sábado, abril 11, 2009

COM VOTOS DE BOA PÁSCOA

:

TRÊS "OVOS DE PÁSCOA" PARA
AS AMIGAS E OS AMIGOS DA BLOGOSFERA

(Duas cantigas de “amor” e uma de “maldizer” certas existências,
nesta "bloglândia" por vezes tão filatelista)

REFERÊNCIA
(Maria Teresa Horta)

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

O que chega primeiro
e só parte, por vezes
antes de eu perceber
que já tinhas voltado

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

Aquele que me beija
e me possui,
me toma e me deixa
ficando a meu lado

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

Que sempre me enlouquece
e só aí percebo
como estava perdida
sem te ter encontrado

PRINCÍPIOS
(Nuno Júdice)

Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor, Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

ZEITGEIST
(Fernando Pino do Amaral)

Os meus contemporâneos falam muito
e dizem: “Então é assim”,
com o ar desenvolto de quem se alimenta
do som da própria voz, quando começam
a explicar longamente as actuais tendências
das artes ou das letras ou das sociedades
a pouco e pouco iguais umas às outras
neste primeiro mundo em que nascemos,
agora que o segundo deixou de existir
e que o terceiro, mais guerra, menos fome,
continua abstracto, em folclore distante.

Parece que está morta a metafísica
e que a verdade adormeceu, sonâmbula,
nos corredores vazios, onde às escuras
se vão cruzando alguns milhões de frases
dos meus contemporâneos. Todavia,
falam de tudo com o entusiasmo
de quem lança «propostas» decisivas
e percorre as «vertentes» de novos caminhos
para a humanidade, enquanto saboreiam
a cerveja sem álcool, o café
sem cafeína e sobretudo
o amor sem amor, pra conservarem
o equilíbrio físico e mental.

Os meus contemporâneos dizem quase sempre
que não são moralistas, e é por isso
que forçam toda a gente, mesmo quem não quer,
a ser livre, saudável e feliz:
proíbem o tabaco e o açúcar
e se por vezes sofrem, tomam comprimidos
porque a alegria é uma questão de química
e convém tê-la a horas certas, como
o prazer vigiado por preservativos
e outros sempre obrigatórios cintos
de segurança, pra que um dia possam
sentir que morrem cheios de saúde.
Quando contemplo os meus contemporâneos
entre as conversas trendy e os lugares da moda,
«tropeço de ternura», queria ser
pelo menos tão ingénuo como eles,
partilhar cada frémito dos lábios,
a labareda vã das gargalhadas
pela madrugada fora. No entanto,

assedia-me a acédia de ficar
assim, mais preguiçoso do que um Oblomov
à escala portuguesa — ó doce anestesia
a invadir-me o corpo, a libertar-me
desse feitiço a que se chama o “espírito
do tempo” em que vivemos, sob escombros
de um céu desmoronado em mil pequenos cacos
ainda luminosos, virtuais
estrelas que se apagam e acendem
à flor de todos os écrans
que os meus contemporâneos ligam e desligam
cada dia que passa, nunca se esquecendo
de carregar nas teclas necessárias
para a operação “save”
e assim alcançarem a eternidade.

in, Colecção “Poesia e Prosa” Ed. Publicações Dom Quixote, Visão, Lisboa 2009
Ao preço de 50 cêntimos cada (e ainda dizem que o livro está caro!).
Nesta colecção de 8 volumes, Nuno Júdice, Maria Teresa Horta, Fernando Pinto do Amaral, Mário Cláudio, Manuel Alegre, Mia Couto, João de Melo e Ondjaki. A não perder.

4 comentários:

V. disse...

Excelente escolha de poemas. O escopo da arte é quase divino. Quase belo.
Não há nada mais importante que as escolhas que se fazem, seja na poesia ou em tudo o mais.

Boa Páscoa

Unknown disse...

50 cêntimos é mesmo simbólico...


Boa Páscoa,
para todos vocês, do
Helder

A OUTRA disse...

Boa Páscoa, Lauro António.
Maria

Bandida disse...

belíssimos os poemas e mais bela ainda a amizade.

um grande beijo