quarta-feira, janeiro 05, 2011

CINEMA: O CONCERTO

:

 O CONCERTO


“O Concerto” é mais um daqueles filmes de uma cinematografia minoritária que, todavia, engata junto do público desde o dia da sua estreia e vai por aí fora. “Cinema Paraíso”, “O Carteiro de Pablo Neruda”, “Adeus, Lenine”, “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, etc. Normalmente são filmes que apelam ao sentimento, que lutam por causas nobres, que são bem dirigidos e interpretados, que sendo filmes de autor são simultaneamente obras de grande público. Podem sair-se bem ou não, mas nestes casos resultam em cheio. Maionese bem batida, já o afirmei por diversas vezes.
Radu Mihaileanu, o director, é romeno por nascimento (Bucareste, 23 de Abril de 1958), mas francês por formação. Fugido da ditadura de Ceauşescu, passou por Israel (é judeu), e fixou-se em Paris desde os vinte e poucos anos, onde estudou cinema no IDHEC, foi assistente de Marco Ferreri, e se estreou no cinema com uma curta, “Les Quatre Saisons” (1980), a que se seguiram diversas longas: “Shuroo” (1990), “Trahir”, (1993), “Bonjour Antoine” (telefilme, 1997), “Train de vie” (1998), “Les Pygmées de Carlo” (telefilme, 2002), “Vai e Vive” (Va, vis et deviens, 2005), “Opération Moïse” (documentário, 2007); e finalmente “O Concerto” (Le Concert, 2009). Prepara entretanto “La Source des Femmes”, para estrear em 2011.
“O Concerto” confirma qualidades anteriormente entrevistas (em Portugal dele só se viu “Vai e Vive”) e aponta um curioso caminho para o cineasta: uma nostálgica viagem ao passado, aos tempos de Brejnev na URSS, e um ajuste de contas com essa recordação, mas eivado de um tom de comédia romântica por um lado, satírica por outro.
O filme arranca na actualidade, mas entronca nos anos 80, na URSS governada por Brejnev. Nessa altura, Andreï Filipov era o maior maestro da URSS, dirigindo a célebre Orquestra do Teatro Bolshoï. Um dia, porém, recusa-se a despedir os seus músicos judeus, como havia ordenado o Partido, e entre os quais se contava o seu amigo Sacha, e foi afastado da direcção do Bolschoi. Trinta anos mais tarde, continua no mesmo teatro, agora como empregado de limpeza, mas sempre apaixonado pela música. Uma noite, quando Filipov fica a trabalhar até mais tarde, surpreende a chegada de um fax, endereçado à direcção do Teatro, com um convite do Teatro de Châtelet de Paris para que a Orquestra de Bolshoï ali vá tocar. É então que Filipov tem uma ideia brilhante: e se reunisse os seus antigos companheiros, que hoje em dia sobrevivem (os que sobreviveram) em pequenos trabalhos, e fosse com eles até Paris, fazendo-se passar pela actual orquestra do Bolchoï? A proposta é de difícil execução, mas em cinema não há impossíveis, basta os argumentistas quererem e a obra nasce.
Assim aconteceu “O Concerto” que, não sendo uma obra-prima, satisfaz plenamente o público que fez dele um sucesso estrondoso a nível mundial. A comédia nunca é burlesca, o sorriso impera, terno e discreto; a crítica aos maus costumes da URSS nunca é virulenta, mas o bastante para fazer a distinção entre os bons perseguidos e os maus perseguidores; o lado sentimental nunca é explorado até à náusea, antes se fica pela emoção contida; o todo é sabiamente manuseado, não é particularmente excitante, mas nunca incomoda. Há sensibilidade e inteligência, apontamentos críticos divertidos (os músicos repescados estão mais interessados em conhecer Paris e fazer negócio do que tocar no famoso Châtelet, onde não ensaiam, e chegam atrasados para o concerto) e uma interpretação escorreita: Alexei Guskov defende bem o papel de maestro, e Mélanie Laurent (que já conhecia de “Sacanas sem Lei”) merece referência especial, tanto pela beleza, que é radiosa, como pela forma como aguenta a música de Tchaikovsky, no “concerto para violino e orquestra em ré menor” final, momento alto do filme.

O CONCERTO
Título original: Le Concert
Realização: Radu Mihaileanu (França, Itália, Roménia, Bélgica, Rússia, 2009); Argumento: Radu Mihaileanu, Matthew Robbins, Alain-Michel Blanc, Héctor Cabello Reyes, Thierry Degrandi; Produção: Alain Attal, Valerio De Paolis, André Logie, Bogdan Moncea, Vlad Paunescu; Música: Armand Amar; Fotografia (cor): Laurent Dailland; Montagem: Ludo Troch; Casting: Gigi Akoka, Hervé Jakubowicz; Design de produção: Christian Niculescu, Stanislas Reydellet; Direcção artística: Vlad Roseanu; Decoração: Gina Stancu; Guarda-roupa: Viorica Petrovici, Maira Ramedhan Lévy; Maquilhagem: Daniela Busoiu, Michèle Constantinides, Catherine Crassac, Bernard Floch, Adelina Popa; Direcção de Produção: Xavier Amblard, Nicolas Mouchet, Grégory Valais, Elena Valeanu; Assistentes de realização: Vasile Albinet, Hany El-Sayed, Julie Grumbach, Olivier Jacquet, Ovi Morariu, Michaël Pierrard; Som: Pierre Excoffier; Efeitos visuais: Benjamin Ageorges, Stephane Bidault; Companhias de produção: Oï Oï Oï Productions, Les Productions du Trésor, France 3 Cinéma, Europa Corp., Castel Film Romania, Panache Productions, Radio Télévision Belge Francophone, BIM Distribuzione, Canal+, CinéCinéma, France 3 (FR 3), Eurimages, Région Ile-de-France, Belgacom TV, Tax Shelter ING Invest de Tax Shelter Productions, Le Fonds d'Action de la Sacem, Wild Bunch; Intérpretes: Aleksey Guskov (Andrey Simonovich Filipov), Dimitri Nazarov (Aleksandr 'Sasha' Abramovich Grosman), Mélanie Laurent (Anne-Marie Jacquet / Lea), François Berléand (Olivier Morne Duplessis), Miou-Miou (Guylène de La Rivière), Valeriy Barinov (Ivan Gavrilov), Lionel Abelanski (Jean-Paul Carrère), Laurent Bateau (Bertrand), Vlad Ivanov (Pyotr Tretyakin), Anna Kamenkova (Irina Filipova), Roger Dumas, Anghel Gheorghe, Aleksandr Komissarov, Vitalie Bichir, Despina Stanescu, Guillaume Gallienne, Valentin Teodosiu, Ion Sapdaru, Ramzy Bedia, etc. Duração: 90 minutos; Distribuição em Portugal: Castello Lopes Multimédia; Classificação etária: M/ 6 anos; Estreia em Portugal: 25 de Novembro de 2010. 

Sem comentários: