunca houve imprensa forte porque nunca houve forte cinematografia; nunca houve cinematografia impositiva porque nunca existiu uma imprensa que a impusesse.
Mas houve alguns momentos em que os homens de cinema de certas épocas tentaram criar uma cinematografia e uma imprensa cinematográfica fortes e coesas, ambas a puxarem para o mesmo lado. Houve alturas ao longo da nossa história do cinema, em que se tentou ora criar uma indústria, ora impor uma cinematografia individualizada, personalizada e esteticamente distinta. Nessas alturas existiram revistas que procuram sublinhar esse aspecto e valorizá-lo junto dos seus criadores e técnicos, como junto do seu público. Na década de 20 do século passado, seria Manoel de Oliveira jovem e entusiástico espectadores de obras do mudo, que para sempre lhe marcaram a sensibilidade e o querer ser cineasta, no Porto, apareceu a Invicta Filmes que, com técnicos e artistas quase sempre importados de França e de Itália, tentou criar uma cinematografia portuguesa. O nosso “mudo” nunca foi particularmente excitante em termos artísticos, mas esta iniciativa marcou o seu tempo, Houve mesmo uma revista, que durou de 1923 a 1936, que se chamou “Invicta Cine”, que teve como directores sucessivamente Carlos Moreira e Roberto de Magalhães. Também no Porto, Rino Lupo, um dos estrangeirados que a Invicta acolheu, dirigiu “Arte Muda”, em 1928.
Em Lisboa, por essa época, multiplicando-se igualmente as tentativas: aparecia a primeira série de “Cinéfilo”, dirigida entre 1928 e 1939, por Avelino de Almeida, até 1932, e depois por Augusto Fraga. Seria um título a ter várias séries, e quase sempre com importante contributo, como iremos ver posteriormente. São ainda desse tempo, “Imagem”, de Chianca de Garcia, o inesquecível autor de “A Aldeia da Roupa Branca”, revista que iria de 1930 a 1935; “Kino”, uma primeira tentativa do talentoso António Lopes Ribeiro, que durou dois anos (1930-1931), “Cinema”, de Alberto Armando Pereira, outra vez no Porto). Andava Oliveira já na faina fluvial, apresentado “Douro”, a primeira obra que iria provocar polémica e hoje se pode considerar uma obra-prima indiscutível.
António Lopes Ribeiro, que desde cedo considerou, e muito, Oliveira, voltava à carga em 1933 com “Animatógrafo”, Fernando Fragosa tentava o “Cine Jornal”, entre 1935 e 40, Armando de Miranda lançava “O Espectáculo”, em 1937, e António Lopes Ribeiro voltava à carga com uma segunda série de “Animatógrafo”, iniciada em 1940 e prolongada até 1942, ano em que Manoel de Oliveira assinava a sua segunda obra-prima, um filme rodado no Porto, que prenunciava o neo-realismo, com catraios que brincavam ao “Aniki Bobo”.
“Filmagem” foi outra revista que teve influência certa na imprensa cinematográfica portuguesa. A segunda série surgiu entre 1943-44, dirigida por Raul Faria da Fonseca, a terceira foi de 1945 a 47, com direcção de A. Cardoso Lopes, que voltaria a orientá-la, numa quarta série, até 1948. Destas revistas todas só tomei conhecimento delas muitos anos depois em alfarrabistas. Ou então folheando um pequenino opúsculo que, anos mais tarde, o Henrique Alves Costa me ofereceu. Chamava-se “Breve História da Imprensa Cinematográfica Portuguesa”, edição do Cine Clube do Porto. Livrinho precioso.
Mas a partir dos anos 50, já eu comprava e guardava religiosamente algumas. A popular “Plateia”, que iniciou a publicação em 1951, foi dirigida inicialmente por Luís Miranda, depois António Feio e finalmente Baptista Rosa, sob a direcção do qual comecei a escrever textos e entrevistar personalidades. Atravessou décadas, numa segunda série que sobreviveu até meados dos anos 80. Mais exigente, era “Imagem”, que reunia gente dos cine clubes e da resistência, e que teve igualmente duas fases, uma de 50 a 53, sob direcção do mesmo Baptista Rosa, outra que duraria de 54 a 61. Revista popular, foi ainda “Estúdio”, impressa em rotogravura, que sobressaía pela tonalidade castanha e um certo alinhamento com a politica do Estado Novo. Durou de 1959 até 1975, então já sob direcção de Boavida Portugal.
Por estes anos, Oliveira rodava alguns belíssimos documentários, de “O Pintor e a Cidade”, ao “Pão”, culminando com um “Acto da Primavera” que se integrava numa nova geração de cineastas portugueses, aqueles que apareceram nos anos 60 e foram considerados a geração Gulbenkian, também chamada de “Cinema Novo Português”.
Nas revistas que apareceram a seguir, em muitas delas fui colaborando. No “Celulóide”, editada em Rio Maior, por Fernando Duarte, que organizava o Festival do Filme Agrícola de Santarém, e que estendeu a sua publicação mensal de 1957 a 1984. Em 1959, apareceu a “Filme”, dirigida pelo saudoso Luís de Pina, onde escrevi pela primeira vez um texto sobre Roger Corman, que nessa altura ninguém conhecia.
