AUSTRÁLIA
Baz LuhrmannBaz Luhrmann não tem sorte com a maioria dos críticos encartados. Quando os seus filmes se estreiam, por exemplo em Portugal, as primeiras opiniões são francamente desfavoráveis, depois com o passar do tempo e com as opiniões do comum dos espectadores que transformam os seus filmes em obras de culto, muitos dão a mão à palmatória, dão o dito por não dito, e aclamam os lançamentos em DVD, e outras coisas tais. Aconteceu em “Romeo + Julieta”, aconteceu de forma dramática com essa obra-prima chamada “Moulin Rouge”, volta a acontecer agora com este belíssimo e sumptuoso épico melodramático erigido em louvor da sua terra natal, “Austrália”
Como já perceberam, gosto muito do filme, ainda que não o considere uma obra-prima (mas que importa isso? que importa se um filme não é perfeito, quando nos sentimos tão bem na sua companhia?). Ora já convém saber o que me leva a gostar do filme, porque gostar só por gostar não interessa muito (a não ser numa perspectiva pessoal).
Vamos ver se consigo colocar aqui as principais razões. A primeira, porque se trata de um filme que gosta de contar histórias, que vive de contar histórias, o que se percebe logo desde o inicio quando uma criança aborígene australiana explica o que o mágico seu avô lhe confessou: “O mais importante do mundo é contar histórias”, porque ao contar histórias estamos a perpetuar a nossa História. Esta perspectiva de “contar histórias”, que começou por ser oral, passou à escrita e ao papel, e agora progride nas imagens e nos sons, é algo de fabuloso que urge preservar. “Contar histórias” pode ser tanta coisa, mas é sobretudo dialogar, ofertar saber, imaginação, e transformar o homem num ser “culto”. A cultura alimenta-se de histórias. Um filme que gosta de personagens que contam histórias é um filme que gosta de contar histórias, para um público que goste de ouvir histórias. Agrada-me. A seguir vem a história que Baz Luhrmann quer contar, o que pode ser observado sob vários pontos de vista. Mas há um que sobressai sobre todos os outros: Baz Luhrmann é australiano e ama a sua terra, a cor da paisagem, o pó dessa terra vermelha, ensanguentada, os pores-do-sol, a água que jorra em cascatas infinitas, as montanhas rasgadas a pique sobre desfiladeiros ou planícies, ama as vacas e os cavalos selvagens, ama a vida livre e selvagem, ama os mágicos que se sustentam do alto das montanhas só sobre um pé, ama as crianças que acreditam nos poderes sobrenaturais, ama os actores e os técnicos do seu país (o filme é quase integralmente criado por um elenco e uma equipa técnica australiana) e consegue transmitir-nos esse enorme amor a uma terra, uma cultura, uma história, uma realidade presente (que se torna “presente” através de uma história do passado recente). Fá-lo não de forma pretensiosa, mas com uma sinceridade que surpreende. Nada no filme soa a falso, nada faz lembrar um frete de encomenda (apesar do governo da Austrália, ao que se sabe, ter subsidiado em grande o filme, para fazer dele um cartão de visitas condigno). É, pois, uma parte da história da Austrália que Baz Luhrmann quer contar, ou, como confessou numa entrevista, “explicar aos filhos porque eles se devem orgulhar da sua terra.” Aos seus filhos e aos filhos de todo o mundo que olham esta gesta e se devem sentir ufanos não só de serem australianos, mas humanos. Porque esta é também uma história sobre a grandeza do homem. De um homem que para ser grande tem de ultrapassar barreiras ignóbeis criadas pelo próprio homem. Essa é já uma outra parte da história.
Estamos em 1939, a Alemanha nazi invadiu a Polónia e “O Feiticeiro de Oz” estreia-se nos cinemas, com Judy Garland a cantar “Over de Rainbow”. Sarah Ashley (Nicole Kidman), uma aristocrata inglesa, cujo marido se encontra na Austrália, criando gado e preparando-se para o vender ao exército, resolve viajar até Darwin, a cidade mais próxima de “Faraway Downs”, uma quinta de criação de cavalos e vacas, com terras a perder de vista, no norte do continente. Não é o marido que a recebe, mas o condutor de gado, Drover (Hugh Jackman). Sarah e Drover não simpatizam desde logo um com o outro, Sarah vem para esta terra inóspita carregada de malas, de preconceitos e de ideias estabelecidas (julga que o marido a trocou por alguma aborígene), mas lentamente descobre várias realidades encobertas, a primeira das quais que o senhor Ashley acabara de ser assassinado, que ela se encontra viúva numa terra estranha, que dirigir “Faraway Downs” vai ser matéria dura de roer, que existe nessa fazenda um miúdo, Nullah (Brandon Walters), órfão, que “não é preto nem branco” e foge das autoridades que o querem aprisionar e tornar escravo, por quem se vai tomar de amores. Escusado será dizer que por outros amores se tomará pelo condutor de gado. Mas antes há que referir a existência de um cruel e desapiedado administrador da quinta, Neil Fletcher (David Wenham) e o tenebroso latifundiário e proprietário de gado, King Carney (Bryan Brown), que não quer concorrentes neste campo e tudo faz para afastar Sarah e “Faraway Downs” do seu caminho. Mas quanto mais a enxotam, mais Sarah parece interessada em levar a sua avante, ou não fosse ela uma continuação das mulher abnegadas e de rija temperada que têm em Scarlett O’Hara modelo, tal como “Austrália” tem como paradigma “E Tudo o Vento Levou” (para lá de outras epopeias de um David Lean, por exemplo), e “Faraway Downs” recorda “Tara”. As semelhanças vão mais longe. Vejam-se as heroínas: uma sai da Irlanda para a América, jovem nação, que entra numa guerra de Norte contra o Sul, de irmãos contra irmãos; a outra viaja de Inglaterra, rumo à Austrália, onde vai descobrir igualmente os horrores de uma guerra devastadora, a II Guerra Mundial, com os japoneses a bombardearem e invadirem a Austrália, entrando por Darwin, que destroem por completo. Uma mulher “de rendas”, vinda do velho continente, que surpreende dentro de si as forças necessárias para levar a sua tarefa até ao fim, um condutor de gado que não aceita amarras nem conluios, uma criança que gosta de ouvir histórias, e à volta de tudo isto, exploradores de gado gananciosos, assassinos a soldo, padres vendidos, missões transformadas em bases de recrutamento de mão de obra escrava, preconceitos de raça, de sexo e de casta financeira, brancos, pretos e nem uma coisa nem outra, aborígenes que lentamente foram sendo dizimados, e a II Guerra Mundial a estoirar no centro das suas vidas. Uma história e tanto!
Mas o mais curioso é que Baz Luhrmann não pega na história de uma forma realista. Nada disso ou não fosse ele o autor de “Romeo + Julieta” e de “Moulin Rouge”. O que faz é precisamente recolher os estereótipos destas histórias melodramáticas e coser um puzzle onde tudo se apresenta conforme a convenção, para depois se reconduzir ao seu lugar mais realista. A inglesa (num novo continente) surge em Darwin carregada de malas azuis, de roupa interior rendada, de saltos altos, tremelicando ao andar nas ruas de terra batida, tal como a lenda diria que o que fora, assim acontecera. O “condutor de gado” anda à zaragata num bar como nos bons velhos tempos do Oeste, sozinho contra todos e acabando por vencer. O miúdo é salvo de ser espezinhado por uma manada de mil e quinhentas vacas por acção mágica. E, no entanto, pelo poder de contar uma história, ali estamos nós, comovidos e absortos, a rir intimamente com os estereótipos e a chorar por fora, que bem se ouviam os soluços na sala e os lenços amarfanhados nas mãos. Romântico até dizer chega (o par em contraluz numa baía de sonho, à noite, com as luzes da cidade a reflectirem-se na água), melodramático até às lágrimas (o reencontro final não deixa ninguém indiferente), bem intencionado até à medula (com a defesa dos fracos e dos oprimidos, dos negros e dos aborígenes, das mulheres e das crianças, e da liberdade do mundo), “Austrália” consegue ser tudo isso de uma forma tão galvanizante que, partindo da mentira do espectáculo que todos descobrem ser falso, acaba por atingir a verdade. A verdade dos travellings de Baz Luhrmann sobrevoando aquela terra mágica com uma beleza selvagem e pura. A verdade de um elenco extremamente bem dirigido, onde os momentos míticos, na linha do mais puro cinema clássico americano, surgem fulgurantes (deixemos de lado a presença de Nicole Kidman, que já conhecemos, e que se mantém igual a si própria, ou seja excelente sob todos os pontos de vista, e atentemos nas “aparições” do novo sex symbol do cinema, Hugh Jackman, que são escolhidas a preceito: toma banho para valorizar o tronco, numa cena certamente das mais épicas para o público feminino – e algum masculino; surge de súbito no cimo de uma escadaria, em impoluto fato branco, deslumbrando pelo inesperado; embrenhar-se nalguns dos beijos mais sensuais do cinema dos últimos anos; etc.). Depois temos a referência constante a “O Feiticeiro de Oz”, ao seu universo mágico, e ao prazer inesquecível de “regressar a casa”, depois da aventura e da tormenta. Todos, no filme, regressam a casa, a essa Austrália que os viu nascer e que os lançou no cinema mundial. Agora regressam agradecidos.
Talvez um pouco excessivamente longo, talvez um pouco desequilibrado, talvez um pouco … sei lá, não é uma obra-prima perfeita, mas é um daqueles filmes que dá um prazer danado ver. Por isso o cinema é grande.
AUSTRÁLIA
Título original: Australia
Director: Baz Luhrmann (Austrália, EUA, 2008); Argumento: Baz Luhrmann, Stuart Beattie, Ronald Harwood, Richard Flanagan; Produção: G. Mac Brown, Catherine Knapman, Baz Luhrmann, Catherine Martin, Paul 'Dubsy' Watters; Música: David Hirschfelder; Fotografia (cor): Mandy Walker; Montagem: Dody Dorn, Michael McCusker; Casting: Nikki Barrett, Ronna Kress; Design de produção: Catherine Martin; Direcção artística: Ian Gracie, Karen Murphy; Decoração: Beverley Dunn; Garda-roupa: Catherine Martin; Maquilhage: Simone Wajon, Kerry Warn; Direcção de produção: Aaron Downing, Simon Lucas; Assistentes de realização: Danielle Blake, Jeremy Grogan, Bruce Hunt, Jennifer Leacey, Scott Lovelock, Guy Norris, Simon Warnock; Departamento de arte: Kristen Anderson, Colette Birrell, Simon Elsley, Jenny Hitchcock; Som: Wayne Pashley; Efeitos especiais: Brian Cox, Thomas Van Koeverden; Efeitos visuais: Myles Asseter, Viv Baker, David Booth, Chris Godfrey, Danny Huerta, Gemma James, Chad Malbon, James E. Price, Peter Webb; Animação (cena de cangurus): Gerard Van Ommen Kloeke; Companhias de produção: Bazmark Films, Twentieth Century-Fox Film Corporation.
Intérpretes: Nicole Kidman (Lady Sarah Ashley), Hugh Jackman (Drover), Bryan Brown (King Carney), Brandon Walters (Nullah), Ray Barrett (Bull), David Wenham (Neil Fletcher), Ben Mendelsohn (Capitão Dutton), Sandy Gore (Gloria Carney), Jacek Koman (Ivan), Essie Davis (Cath Carney), Tony Barry, Tara Carpenter, Rebecca Chatfield, Lillian Crombie, Max Cullen, Arthur Dignam, Michelle Dyzla, Haidee Gaudry, Terence Gregory, David Gulpilil, Jamie Gulpilil, Peter Gwynne, Sean Hall, Joy Hilditch, Matthew Hills, Jimmy Hong, Bill Hunter, Jarwyn Irvin-Collins, Robert Jago, John Jarratt, Eugene Kang, Crusoe Kurddal, Liam Lannigan, Siena Larsson, Cody Lea, Jack Leech, Charles Leung, Jacob Linger, Mark Malabirr, John Martin, Logan Mattingley, Adam McMongial, Dylan Minggun, Phillippe Moon, Nyalik Munungurr, Patrick Mylott, David Ngoombujarra, Barry Otto, Angus Pilakui, Robin Queree, Mark Rathbone, Garry Scott, John Sheerin, Bruce Spence, Jack Thompson, Wah Yuen, Kerry Walker, Elaine Walker, Matthew Whittet, Ursula Yovich, Anthony Cogin, Anton Monsted, etc.
