sábado, janeiro 17, 2009

CINEMA: VIRTUDE FÁCIL

VIRTUDE FÁCIL
Noel Coward é um dos maiores escritores e dramaturgos ingleses, um homem de um humor corrosivo, mas fino e elegante, sarcástico e snob, mas absolutamente imprevisível. As suas obras criticam numa aparência ligeira os traumas mais profundos da natureza humana e, sobretudo, da sociedade britânica de início de século XX. Tal como Oscar Wilde, o escritor que nos parece que mais dele se aproxima, fez da “boutade” uma arte, do cinismo um modo de vida, do olhar sobranceiro sob os outros uma arte. Como ele próprio se definia, "my life really has been one long extravaganza”.
“Virtude Fácil” foi escrita em 1925, estreada com êxito no palco, logo passada a cinema por Alfred Hitchcock em 1928. Surge agora uma nova versão, com direcção de Stephan Elliott, cineasta australiano que há anos nos dera uma extravagância fabulosa, um musical “queer”, “As Aventuras de Priscila, a Rainha do Deserto”. Esta nova “Virtude Fácil” parece afastar-se de alguma forma do original (que desconhecemos), sobretudo introduzindo alguns anacronismos musicais, e envolvendo-a num olhar actual, muito embora os cenários respeitem escrupulosamente os loucos anos vinte.
A história passa-se quase toda ela numa casa de campo inglesa (o esplendoroso palacete dos falidos Whittaker), aonde regressa o filho da casa, o jovem John Whittaker (Ben Barnes), recém-casado com uma escultural americana, Larita (Jessica Biel), cujas maneiras chocam por completo com o puritanismo convencional e hipócrita da matriarca, Mrs. Whittaker (Kristin Scott Thomas), casada com o distante e cínico Mr. Whittaker (Colin Firth).
Tal como em muitas outras obras de finais do século XIX e inícios do XX, assiste-se a um confronto de duas culturas e duas civilizações: de um lado a vitoriana Inglaterra, com preceitos e preconceitos arreigados, do outro lado, uma estouvada e algo inocente América, que ousa abrir-se à novidade e à aventura e arrisca novos hábitos e uma mentalidade radicalmente diferente. Já “Daisy Miller”, de Henry James, falava do mesmo, mas há inúmeros autores a abordar o tema em diversos romances, peças, etc. O despertar da América, com o que era considerado o seu novo riquismo e a sua licenciosidade, não deixava de causar entraves na Velha Grã Bretanha. Esse o conflito central de “Easy Virtue”, que Noel Coward desenvolve com uma ironia cortante, um humor divertidíssimo, um diálogo brilhante, que a realização de Stephan Elliott serve eficazmente e um elenco soberbo transforma numa pequena pérola da arte de representar.
Este corpo a corpo entre uma indomável americana e uma castrante família com sete gerações de antepassados a tolher-lhe os movimentos é deliciosamente letal. As mulheres Whittaker, comandadas pela fria e seca mãe, não dão tréguas à bela americana que trás atrás de si um passado misterioso, que um dia é posto a descoberto. Mas os homens Whittaker têm, curiosamente comportamentos diferentes. O filho regressa a casa apaixonado, mas vai lentamente sendo absorvido pela conjura materna. Enquanto isso, o pai (um admirável Colin Firth) vai progressivamente aproximando-se da nora, até… um final mais ou menos previsível, ou de todo inesperado (conforme a perspectiva).
O humor instala-se logo desde as primeiras imagens, mas o riso nunca explode em gargalhadas, antes fica suspenso num sorriso que saboreia cada frase e uma vez por outra escorrega até à farsa (como na sequência de um antipático cãozinho que Larita, inadvertidamente, transforma em almofada). Uma belíssima comédia de costumes que terá passado um pouco desapercebida no volume de excelentes estreias deste inicio de 2009, mas que merece inteiramente a atenção do espectador.
VIRTUDE FÁCIL
Título original: Easy Virtue
Realização: Stephan Elliott (Inglaterra, 2008); Argumento: Stephan Elliott, Sheridan Jobbins, segundo peça de Noel Coward; Produção: Joseph Abrams, Paul Brett, Alexandra Ferguson, Louise Goodsill, Douglas Hansen, Ralph Kamp, Cindy Kirven, George McGhee, Peter Nichols, Tim Smith, James Spring, James D. Stern, Barnaby Thompson; Música: Marius De Vries; Fotografia (cor): Martin Kenzie; Montagem: Sue Blainey; Design de produção: John Beard; Direcção artística: Mark Scruton; Decoração: Niamh Coulter; Guarda-roupa: Charlotte Walter; Maquilhagem: Tamsin Dorling, Paul Gooch, Paul Mooney, Paula Price, Jeremy Woodhead; Direcção de Produção: Polly Duval, Charlie Simpson, Tim Wellspring; Assistentes de realização: James Chasey, Richard Goodwin, Christopher Newman, Carly Taverner; Som: Simon Gershon; Efeitos especiais: Mark Holt; Efeitos visuais: Simon Carr; Casting: Louis Elman; Companhias de produção: Ealing Studios, Fragile Films, Endgame Entertainment, BBC Films; Intérpretes: Jessica Biel (Larita Whittaker), Ben Barnes (John Whittaker), Kristin Scott Thomas (Mrs. Whittaker), Colin Firth (Mr. Whittaker), Kimberley Nixon (Hilda Whittaker), Katherine Parkinson (Marion Whittaker), Kris Marshall (Furber), Christian Brassington (Phillip Hurst), Charlotte Riley (Sarah Hurst), Jim McManus (Jackson), Pip Torrens (Lord Hurst), Georgie Glen (Mrs. Landrigin), Laurence Richardson (Marcus), etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Valentim de Carvalho; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 1 de Janeiro de 2009;

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