quarta-feira, julho 14, 2010

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, NOTAS, 8

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Um pouco de ternura, grande merda!
“Um Pouco de Ternura, Grande Merda!” (Un peu de tendresse, bordel de merde !) é um espectáculo particularíssimo, mescla de teatro e bailado, que tem no canadiano Dave St-Pierre o principal impulsionador de uma troupe desassombrada de bailarinos a rondar os acrobatas, que sustentam num palco nu quase duas horas de vertiginosa cavalgada.
Primeiramente, o nu. Não é só o palco que está nu, apenas com uma longa fila de cadeiras a limitar o fundo. Os intérpretes estão quase sempre totalmente nus, frente aos espectadores, o que causa desde início logo uma certa efervescência. Porque será que tal acontece? Porque será que a nudez provoca ainda um tal escândalo, a nudez que é o estado em que todos realmente nos irmanamos?
Antes ainda de o espectáculo principiar, um dos elementos da companhia já se encontra sentado numa das cadeiras, nu frontal, dirigindo-se ao público que vai ocupando os seus lugares, e mimando vários esgares e cantilenas. Muito público adere e corresponde, outro percebe-se que está intimidado.
Inicia-se o espectáculo, que de princípio parece um desconjuntado grupo de cenas provocadoras. Mas, lentamente, o significado global vem ao de cima, a coerência vai-se instalando, a crítica ao nosso descarnado (ou demasiado carnal) quotidiano ganha forma e, no final, a solidão de quem cruza o palco em total desencontro estabelece uma angústia profunda, retemperada pelo belo quadro final, onde finalmente, a ternura aparece, a ternura que é tão necessária ao equilíbrio do homem. Mas para que tudo isto ressalte, múltiplas são as peripécias, bailados de uma agressividade física estonteante, retrato de uma sociedade violenta e violentadora. O amor que se destrói e reconstrói. “Un peu de tendresse, bordel de merde!”
Entre o humor e violência verbal, e sobretudo física (raras vezes se vê em palco uma tal orquestração de violência corporal, que o nu acentua e dramatiza), “Um Pouco de Ternura, Grande Merda!” é certamente um espectáculo inesquecível para quem o viu. Mesmo dividindo a assistência, ou sobretudo por isso mesmo, porque divide a assistência e a leva a tomar posição, porque provoca qb a estabilidade dos instalados nas suas certezas.
O Festival de Teatro de Almada tem essa virtude: alberga experiências de índole diversa e de intenções diferentes. É bom ser visitado por essa diversidade reconfortante, como excelente é este confronto com novas perspectivas e tendências que, no final, nos mostram bem que o teatro está vivo e se recomenda.

Dave St-Pierre foi um dos momentos altos do Festival d’Avignon de 2009. O coreógrafo começou a dançar aos 5 anos de idade. Estudou sapateado durante sete anos. Estudou Literatura e Cinema, e inscreveu-se no grupo de dança “Mia Maure Danse”, dirigido por Marie-Stéphane Ledoux e Jacques Brochu. Em 1992 entrou para os “Ateliers de Danse Moderne” de Montréal como bolseiro e, em 1993, juntou-se à “Brouhaha Danse”. Colaborou com esta companhia durante mais de seis anos. Dançou, depois, sob a direcção de numerosos coreógrafos. Foi com as coreografias de Daniel Léveillé, “Amour, acide et noix” e “La pudeur des icebergs”, que se tornou uma figura de renome internacional. Em 2004, com “La Pornographie des ames”, conquistou o prémio Mouson Award 2005 em Franfkurt. Foi nomeado personalidade do ano 2004-2005 pela Radio-Canada.

Um pouco de ternura, grande merda!
Direcção e coreografia: Dave St-Pierre; Uma co-produção de Scène Québec ; Intérpretes/bailarinos: Alexis Lefebvre, Camille L. D’Aragon, Dave St-Pierre, Emmanuelle Beaudoin, Enrica Boucher, Eric Robidoux, Eugénie Beaudry, Eve Pressault-Chalifoux, Francis Ducharme, Gabriel Lessard, Geneviève Bélanger, Julie Carrier, Julie Perron , Karina Champoux, Sara Lefebvre, Simon-Xavier Lefebvre; Direcção técnica e desenho de luz: Alexandre Pilon-Guay; Direcção de cena e assistência técnica e administrativa: Benoît Bisaillon; Duração: 1H40; Classificação: M/ 16

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