Duração: 165 minutos; Distribuição em Portugal: Filmes Castello Lopes; Classificação etária: M /12 anos; Estreia em Portugal: 25 de Dezembro de 2008 (Portugal).
Como já perceberam, gosto muito do filme, ainda que não o considere uma obra-prima (mas que importa isso? que importa se um filme não é perfeito, quando nos sentimos tão bem na sua companhia?). Ora já convém saber o que me leva a gostar do filme, porque gostar só por gostar não interessa muito (a não ser numa perspectiva pessoal).
Vamos ver se consigo colocar aqui as principais razões. A primeira, porque se trata de um filme que gosta de contar histórias, que vive de contar histórias, o que se percebe logo desde o inicio quando uma criança aborígene australiana explica o que o mágico seu avô lhe confessou: “O mais importante do mundo é contar histórias”, porque ao contar histórias estamos a perpetuar a nossa História. Esta perspectiva de “contar histórias”, que começou por ser oral, passou à escrita e ao papel, e agora progride nas imagens e nos sons, é algo de fabuloso que urge preservar. “Contar histórias” pode ser tanta coisa, mas é sobretudo dialogar, ofertar saber, imaginação, e transformar o homem num ser “culto”. A cultura alimenta-se de histórias. Um filme que gosta de personagens que contam histórias é um filme que gosta de contar histórias, para um público que goste de ouvir histórias. Agrada-me. A seguir vem a história que Baz Luhrmann quer contar, o que pode ser observado sob vários pontos de vista. Mas há um que sobressai sobre todos os outros: Baz Luhrmann é australiano e ama a sua terra, a cor da paisagem, o pó dessa terra vermelha, ensanguentada, os pores-do-sol, a água que jorra em cascatas infinitas, as montanhas rasgadas a pique sobre desfiladeiros ou planícies, ama as vacas e os cavalos selvagens, ama a vida livre e selvagem, ama os mágicos que se sustentam do alto das montanhas só sobre um pé, ama as crianças que acreditam nos poderes sobrenaturais, ama os actores e os técnicos do seu país (o filme é quase integralmente criado por um elenco e uma equipa técnica australiana) e consegue transmitir-nos esse enorme amor a uma terra, uma cultura, uma história, uma realidade presente (que se torna “presente” através de uma história do passado recente). Fá-lo não de forma pretensiosa, mas com uma sinceridade que surpreende. Nada no filme soa a falso, nada faz lembrar um frete de encomenda (apesar do governo da Austrália, ao que se sabe, ter subsidiado em grande o filme, para fazer dele um cartão de visitas condigno). É, pois, uma parte da história da Austrália que Baz Luhrmann quer contar, ou, como confessou numa entrevista, “explicar aos filhos porque eles se devem orgulhar da sua terra.” Aos seus filhos e aos filhos de todo o mundo que olham esta gesta e se devem sentir ufanos não só de serem australianos, mas humanos. Porque esta é também uma história sobre a grandeza do homem. De um homem que para ser grande tem de ultrapassar barreiras ignóbeis criadas pelo próprio homem. Essa é já uma outra parte da história.
