domingo, julho 19, 2009

CINEMA: ALMOÇO DE 15 DE AGOSTO

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ALMOÇO DE 15 DE AGOSTO
Nos últimos tempos, o cinema italiano tem-nos reservado algumas boas surpresas. Uma delas foi “Gomorra”, de Matteo Garrone, outra é esta comédia discreta, “Pranzo di Ferragosto”, que o mesmo Matteo produz, e que Gianni Di Gregorio dirige e interpreta. Com o apoio do Ministero per i Beni e le Attività Culturali de Itália, o que não deve ser esquecido. Não será uma encomenda, mas anda perto. Um filme certamente interessado em dar à terceira idade (aos seniores!) um fôlego novo.
“Ferragosto” é uma ameaça italiana que o cinema já trabalhou por diversas formas. Trata-se de um feriado que parece datar dos tempos do Império Romano, e que se comemora em Itália no dia 15 de Agosto. Festeja-se o encerramento dos trabalhos agrícolas e por isso mesmo é um feriado sinistro (não por ser “de esquerda”, mas por ser opressivo). Em Roma não há comércio aberto, as ruas estão quase desertas, não há vivalma, e quem não partiu para os arredores, em piqueniques familiares, o melhor é mesmo ficar em casa, a estudar direito, como o pretendia fazer Trintignant, em A Ultrapassagem, antes de ser desviado para a má vida por um Gassman desregrado. Na época áurea do neo-realismo, já Luciano Emmer nos dera uma imagem destes feriados, em "Domingo de Agosto". Mas também, mais recentemente, tivemos a Roma em Agosto de Nani Moretti, em "Querido Diário". Todos eles “passam” por este filme de Gianni di Gregorio mas de uma forma digerida, não como citações ou pastiches. Di Gregorio possui um outro olhar, actual, uma emoção diferente, uma contemporaneidade que sentimos nossa. Gianni, com os seus cinquenta anos bem contados, vive só com a mãe num pequeno apartamento de um bairro de pequena burguesia romana, A mãe é senhora de muita idade, dependente, que gosta sobretudo de ouvir o filho ler histórias, como “Os Três Mosqueteiros”, de Alexandre Dumas (com d´Artagnan, e não Dartacão, como a ignorante tradução portuguesa sugere!). Mas nesse feriado de 15 de Agosto, o senhorio de Gianni, a quem este deve rendas, pede-lhe para ele ficar com a sua mãe, para poder dar uma escapadela sentimental. Mas esta senhora traz a tia, e o médico de família, nesse dia de urgência, convoca igualmente a mãe dele. Um feriado e quatro velhinhas, num apartamento sem grandes condições, e as maleitas e as dietas (atraiçoadas) e as brejeirices e as rabugices da terceira idade, implicativas e vingativas até dizer basta. E ternas e deliciosamente humanas, também. E Gianni a tratar de todas, até daquela que resolve arejar à noite e ir tomar um copo e fumar um cigarro para uma esplanada, sem dizer nada a ninguém. E os almoços de peixe, com um bom vinho branco. E os remédios. E a televisão, os jogos de cartas, enfim, tudo a que têm direito. Lá fora, apenas vislumbrada pelas janelas abertas, Roma, a cidade eterna. Dentro de casa, as eternas questões da sobrevivência humana. Resolvidas, uma a uma, com paciência de santo pelo generoso Gianni.
Parece que o filme tem algo de autobiográfico em relação à personagem de Gianni (assumida, ao que se julga: Gianni, a personagem, Gianni di Gregório, o realizador e actor). Julgo até que o apartamento onde é filmado “Pranzo di Ferragosto” é o apartamento do actor-realizador. Tudo ressoa, aliás, a algo muito vivido, sentido, algo de que se conhecem bem os pequenos nadas que são tudo, que oferecem uma verdade e uma densidade humana muito especial a este pequeno filme despretensioso, mas muito estimável. Com uma excelente realização que resolve muito bem os bicudos problemas do claustrofóbico apartamento, que dirige magnificamente as quatro velhinhas aqui reunidas, e que nos dá um retrato emocionado do dia a dia de uma cidade que, muitas vezes, retira o seu fascínio, não do excepcional, mas do banal.
ALMOÇO DE 15 DE AGOSTO
Título original: Pranzo di Ferragosto
Realização: Gianni Di Gregorio (Itália, 2008); Argumento: Gianni Di Gregorio, Simone Riccardini; Produção: Matteo Garrone; Fotografia (cor): Gian Enrico Bianchi; Montagem: Marco Spoletini; Design de produção: Daniele Cascella; Guarda-roupa: Silvia Polidori; Departamento de arte:Cristiana Possenti; Som: Filippo Porcari; Efeitos visuais: Francesco Spadoni; Companhias de produção: Archimede, Ministero per i Beni e le Attività Culturali (MiBAC); Intérpretes: Gianni Di Gregorio (Giovanni), Valeria De Franciscis (mãe de Giovanni), Marina Cacciotti (mãe de Luigi), Maria Calì (Tia Maria), Grazia Cesarini Sforza (Grazia), Alfonso Santagata (Luigi), Luigi Marchetti (Viking), Marcello Ottolenghi (Médico), Petre Rosu (vagabundo), Biagio Ursitti, etc. Duração: 75 minutos; Distribuição em Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 16 de Abril de 2009.

2 comentários:

Tiago Ramos disse...

Para mim este é uma das maiores surpresas do ano e que tive a honra de ver na extensão do Festival de Cinema Italiano no Porto.

Este filme é uma lufada de ar fresco no cinema italiano e por conseguinte, europeu.

Bandida disse...

deixo-te um beijo.