A actividade dos Cine Clubes era intensa e repercutia-se nas revistas: já referi a “Imagem”, mas há a assinalar várias outras, mais ou menos directamente ligadas ao movimento, como, por exemplo, “Cadernos de Cinema” (Universitário de Lisboa), “Plano” (dedicados a cinema e teatro) ou “Cine Clube” (Cine Clube do Porto).
De 1971, durando apenas três números, um dos quais dedicado a Manuel de Oliveira, é “Enquadramento”, a primeira das minhas tentativas (frustradas) para editar e manter um revista de cinema em Portugal. As outras foram “Isto é Espectáculo”, que teve oito números, entre 1976 e 77; “Isto é Cinema”, os primeiros 12 números da minha responsabilidade, e “Vídeo Som”, que apanhei em andamento e de que dirigi dezena e meia de números.
Entretanto, voltando atrás, entre 1973 e 74 surgiu uma nova série da revista “Cinéfilo”, desta feita com orientação editorial de Fernando Lopes. Teve um destacado papel no relançamento da geração de 60 e na consolidação da liberdade no pós-25 de Abril.
Por essa altura, Oliveira regressara em força, com “O Passado e o Presente”, “Benilde ou a Virgem Mãe”, “Amor de Perdição”, “Francisca”, etc. Conta-se que por essa altura sempre que apresentava um projecto e concorria a um subsídio, por exemplo através do Centro Português de Cinema, os realizadores mais novos perfilavam-se respeitosamente e comentavam entre si: “Deixem-no rodar mais este filme, está velhote, nunca se sabe…” Na verdade, nunca se sabe. Felizmente, depois desses rodou mais de três dezenas.
Voltando às revistas. Após 1974, não houve muitas, mas apareceram algumas muito curiosas. O Porto sempre a dar cartas: “Cinema Novo”, direcção de Mário Dorminsky, aparece em 1978, policopiada, estando na base do Fantasporto; “Cinema”, inicio em 1982, órgão da Federação Portuguesa de Cineclubes; “A Grande Ilusão”, outra vez o Porto, direcção de José Henrique de Barros, edição do Cine Clube do Norte; “Arte 7”, publicada em Lisboa por Manuel Costa e Silva, em 1991; “Senso - Revista de Estudos Fílmicos”, dirigida por Abílio Hernandez, uma edição da Sala de Estudos Cinematográficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; “Premiére”, uma versão portuguesa de uma revista internacional com edições em vários países, que, apesar das condições de que dispunha, encontrou alguma dificuldade e suspendeu a publicação no passado ano e agora retomou com nova orientação. Continua a ser dirigida por José Vieira Mendes. Entretanto, à média de um filme por ano, Oliveira vai construindo uma obra impar e a impor o nome de Portugal pelos cinco continentes.
Mudou, porém, completamente nos últimos anos o perfil das revistas de cinema.
O lado mais popular de algumas, que se ocupavam principalmente das vedetas, foi ocupado pelas revistas cor-de-rosa;
A dificuldade de conseguir um público que as mantenha continua a ser enorme, num país pequeno como o nosso, e com pouca apetência para revistas de cultura;
A concorrência da Internet, dos sites de cinema e dos blogues que proliferam, por vezes com excelentes comentários, reduz o campo de interesse dos potenciais leitores, que colhem lá fora notícias fresquinhas;
O cinema português, única realidade que poderia justificar uma revista de cinema em Portugal, para o discutir e o promover, quando tem interesse é muito elitista, quando é popular é pimba e o público que o vê, na sua generalidade, não quer saber de crítica, de história ou de ensaísmo cinematográfico. Quer consumir sem mais.
Logo, neste momento só vislumbro três hipóteses de subsistirem revistas de cinema em Portugal.
Uma é o exemplo da “Premiére”, uma “franchise” internacional que se destina essencialmente a veicular a predominante produção anglófona, ainda que seja de justiça referir que tem assegurado sempre páginas para a produção portuguesa;
A segunda é a existência de revistas de crítica e ensaísmo, que debatam, historiem, critiquem com uma profundidade incomportável na Internet, e destinadas obviamente a um público minoritário;
A terceira é a edição on line. Para dar um exemplo, em Portugal, nesta altura existe uma muito interessante, dirigida por José Soares, com o título “Take”, e o endereço http://take.com.pt/.
Chegamos assim ao dia de hoje, 10 de Dezembro de 2008, neste Museu da Imprensa, na cidade do Porto, onde se inaugura esta Exposição de Imprensa Cinematográfica Portuguesa. Enquanto nós estamos aqui a recordar um pouco da História antiga, em Lisboa, um Senhor, à beira de completar cem anos, continua a filmar. “Singularidades de uma rapariga Loura”, segundo Eça de Queirós. Curiosamente uma novela que eu próprio tive contrato firmado com a RTP, em meados dos anos 80, para adaptar a telefilme, no interior de uma série chamada “Histórias de Mulheres” (que eram oito, de início, mas fui obrigado a reduzir a quatro, pois cada nova história me trazia um prejuízo de centenas de contas!).
Os que amam o cinema e os que amam a vida te saudamos daqui, do Porto, neste dia. Boa sorte, Oliveira, e parabéns.
Porto, Museu da Imprensa, pelas 16 horas do dia 10 de Dezembro de 2008
Fotos LA e MEC
1 comentário:
Obrigado pelo carinho.
Até breve...
Abraço.
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