Estamos em 1939, a Alemanha nazi invadiu a Polónia e “O Feiticeiro de Oz” estreia-se nos cinemas, com Judy Garland a cantar “Over de Rainbow”. Sarah Ashley (Nicole Kidman), uma aristocrata inglesa, cujo marido se encontra na Austrália, criando gado e preparando-se para o vender ao exército, resolve viajar até Darwin, a cidade mais próxima de “Faraway Downs”, uma quinta de criação de cavalos e vacas, com terras a perder de vista, no norte do continente. Não é o marido que a recebe, mas o condutor de gado, Drover (Hugh Jackman). Sarah e Drover não simpatizam desde logo um com o outro, Sarah vem para esta terra inóspita carregada de malas, de preconceitos e de ideias estabelecidas (julga que o marido a trocou por alguma aborígene), mas lentamente descobre várias realidades encobertas, a primeira das quais que o senhor Ashley acabara de ser assassinado, que ela se encontra viúva numa terra estranha, que dirigir “Faraway Downs” vai ser matéria dura de roer, que existe nessa fazenda um miúdo, Nullah (Brandon Walters), órfão, que “não é preto nem branco” e foge das autoridades que o querem aprisionar e tornar escravo, por quem se vai tomar de amores. Escusado será dizer que por outros amores se tomará pelo condutor de gado. Mas antes há que referir a existência de um cruel e desapiedado administrador da quinta, Neil Fletcher (David Wenham) e o tenebroso latifundiário e proprietário de gado, King Carney (Bryan Brown), que não quer concorrentes neste campo e tudo faz para afastar Sarah e “Faraway Downs” do seu caminho. Mas quanto mais a enxotam, mais Sarah parece interessada em levar a sua avante, ou não fosse ela uma continuação das mulher abnegadas e de rija temperada que têm em Scarlett O’Hara modelo, tal como “Austrália” tem como paradigma “E Tudo o Vento Levou” (para lá de outras epopeias de um David Lean, por exemplo), e “Faraway Downs” recorda “Tara”. As semelhanças vão mais longe. Vejam-se as heroínas: uma sai da Irlanda para a América, jovem nação, que entra numa guerra de Norte contra o Sul, de irmãos contra irmãos; a outra viaja de Inglaterra, rumo à Austrália, onde vai descobrir igualmente os horrores de uma guerra devastadora, a II Guerra Mundial, com os japoneses a bombardearem e invadirem a Austrália, entrando por Darwin, que destroem por completo. Uma mulher “de rendas”, vinda do velho continente, que surpreende dentro de si as forças necessárias para levar a sua tarefa até ao fim, um condutor de gado que não aceita amarras nem conluios, uma criança que gosta de ouvir histórias, e à volta de tudo isto, exploradores de gado gananciosos, assassinos a soldo, padres vendidos, missões transformadas em bases de recrutamento de mão de obra escrava, preconceitos de raça, de sexo e de casta financeira, brancos, pretos e nem uma coisa nem outra, aborígenes que lentamente foram sendo dizimados, e a II Guerra Mundial a estoirar no centro das suas vidas. Uma história e tanto!
Mas o mais curioso é que Baz Luhrmann não pega na história de uma forma realista. Nada disso ou não fosse ele o autor de “Romeo + Julieta” e de “Moulin Rouge”. O que faz é precisamente recolher os estereótipos destas histórias melodramáticas e coser um puzzle onde tudo se apresenta conforme a convenção, para depois se reconduzir ao seu lugar mais realista. A inglesa (num novo continente) surge em Darwin carregada de malas azuis, de roupa interior rendada, de saltos altos, tremelicando ao andar nas ruas de terra batida, tal como a lenda diria que o que fora, assim acontecera. O “condutor de gado” anda à zaragata num bar como nos bons velhos tempos do Oeste, sozinho contra todos e acabando por vencer. O miúdo é salvo de ser espezinhado por uma manada de mil e quinhentas vacas por acção mágica. E, no entanto, pelo poder de contar uma história, ali estamos nós, comovidos e absortos, a rir intimamente com os estereótipos e a chorar por fora, que bem se ouviam os soluços na sala e os lenços amarfanhados nas mãos. Romântico até dizer chega (o par em contraluz numa baía de sonho, à noite, com as luzes da cidade a reflectirem-se na água), melodramático até às lágrimas (o reencontro final não deixa ninguém indiferente), bem intencionado até à medula (com a defesa dos fracos e dos oprimidos, dos negros e dos aborígenes, das mulheres e das crianças, e da liberdade do mundo), “Austrália” consegue ser tudo isso de uma forma tão galvanizante que, partindo da mentira do espectáculo que todos descobrem ser falso, acaba por atingir a verdade. A verdade dos travellings de Baz Luhrmann sobrevoando aquela terra mágica com uma beleza selvagem e pura. A verdade de um elenco extremamente bem dirigido, onde os momentos míticos, na linha do mais puro cinema clássico americano, surgem fulgurantes (deixemos de lado a presença de Nicole Kidman, que já conhecemos, e que se mantém igual a si própria, ou seja excelente sob todos os pontos de vista, e atentemos nas “aparições” do novo sex symbol do cinema, Hugh Jackman, que são escolhidas a preceito: toma banho para valorizar o tronco, numa cena certamente das mais épicas para o público feminino – e algum masculino; surge de súbito no cimo de uma escadaria, em impoluto fato branco, deslumbrando pelo inesperado; embrenhar-se nalguns dos beijos mais sensuais do cinema dos últimos anos; etc.). Depois temos a referência constante a “O Feiticeiro de Oz”, ao seu universo mágico, e ao prazer inesquecível de “regressar a casa”, depois da aventura e da tormenta. Todos, no filme, regressam a casa, a essa Austrália que os viu nascer e que os lançou no cinema mundial. Agora regressam agradecidos.
