domingo, abril 04, 2010

CINEMA: CRAZY HEART

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CRAZY HEART

“Crazy Heart” não é um grande, grande filme, mas é uma obra simpática, com bons desempenhos e dois Oscars (actor e canção), ambos inteiramente merecidos, sobretudo o de Jeff Bridges. Não se percebe, por isso, muito bem que o filme vá parar directamente ao lançamento de DVD, e não passe por uma sala de cinema em Portugal. Este lançamento envergonhado de um filme que esteve na corrida dos Oscars parece querer dizer que esta é uma obra produzida sem grandes ambições e que uma passagem num canal televisivo e um lançamento em DVD pagam a encomenda e justificam os encargos. Assim seja, mas Jeff Bridges mereceria mais.
Histórias de cantores “country” é o que não falta no cinema americano. Bons filmes sobre eles também não, basta recordar a obra-prima de Robert Altman, “Nashville”. É sabido que o “country” é o território do maior conservadorismo musical por terras americanas, o que tem dado bons temas para romances e filmes. A defesa dos valores tradicionais é o lema, e “Crazy Heart” não poderia ser mais paradigmático. Há uma certa nostalgia rebelde nas canções de “Bad Blake”, o “Cow boy do amor”, mas no final ele é o exemplo vivo dessa América de Reagan e Bush, chauvinista na defesa da Pátria e da Família, mas enfrascando-se em whisky para aguentar a melancolia e a amargura do falhanço. Curioso que os cantores de “country” não são muito olhados como consumidores de drogas, mas sim de álcool, coisa de machos. A alienação pode ser a mesma, mas a forma de a fazer esquecer é “viril”. “Bad Blake” é isso tudo, bebe desalmadamente, fuma, deita-se com mulheres, não as jovens “groupies” dos seus tempos de glória, mas frustradas fãs de peles flácidas que o procuram como se ele fosse o elixir da juventude. Vai consumindo com ligeireza quem se lhe atravessa no caminho, mas já conta com quatro casamentos e um filho de 28 anos que não vê desde os quatro. “Bad Blake” já foi muito bom naquilo que faz, escreveu canções que ninguém esquece, lançou jovens que se tornaram ídolos, como é o caso de Tommy Sweet (surpreendente Colin Farrell), de quem agora tem uns ciúmes incomensuráveis, mas a saúde é fraca e sobrevive esparramado em velhos sofás, emborcando garrafas de álcool e vomitando as tripas, adormecendo ao volante nas ressacas que o levam ao hospital, ou subindo a palcos de quinta categoria numa solitária tournée de velha e decadente glória. Um dia encontra a sobrinha (Maggie Gyllenhaal) de um bom pianista, que é jornalista em Santa Fé, apaixona-se por ela e pelo filho de quatro anos, de uma anterior relação fracassada, e resolve abrir o espectáculo do seu antigo protegido, que afinal é bom rapaz e não esquece quem lhe abriu as portas do sucesso. O “happy end” não é total, o que reverte a favor do filme, já de si bastante previsível e ligado por lugares comuns que fizeram escola neste tipo de filmes, mas anda por lá perto. Acontece que Jeff Bridges é brilhante na criação da personagem e na sua caracterização, instalando-se na figura como se sempre a tivesse habitado, com tiques e pequenas anotações de subtil sabedoria. De Colin Farrell já falámos, de Maggie Gyllenhaal não há muito mais a dizer, a nomeação já foi bastante, quanto a Robert Duvall, que também é produtor (tal como o próprio Jeff Bridges), faz uma perninha simpática.
A banda sonora é boa, a fotografia cria ambientes de certa densidade e capta paisagens de belo efeito, mas a construção do argumento e a realização não ultrapassam muito a banalidade bem comportada, com pinceladas de sugestivo bom gosto. Scott Cooper é conhecido como actor, estreia-se aqui na realização e na escrita do argumento, adaptando um romance de Thomas Cobb. Ao argumento, porém, falta alguma tensão e outra desenvoltura dramática, por vezes parece arrastar-se como o próprio “Bad Blake”, num sentimentalismo destemperado. Na realização, a pecha é a mesma, ainda que consiga, aqui e ali, bons planos e alguns enquadramentos que relembram pintores da noite e de interiores norte-americanos. É pouco, é muito? É o que há, mas para ver Bridges vale a pena.
CRAZY HEART
Título original: Crazy Heart
Realização: Scott Cooper (EUA, 2009); Argumento: Scott Cooper, segundo romance de Thomas Cobb; Produção: Eric Brenner, Jeff Bridges, T-Bone Burnett, Judy Cairo, Rob Carliner, Scott Cooper, Robert Duvall, Michael A. Simpson, Alton Walpole; Música: Stephen Bruton, T-Bone Burnett; Fotografia (cor): Barry Markowitz; Montagem: John Axelrad; Casting: Mary Vernieu; Design de produção: Waldemar Kalinowski; Direcção artística: Ben Zeller; Decoração: Carla Curry; Guarda-roupa: Doug Hall; Maquilhagem: Tarra D. Day, Geordie Sheffer; Direcção de Produção: Dawn Todd, Alton Walpole; Assistentes de realização: Sarah Lemon, Chemen Ochoa, Marcia Woske; Som: Paula Fairfield, Carla Murray; Efeitos especiais: Scott Hastings; Efeitos visuais: Paul Lavoie; Companhias de produção: Butcher's Run Films, Informant Media; Intérpretes: Jeff Bridges (Bad Blake), Maggie Gyllenhaal (Jean Craddock), Colin Farrell (Tommy Sweet), Robert Duvall (Wayne), James Keane (Manager), Anna Felix, Paul Herman, Tom Bower, Ryan Bingham, Beth Grant, Rick Dial, Debrianna Mansini, Jerry Handy, Jack Nation, Ryil Adamson, J. Michael Oliva, David Manzanares, Chad Brummett, José Marquez, LeAnne Lynch, William Marquez, Richard W. Gallegos, Brian Gleason, Harry Zinn, Josh Berry, William Sterchi, etc. Duração: 112 minutos; Sem distribuição em Portugal. Aguarda lançamento em DVD.

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