Talvez um pouco excessivamente longo, talvez um pouco desequilibrado, talvez um pouco … sei lá, não é uma obra-prima perfeita, mas é um daqueles filmes que dá um prazer danado ver. Por isso o cinema é grande.
AUSTRÁLIA
Título original: Australia
Director: Baz Luhrmann (Austrália, EUA, 2008); Argumento: Baz Luhrmann, Stuart Beattie, Ronald Harwood, Richard Flanagan; Produção: G. Mac Brown, Catherine Knapman, Baz Luhrmann, Catherine Martin, Paul 'Dubsy' Watters; Música: David Hirschfelder; Fotografia (cor): Mandy Walker; Montagem: Dody Dorn, Michael McCusker; Casting: Nikki Barrett, Ronna Kress; Design de produção: Catherine Martin; Direcção artística: Ian Gracie, Karen Murphy; Decoração: Beverley Dunn; Garda-roupa: Catherine Martin; Maquilhage: Simone Wajon, Kerry Warn; Direcção de produção: Aaron Downing, Simon Lucas; Assistentes de realização: Danielle Blake, Jeremy Grogan, Bruce Hunt, Jennifer Leacey, Scott Lovelock, Guy Norris, Simon Warnock; Departamento de arte: Kristen Anderson, Colette Birrell, Simon Elsley, Jenny Hitchcock; Som: Wayne Pashley; Efeitos especiais: Brian Cox, Thomas Van Koeverden; Efeitos visuais: Myles Asseter, Viv Baker, David Booth, Chris Godfrey, Danny Huerta, Gemma James, Chad Malbon, James E. Price, Peter Webb; Animação (cena de cangurus): Gerard Van Ommen Kloeke; Companhias de produção: Bazmark Films, Twentieth Century-Fox Film Corporation.
Intérpretes: Nicole Kidman (Lady Sarah Ashley), Hugh Jackman (Drover), Bryan Brown (King Carney), Brandon Walters (Nullah), Ray Barrett (Bull), David Wenham (Neil Fletcher), Ben Mendelsohn (Capitão Dutton), Sandy Gore (Gloria Carney), Jacek Koman (Ivan), Essie Davis (Cath Carney), Tony Barry, Tara Carpenter, Rebecca Chatfield, Lillian Crombie, Max Cullen, Arthur Dignam, Michelle Dyzla, Haidee Gaudry, Terence Gregory, David Gulpilil, Jamie Gulpilil, Peter Gwynne, Sean Hall, Joy Hilditch, Matthew Hills, Jimmy Hong, Bill Hunter, Jarwyn Irvin-Collins, Robert Jago, John Jarratt, Eugene Kang, Crusoe Kurddal, Liam Lannigan, Siena Larsson, Cody Lea, Jack Leech, Charles Leung, Jacob Linger, Mark Malabirr, John Martin, Logan Mattingley, Adam McMongial, Dylan Minggun, Phillippe Moon, Nyalik Munungurr, Patrick Mylott, David Ngoombujarra, Barry Otto, Angus Pilakui, Robin Queree, Mark Rathbone, Garry Scott, John Sheerin, Bruce Spence, Jack Thompson, Wah Yuen, Kerry Walker, Elaine Walker, Matthew Whittet, Ursula Yovich, Anthony Cogin, Anton Monsted, etc.
Duração: 165 minutos; Distribuição em Portugal: Filmes Castello Lopes; Classificação etária: M /12 anos; Estreia em Portugal: 25 de Dezembro de 2008 (Portugal).
4 comentários:
Como já escrevi por aqui é um bom filme com uma excelente história,excelentes actores uma boa realização,uma boa fotografia, mas falta-lhe qualquer coisa para ser uma obra prima
Gosto de "mulheres de rendas"...
E habita-me,
momentaneamente... a melancolia.
Preciso de ir a um filme que não a trasmita.
Ainda bem que não te desagradou.
É um incentivo a uma próxima ida.
Tudo de bom para si
também neste ano
apesar do tempo que faz
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